Esbulhos legais
A fechadura do tampão de gasolina do meu carro avariou.
Dirijo-me a um concessionário da marca. Já agora tratemos os bois pelo nome: a marca é a Volkswagen (VW) e o concessionário é a Auto-Latina, em Lisboa. Na Secção de Peças explico a situação. Resposta: «não vendemos só o canhão, tem de comprar o kit completo: canhão e tampão». Deixo encomendado. Vou buscar. Valor da peça: €43,26.
É necessário adaptar a chave ao canhão. Digo que sim. Vou buscar. Valor da adaptação: €51,06, correspondentes a uma hora de mão-de-obra, à módica quantia de €40 a hora, a que acresce €2,20 de uma taxa referenciada do seguinte modo: «tratamento e recuperação de resíduos». O acento desta última palavra é meu, porque o programa de facturação da Auto-Latina tem graves deficiências de Português e só acentua algumas palavras, mas funciona bem nas somas e nas multiplicações… Nem questionei o valor da mão-de-obra, embora este seja manifestamente exagerado, quer em termos absolutos, quer em termos relativos: configurar uma pequena fechadura não demora certamente uma hora de trabalho. Porém, não deixei em branco os tais €2,20 do «tratamento e recuperação de resíduos»: «Mas sou eu quem fica com o tampão». Resposta pronta do funcionário: um jovem executivo de oficinas-auto, espécie de oficial de liasion entre o cliente e a oficina, bem apessoado na sua camisa e gravata, cordial mas com aquela manha canina na defesa da empresa (um jovem de sucesso, já se vê!): «É que em Portugal tudo tem de ser reciclado, mesmo as peças mais pequenas». Esbocei o meu melhor sorriso de escárnio, mostrando-lhe bem que não acreditava na coisa. Mas não retorqui. Estava com pressa e em dia de não me aborrecer.
Algumas conclusões deste edificante episódio:
1.º Dever-me-ia ter sido vendido apenas aquilo de que precisava: o canhão e não o canhão e o tampão;
2.º A adaptação da fechadura à chave não levou uma hora de trabalho;
3.º O valor do trabalho-hora é obsceno: €40 hora para alguém que trabalhe 7 horas perfaz €280 dia e €6160 mês, livre de impostos, pois sobre este valor ainda paguei IVA;
4.º O valor de €2,20 do tratamento e recuperação de resíduos sendo adequado para a substituição de peças em que a oficina fique com as peças não o é neste caso em que fiquei com o tampão antigo; quanto pagaria se a peça a reciclar fosse o motor do automóvel ou o próprio automóvel?;
5.º A Volkswagen ao vender o tampão e o canhão está a gerar desnecessariamente lixo, já que eu não precisava para nada de um novo tampão.
Etiquetas: Comércio, Empresas, Língua Portuguesa
8 Comments:
Obrigado pela solidariedade, cara Luar. Vejo que, mesmo defronte para o mar, continua ligada à net... Usufrua desse mar, minha cara. Quanto ao tampão, não fiquei intimidado pela gravata do «oficial de liaison», apenas não estive para me chatear... Acredite que a possibilidade de contestação da minha parte cresce na proporção directa do ar de «oficial de liasion» e de outros idênticos predicados... Mas não me diga que não lhe sabia bem um ordenado mensal de €6160?
Independentemente de quem "saca" os 40€/h de mão-de-obra, o valor é obsceno. Aliás foi esta a palavra usada por um médico alemão nosso amigo, quando lhe dissemos o que cobrava um médico em Portugal por consulta privada, generalista ou de especialidade. Em parte nenhuma da Europa, que eu conheça, existe este assalto legal e com a chancela da OM à carteira do doente.
Bem faz a Audi, cujos tampões são trancados pelo sistema central!
Porque, de resto, os concessionários são todos iguais, seja de que marca forem: só que uns roubam mais que outros... :-)
tuguinho
É verdade, cara Maloud, a classe médica é outra das que tais, mas apesar de tudo sempre estamos perante mão-de-obra altamente especializada, não propriamente perante «arranjadores» de fechaduras, com todo o respeito que me merecem tais actividades... E na classe médica podemos escolher e para quem não pode (ainda) há o SNS... Aqui ou é a VW e os seus concessionários ou nada... E pagar ca de 95 euros por aquela coisa plástica que aparece na imagem, convenhamos que é demais... Além de que pagamos mais pela mão-de-obra do que pela peça propriamente dita... Obscenidades resultantes de posições exclusivistas do mercado... E não se lhes põe cobro...
Pois é, caro Tuguinho, não duvido nada do que me diz, aquilo é tudo massa da mesma forma... Aliás tb acabo assim o meu poste...
Bem, cara Luar fica para último porque o Blogger me comeu a sua resposta. Concordo consigo, claro, mas não acho que o «oficial de liaison» seja materialmente improdutivo, porque a bem dizer sempre produziu a factura, além (é claro) da boa argumentação com que me brindou... Há-de convir que nenhum «mecânico» teria essa verve, ou, parafraseando o anúncio da União Zoófila, tal lata...
Por acaso, nos veículos que conduzo (Toyota, Opel e VW), todos eles têm tampa interior apenas de rosca e uma cobertura exterior que é trancada pela fechadura. No caso do Toyota, aliás, a tampa exterior é aberta directamente a partir do interior do veículo. Presumo que esse modelo já tenha uns anitos valentes...
O veículo é um VW Polo com exactamente 10 anos, sem fecho centralizado, de onde, tudo abre directamente do exterior com chave, excepto a portinhola do porta-luvas que abre do interior tb com chave...
Já agora vale a pena dizer que as minhas queixas com concessionários da VW já vêm de longe. Só para ter um exemplo «edificante» (mas há mais), quando comprei este carro, em 1996, entregaram-mo praticamente sem gasolina: empanou 200m depois do stand... Que belo exemplo para a prestigiada VW.
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