26 de novembro de 2005

Flecte, flecte, insiste, insiste, «bué»

Não há mesmo como flectir e insistir muito – ia a dizer «bué», mas arrependi-me?! - em assuntos de Língua Portuguesa, ou Língua Materna, também se diz. E vai daí, para matizar o dito «bué» e os provérbios pseudo-cultos do «post» anterior, e porque a Língua Portuguesa é mesmo «o que está a dar» ultimamente na blogosfera tuga, aqui fica mais um texto de um mail - lá vem estrangeirismo (mas este validado pelas Krónikas, uff) - que me foi enviado ontem por uma prima amiga, intitulado Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa. Foi assim que me foi apresentado e eu assim o reproduzo:

«Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido, feminino, singular. Era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, ilábica, um pouco à tona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir.E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro. Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento. Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante.
Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo. Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo. Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente.
Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros. Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.
Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular. Ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisto a porta abriu-se repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.Que loucura, meu Deus.
Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que, as condições eram estas. Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história.
Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.»

P.S. - Qualquer semelhança entre esta história e pessoas ou acontecimentos reais é mera coincidência. Não, não sou o «substantivo», mas também não sou o «verbo auxiliar do edifício», safa...

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Lá vem uma interjeição: chiça!

domingo, novembro 27, 2005 2:46:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Bem eu acho é que já cá está a gramática toda, de onde esta «estória» :-) ainda vai parecer um grande Gang Bang :-)

domingo, novembro 27, 2005 7:12:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Infek
lizmente, o texto em questão, é da autoria de Luís Fernando Veríssimo, reputado escritor brasileiro, e não dessa pretensa aluna de Letras...

sexta-feira, novembro 24, 2006 1:04:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Obrigado pela atribuição da autoria, que desconhecia. Mas também não está dito que o texto foi escrito por um aluna de letra, mas sim que o texto tinha por título: «Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa».

sábado, novembro 25, 2006 12:11:00 da manhã  

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