Os novos Index ou a falência do Estado de Direito
Take 1 – Os particulares e as dívidas
Há praticamente 20 anos adquiri a minha primeira habitação própria nos subúrbios de Lisboa. Prédio novo e novos donos: todos proprietários. Qualidade que adquiri antes mesmo de ter um emprego decente e/ou proventos adequados à condição. Tão contente estava com a minha propriedade que fui adiando até onde pude a mudança para lá. E permaneci até ao limite dos limites em propriedade arrendada, ou seja, duas assoalhadas exíguas no centro de cidade. Ia, porém, pagando o condomínio da minha propriedade e acompanhando à distância a administração do prédio, como competia a um bom, responsável e novel proprietário da Pólis. Uns dois ou três anos depois, fui surpreendido com a instalação de um pequeno armário com duas portinholas de vidro e uma fechadura-cadeado no átrio da propriedade. Bondosa e ingenuamente, pensei que o dito armário serviria para a afixação de anúncios ao condomínio. Nada mais errado! O objectivo prioritário do dito era afixar a lista dos condóminos devedores. E a coisa resultou. Foi mesmo remédio santo. Num ápice resolveram-se quase todas as situações de incumprimento, permanecendo alguns casos avulsos de devedores crónicos e de alguns profissionais do ofício. O opróbrio social do index funcionou na perfeição. Há pouco tempo, na zona onde vivo – uma conhecida e movimentada artéria de Lisboa – a administração de um condomínio decidiu afixar na porta principal do prédio e bem visível da rua um grande placard com a indicação da dívida de um estabelecimento comercial que ocupa um das lojas. A coisa parece ter resultado, pois só lá vi o papel durante uns dias. Mais um caso de remédio santo. Mais uma vez o opróbrio do index funcionou na perfeição.
Take 2 – O Estado e as dívidas
Está disponível desde ontem, no site da Segurança Social a Lista de Grandes Devedores à Segurança Social, e desde finais de Julho, no site da Direcção-Geral dos Impostos, a primeira Lista de Grandes Devedores ao Fisco. Parece que neste último caso, a operação foi um sucesso e antes de a mesma ir para o ar já haviam sido cobrados 20 dos 130 milhões de euros em dívida. Parece que a ideia é ir até ao mais pequeno devedor e será extensível a outras áreas. Parece ainda que o próprio Estado vai dar o exemplo e vai divulgar a lista dos seus próprios incumprimentos. Aplaude-se!
Take 3 – Epílogo
Há nestes dois casos duas situações só aparentemente semelhantes. Ambas, porém, com a mesma causa. Ora no primeiro take deste filme negro, a situação passava-se entre particulares ou entre empresas. Recorrer à Justiça para recuperar aquelas dívidas era trabalhoso, caro, moroso e de duvidosa eficácia, de onde recorria-se ao opróbrio da sanção social... Agora, porém, a roca fia mais fino e isto acontece entre o Estado e os particulares e entre o Estado e as empresas. Ou seja, o Estado reconhece oficialmente, hoje, tal como os particulares já o haviam feito, ontem, a absoluta ineficiência e ineficácia do sistema judicial de que dispõe para conseguir cobrar pelos meios legais adequados as suas dívidas... E isto porquê? Para não mexer na sacrossanta independência do poder judicial: princípio velho e relho - na sua configuração moderna com mais de dois séculos –, estimável e necessário, por certo, mas que quando levado ao limite dos limites, como é o caso, gera fenómenos perversos. Mexe-se na saúde e acaba-se com as listas de espera; mexe-se na função pública, avaliando por objectivos e criando supranumerários... Mas não se faz a tão necessária reforma de Justiça (a tíbia revisão do processo penal e uns acertos na distribuição do mapa judiciário não é nada). O que estes novos index mostram é apenas e só – e não é nada pouco – o reconhecimento oficial pelo Estado de que a Justiça não funciona... É para mim o sinal até agora mais evidente da absoluta falência do Estado de Direito...
