14 de março de 2006

A Herança

Os mecanismos do cérebro humano são de facto inescrutáveis e nunca deixam de me surpreender. O supereu, essa entidade freudiana que fiscaliza permanentemente as nossas acções passadas, existe e condiciona também as nossas acções futuras. Os sentimentos de culpa estão em todos nós, em maior ou menor grau, e dependem da nossa formação e educação. É consabido que da nossa família, além da herança genética, que herdamos no nascimento, e da herança material, que herdamos na morte, vamos herdando, ao longo da vida, a sua história, a sua cultura, a sua forma de estar na vida. Tudo isso nos enforma e nos condiciona. E muitas vezes carregamos fardos antigos que não são nossos mas que claramente herdámos e não sabemos como lidar com eles e o que fazer com eles. Cada um adopta aí a sua própria estratégia de sublimação. Vem isto a propósito de uma curiosa notícia que li esta semana na Sábado (n.º 97), que dava conta de que o filho de Hermann Goering, braço direito de Adolf Hitler e criador da Gestapo, se havia convertido ao judaísmo. O normal para quem tem aquele apelido nos dias de hoje seria solicitar a sua mudança, usar um outro apelido, adoptar uma postura low profile, «esconder-se» do mundo ou pelo menos «esconder-se» no mundo. Mas não, o filho de Goering foi mais longe e decidiu adoptar a religião daqueles que o seu pai chacinou. A conversão pode ser genuína e pode até ser uma coincidência. Porém, a mim esta atitude - que me fez lembrar um outro fenómeno interessante, a Síndrome de Estocolmo, em que a vítima de sequestro se começa a identificar com os seus captores – parece-me claramente uma forma de expiar uma culpa dos seus maiores que não sendo sua ele também herdou.

11 Comments:

Blogger Curiosa said...

Este “poste” fez-me lembrar uma história...
Quando fiz a preparação para o baptismo das minhas meninas, o padre afirmou que não haveria ninguém presente que estivesse livre de pecados...Não resisti e respondi que a bebe que tinha ao colo (que tinha apenas 5 meses) ainda estava livre de ter cometido quaisquer pecados...Com altivez o padre respondeu-me: " Tem pecados sim senhor, tem os dos pais..." Aqui está a herança deixada de gerações em gerações, já lá diz o ditado, paga o justo pelo pecador…
Bom “poste”!

quarta-feira, março 15, 2006 12:11:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Está-se sempre a aprender. Pensei que fosse imperscrutável, mas agora levo com esta. Ainda pensei que fosse um daqueles neologismos de que o Pólis é afecto, mas não, procurei no dicionário on-line da Primberam e lá estava!
Já estou mais rico hoje! :-)

quarta-feira, março 15, 2006 1:13:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Sem dúvida, meu caro, «vivendo e aprendendo». É a sua «herança» da Herança. O Pólis tb não usa assim tantos estrangeirismos: até usa poucos... Utilizou o mainstream e falou, mas não usou, o bué e o buereré...

quarta-feira, março 15, 2006 7:03:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Tb conheço um pouco de História, cara Impatiens, e posso dizer-lhe que geralmente «Roma não paga aos traidores» e há sempre cristãos-novos e cristãos-velhos e os primeiros são sempre apontados a dedo... Acha, porventura, que ele é bem recebido no seio dos judeus?! Ou que por se ter convertido não deixam de lhe apontar o dedo? Não creio, não creio...

quarta-feira, março 15, 2006 7:06:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Bem lembrado, o seu exemplo, cara Curiosa... Onde se vê que há culpas que nos são mesmo inculcadas desde muito cedo e a do pecado original é uma delas... Uma boa achega...

quarta-feira, março 15, 2006 7:10:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bom, essa do pecado original, segundo as escrituras, é atribuída às mulheres, não é? :-)

quinta-feira, março 16, 2006 12:05:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

A Curiosa não deixará, por certo, de responder a essa do «pecado original» ;-)

quinta-feira, março 16, 2006 3:01:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

I can hardly wait...

sexta-feira, março 17, 2006 12:49:00 da manhã  
Blogger Curiosa said...

Caro Kroniketas, não me diga que não sabe porquê que Adão foi comer a maça?! É que a Eva era uma mulher com a mania das modernices e deu-lhe um achega que não haveria jantar para ele enquanto não aprendesse a cozinhar...Como tal, ele só se lembrou de ir buscar a maça e comer... É que, naquele tempo, ainda não havia as mousses instantâneas Alsa...
Eva não induziu Adão para a rebelião contra a Autoridade Divina, apenas lhe quis ensinar que todos são iguais, hoje faço eu o jantar, amanhã fazes tu :-)

sexta-feira, março 17, 2006 1:11:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Pois para mim, o pecado original foi a curiosidade (a Curiosa que me perdoe), graças à qual Eva pode demonstrar a Adão que há coisas mais interessantes na vida do que ficar a ver passar os combóios.

sábado, março 18, 2006 8:11:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Pois para mim, a grande questão do pecado original é saber se a maçã seria «reineta», «starking», «royal gala», «golden»...

sábado, março 18, 2006 11:13:00 da tarde  

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