23 de agosto de 2006

Macho Man segundo Camilo

Foram algo discutidas em certo blogue luso as virtualidades do que se chamou o Macho Man. A questão comportou classificações de tal bicho, apreciações várias dos leitores e sobretudo das leitoras. A bem dizer as principais clientes de tal espécime. E já se sabe que o cliente tem sempre razão... No fundo, o tal blogue reduzia o o bicho-homem a dois grandes grupos, o dos brutos cavernícolas e a cheirar a cavalo e o dos sensíveis andróginos que deixavam grossas dúvidas quanto à sua condição... E advogava-se, com maiúsculas e tudo, que os «OS HOMENS NÃO DEIXASSEM OS SEUS CRÉDITOS POR MÃOS ALHEIAS». Expressão um bocado críptica, que não mereceu do tal blogue grande esclarecimentos, apesar das instâncias do Pólis&etc... Ora o Pólis&etc. ficou a matutar nesta frase – até porque gosta de agradar às clientes e agradar às clientes é conhecer as suas preferências, como se sabe - e nestas férias, voltou a Camilo, tendo lido ou relido várias obras. Eis, pois, o que descobriu nas páginas de Eusébio Macário:
«As matilhas assanhadas ladravam ao cadáver do lobo, e algum cão mais ousado puxava-lhe pelo rabo, sacudindo a cabeça com frenesi. O lobo foi disputado aos caçadores pelos habitantes da aldeia vizinha, que tinham direito a seis mil réis com que a Câmara gratificava o matador; mas os de Montalegre diziam que aparecesse o homem que o matara, e estavam a termos de o levar, porque o morgado do Corujão, dado a pompas venatórias, lhe queria a pele para tapete da cama, e falava em embalsamar a cabeça. Nisto, Felícia para desatar as dúvidas, disse em segredo a umas vizinhas que quem matara o lobo fora o senhor padre Justino de Padornelos. Espalhou-se logo o caso, foi muito admirada a valentia do padre, e um lavrador abastado, o Chanca, mandou uma cabra e um cabrito de presente a Felícia, e que dissesse ao senhor padre que, se precisasse de alguma cousa, ele estava às ordens para o servir, e que assim é que se queriam os homens. Daí por diante Felícia quando ia a um cerco, romaria ou festa de igreja longe, o povo apontando para ela, dizia: «Aquela é a fêmea* do padre que matou o lobo» (p. 46).
Resta ainda transcrever, em jeito de conclusão, a preciosa nota de Alexandre Cabral, o editor-literário da versão que lemos:

* «Em Terras de Barroso e nas limítrofes a mulher em mancebia é uma “fêmea”; reduzem-na às condições mais fisiologicamente animais que podem. A casada não é fêmea, nem mulher: é a “patroa”. “A minha patroa”, diz o marido».

Também temos aqui uma interessante classificação para as mulheres: fêmeas ou patroas... Fica por esclarecer se este é um bom exemplo de Macho Man, se para se ser Macho Man se tem de matar um lobo – pensaremos naturalmente num equivalente moderno e ecologicamente mais correcto para a situação... Fica ainda por esclarecer se com a expressão Macho Man se procuraria, tal como em Terras de Barroso, reduzir o homem «às condições mais fisiologicamente animais»...

Etiquetas: ,

5 Comments:

Blogger Politikos said...

Ó cara Luar, deixe-me dizer-lhe que fiquei tão «empanturrado» com as suas narcejas que não sei se consigo comentar o seu comentário... Mas pelo menos consegui perceber o seu gosto pelas versões mais rurais do Macho Man... O problema é que o mundo rural está a regredir... Mas sempre ouvi dizer que quem não tem cão, caça com gato... Estou, porém, curioso sobre qual será para si o modelo ideal da Fêmea Woman, se o rural de antanho ou o urbanizado de hoje... Não esqueça também que a fêmea de que nos fala o Camilo estava amancebada com o padre...

quarta-feira, agosto 23, 2006 7:32:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Ah, cara Luar, «gordas» novidades me dá com esse seu comentário, sim senhor! Registo a simpatia da sua posição em relação à infidelidade feminina (em mais uma coisa a vejo mais radical do que eu ;-)
E gostei da tirada camiliana sobre a «patroa»: a «matulagem», a «bisca lambida», o «carrascão», os verbos que os acompanham: que imagética, cara Luar?! :-D
Mas isso da «patroa» pode ter várias interpretações. Dou-lhe outra: o homem, burro de carga, animal de tracção, mouro de trabalho que dia a dia arranca à terra bruta a côdea, a triste «bucha», chega a casa e entrega a «féria», a «jorna» à sua «patroa» que a administra sabiamente, cuida da casa, dos filhos, amealha uns cobres (alguns escondidos): a minha «patroa», diz o homem... Veja lá se esta versão não é mais favorável, minha cara?!
P.S. - Vejo que a candura e a inocência da imagem da geração 1000 euros ainda está bem presente no seu espírito... O que poderei eu fazer mais para me penitenciar desse momento de fraqueza carnal?! Não me diz, cara Luar? ;-)

sexta-feira, agosto 25, 2006 12:23:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Ah, cara Luar, é uma descrente no género humano, perdão, do género masculino... Mas olhe que o Camilo tb não trata bem as «fêmeas» e não é só a do padre... Eu diria que, para o bem e para o mal, é tudo barro da mesma massa: não vejo, nem nunca vi em termos absolutos a tal «gentil e mui estimada mulher» de que fala...

sábado, agosto 26, 2006 2:53:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Que troca de piropos tão interessante. Isto levar-nos-ia muito longe no que concerne a essas infindáveis discussões acerca do feminismo. Eu tenho para mim que a história do "macho man" e da "escrava doméstica" é uma mistificação de que, aliás, as mulheres sabiamente se aproveitam.

terça-feira, setembro 05, 2006 12:56:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Sabiamente, sabiamente é essa a palavra-chave, caro Kroniketas :-)

segunda-feira, setembro 11, 2006 6:17:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home

Hits
cidadãos visitaram a Pólis desde 22 Set. 2005
cidadão(s) da Pólis online