Há praticamente 20 anos adquiri a minha primeira habitação própria nos subúrbios de Lisboa. Prédio novo e novos donos: todos proprietários. Qualidade que adquiri antes mesmo de ter um emprego decente e/ou proventos adequados à condição. Tão contente estava com a minha propriedade que fui adiando até onde pude a mudança para lá. E permaneci até ao limite dos limites em propriedade arrendada, ou seja, duas assoalhadas exíguas no centro de cidade. Ia, porém, pagando o condomínio da minha propriedade e acompanhando à distância a administração do prédio, como competia a um bom, responsável e novel proprietário da Pólis. Uns dois ou três anos depois, fui surpreendido com a instalação de um pequeno armário com duas portinholas de vidro e uma fechadura-cadeado no átrio da propriedade. Bondosa e ingenuamente, pensei que o dito armário serviria para a afixação de anúncios ao condomínio. Nada mais errado! O objectivo prioritário do dito era afixar a lista dos condóminos devedores. E a coisa resultou. Foi mesmo remédio santo. Num ápice resolveram-se quase todas as situações de incumprimento, permanecendo alguns casos avulsos de devedores crónicos e de alguns profissionais do ofício. O opróbrio social do index funcionou na perfeição. Há pouco tempo, na zona onde vivo – uma conhecida e movimentada artéria de Lisboa – a administração de um condomínio decidiu afixar na porta principal do prédio e bem visível da rua um grande placard com a indicação da dívida de um estabelecimento comercial que ocupa um das lojas. A coisa parece ter resultado, pois só lá vi o papel durante uns dias. Mais um caso de remédio santo. Mais uma vez o opróbrio do index funcionou na perfeição.
Take 2 – O Estado e as dívidas
Está disponível desde ontem, no site da Segurança Social a Lista de Grandes Devedores à Segurança Social, e desde finais de Julho, no site da Direcção-Geral dos Impostos, a primeira Lista de Grandes Devedores ao Fisco. Parece que neste último caso, a operação foi um sucesso e antes de a mesma ir para o ar já haviam sido cobrados 20 dos 130 milhões de euros em dívida. Parece que a ideia é ir até ao mais pequeno devedor e será extensível a outras áreas. Parece ainda que o próprio Estado vai dar o exemplo e vai divulgar a lista dos seus próprios incumprimentos. Aplaude-se!
Take 3 – Epílogo
Há nestes dois casos duas situações só aparentemente semelhantes. Ambas, porém, com a mesma causa. Ora no primeiro take deste filme negro, a situação passava-se entre particulares ou entre empresas. Recorrer à Justiça para recuperar aquelas dívidas era trabalhoso, caro, moroso e de duvidosa eficácia, de onde recorria-se ao opróbrio da sanção social... Agora, porém, a roca fia mais fino e isto acontece entre o Estado e os particulares e entre o Estado e as empresas. Ou seja, o Estado reconhece oficialmente, hoje, tal como os particulares já o haviam feito, ontem, a absoluta ineficiência e ineficácia do sistema judicial de que dispõe para conseguir cobrar pelos meios legais adequados as suas dívidas... E isto porquê? Para não mexer na sacrossanta independência do poder judicial: princípio velho e relho - na sua configuração moderna com mais de dois séculos –, estimável e necessário, por certo, mas que quando levado ao limite dos limites, como é o caso, gera fenómenos perversos. Mexe-se na saúde e acaba-se com as listas de espera; mexe-se na função pública, avaliando por objectivos e criando supranumerários... Mas não se faz a tão necessária reforma de Justiça (a tíbia revisão do processo penal e uns acertos na distribuição do mapa judiciário não é nada). O que estes novos index mostram é apenas e só – e não é nada pouco – o reconhecimento oficial pelo Estado de que a Justiça não funciona... É para mim o sinal até agora mais evidente da absoluta falência do Estado de Direito...
Etiquetas: Justiça
3 Comments:
Ainda bem que concorda, cara Luar. Penso que a denúncia ainda não está em causa, uma vez que este número só diz respeito àqueles que o sistema já sabe que não pagam...
Câmara Municipal de Coimbra:
Dívida de 10 mil euros.
Há dois anos.
A um fornecedor de equipamentos - máquinas e tractores.
Até quando???
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