18 de novembro de 2005

A «história» da «estória» que é bué fixe…

As Krónikas Tugas abordaram a questão da diferença entre «estória» e «história», abonando-se para tal numa resposta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Conhecendo nós previamente a opinião das Krónicas, achámos que o Kroniketas escolheu logo, de entre as respostas disponíveis, a mais fundamentalista de todas. O Ciberdúvidas, como projecto cooperativo que é, portanto a várias mãos, tem excelentes respostas e más respostas. Eu desta não gosto, não tanto pelo conteúdo, que é correcto, mas sobretudo pelos termos da mesma. Confesso que não gosto do uso de expressões tais como: «palermice», «disparate», «ridículo» e outras, sobretudo em questões de Língua que, como todos sabemos, não é uma ciência exacta. Todos dizemos e escrevemos «palermices», «disparates» e coisas «ridículas». É claro que eu também podia adjectivar de «palermas» alguns excertos do texto do autor da resposta, citado pelas Krónikas, reputando de «palermice», por exemplo, o uso da vírgula na frase: «É a mesma palavra com dupla grafia, e derivada do latim «historia(m)», etc., etc. Mas não o vou fazer. Aliás nunca o faço, ademais nestas «coisas» da Língua.
Nesta questão em concreto, também me parece que a palavra «estória» tem origem no Brasil, já que não vem referenciada em nenhum dos grandes dicionários portugueses, designadamente, José Pedro Machado, Morais, Cândido Figueiredo, Porto Editora e mesmo no recente dicionário da Academia. Aparecendo só no ainda mais recente, porém de matriz eminentemente brasileira, Houaiss, referida como «termo antigo, o mesmo que história. Trata-se de um termo de origem medieval que significa narrativa de cunho popular e tradicional; história» (Lisboa: Círculo de Leitores, 2003, t. 3, p. 1634). Deixando de fora os dicionários, aparece «economicamente» referida na Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira como «grafia antiga de história» (v. 10, p. 493) e também na Enciclopédia de
O Público com a seguinte definição «arcaísmo que se procura revitalizar para, em contraste com história (baseada em documentos), significar narrativa de ficção» (2004, t. 8, 3412).
Confesso, porém, que não me parece mal a sua utilização. Eu uso-a, com parcimónia, mas uso-a e acho que ela me enriquece enquanto escrevente da Língua Portuguesa. Também não acho que as importações que fazemos das outras línguas e sobretudo do Português do Brasil – se é que nesse caso se pode falar de importação – sejam sempre más. Não gosto do «arianismo» linguístico, que aliás nem sequer existe, pois o que é afinal a nossa Língua e todas as línguas senão evoluções umas das outras. Para além da matriz latina, que aliás tem desde logo na sua base elementos celtas e elementos autóctones provenientes dos idiomas pré-existentes no território português, e das influências gregas e árabes, está ou não o Português pejado de anglicismos, de galicismos, mas também de castelhanismos, de germanismos, de italianismos, etc., etc.? É claro que está. E ainda bem que está, porque a língua é um organismo vivo, em constante mutação, permanentemente a aculturar e a ser aculturada, a incorporar e a eliminar léxico. Ainda bem, porque é essa diversidade que faz a nossa riqueza. O Pólis sabe que o Kroniketas é um «cavalheiro» e que certamente aprecia um bom «bacalhau» com «batatas» - já não vamos para o cabrito ou para o borrego - num bom «restaurante», pagando a seguir com um cartão de um qualquer «banco». Ora, contrariamente ao pagamento da tal refeição, para escrever esta frase, o Português pediu «emprestados» termos ao castelhano, ao francês e previsivelmente ao neerlandês, ao taino e ao italiano. Levando a «coisa» ao extremo, ainda bem que posso dizer sem aspas e com toda a propriedade que a Língua Portuguesa é bué ou até mesmo buereré fixe…
Imagem - Camões, de Júlio Pomar

5 Comments:

Blogger Curiosa said...

Aqui está uma explicação bué bacana e prática de se usar. História quando narrativa de factos documentados e estória quando narrativa de ficção, está tudo bem explicadinho, sem hipótese de erro...

sexta-feira, novembro 18, 2005 10:27:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pois, eu podia dizer que essa do bué é outra aberração... Isso devia figurar numa dicionário de calão, talvez. É como a história do "carácter" que alguns querem à força transformar em "caracter", sem o acento. Voltarei a este assunto um dia destes.
PS: já agora, podia explicar donde vem o cavalheiro e o bacalhau com batatas...

sábado, novembro 19, 2005 3:18:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Ver resposta em post autónomo. O «carácter» dava outro post.

sábado, novembro 19, 2005 11:38:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ah, pois dava. Há 15 anos que ando a tentar explicar às pessoas que é "carácter". O Tuguinho que o diga...

domingo, novembro 20, 2005 12:37:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

As fontes da Edite Estrela são «fraquinhas». A Enciclopédia do Público é uma versão abreviada da Enciclopédia Luso-Brasileira, que, por tal facto, procura contemplar as realidades do aquém e do além Atlântico. Em questões de língua são preferíveis os dicionários às enciclopédias. Mas a Edite não deixa de ter razão. A questão é polémica, como se vê?!

domingo, novembro 27, 2005 7:03:00 da tarde  

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