12 de setembro de 2006

«Ir de encontro» segundo Camilo

Sem querer ser teimoso, ainda volto à vaca fria, agora na ilustre companhia de Camilo. A vaca fria – esclareça-se – é a expressão ir de encontro, de que já por aqui falámos por várias vezes (1.ª e 2.ª). É que descobrimos um exemplo do uso da expressão ir de encontro em Coração, Cabeça e Estômago:
«Eu tinha um par de pistolas de coldres, carregadas muitos meses antes. Para as carregar com a certeza de levar nelas a morte, desfechei-as contra o saguão da casa. A detonação fez grande estrondo e causou grande susto a uma senhora grávida que perdeu os sentidos. O marido desta matrona era cunhado do regedor, e foi queixar-se de mim, como causa dum abalo, que podia trazer funestas consequências dum movito, e a perda do menino, em que ele fiava as alegrias da sua velhice. A dona do hotel, quando tal soube, disse que eu era muito feliz em ter contra mim as queixas de um só dos pais daquele menino possível. Parece-me que esta mulher, com tal juízo sobre paternidades, ia de encontro às ideias, que tenho sobre o fenómeno da geração» (p. 60).
Não sendo inteiramente conclusivo o sentido da expressão usada por Camilo, ser contra ou ser a favor, parece-me com razoável probabilidade, após várias leituras e conhecimento do contexto, que a expressão é indicadora de coincidência. A ser verdade e usada por Camilo, provavelmente o escritor com mais largos recursos vocabulares da nossa literatura, é argumento de peso na discussão. O Pólis&etc., porém, está em condições de garantir que dentro em breve, em site de referência da Pólis em matéria de Língua Portuguesa, irá sair a última palavra sobre esta questão.
Atendendo à polémica que a mesma encerra e para evitar outras supervenientes, a democrática administração do Pólis&etc. decidiu que, doravante, e até superior autorização dos linguistas da Pólis, este blogue e o seu autor passarão a só utilizar, embora a contragosto, a expressão ir ao encontro para significar concordância ou adesão às nossas ideias, abandonando em definitivo a expressão ir de encontro com tal sentido ou com outro qualquer... Salvo melhor opinião ou outros desenvolvimentos, e que nos desculpe Camilo, ir de encontro passará para o nosso pessoal purgatório linguístico... É que eu até posso ir de encontro à parede mas isso não significa que esteja contra ela...

Etiquetas: ,

3 Comments:

Blogger maloud said...

Sejamos criativos no uso da língua, senão isto é uma grande seca.

terça-feira, setembro 12, 2006 6:54:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Mas esta polémica, cara Luar, intriga-me de sobremaneira, porque só encontro o «ir de encontro» no sentido de «estar contra» nos gramáticos (que como se sabe se copiam uns aos outros) e não encontrei, por exemplo, na internet e em bases de dados de Língua Portuguesa UM único exemplo no sentido que lhe dão os gramáticos... Há-de convir, cara Luar, que é um pouco demais...
Aguardemos, pois, pareceres mais doutos do que as minhas impressões...

terça-feira, setembro 12, 2006 11:20:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Concordo consigo, cara Maloud, mas nas devidas proporções... Ando a ler um livro de um autor que não conhecia: Manuel da Silva Ramos. O livro chama-se «Ambulância» e o autor inventa e cria palavras que se farta... Confesso-lhe que apesar de um estilo único e irrepetível, estranho muito aquela leitura... Nestas coisas da Língua é como nas receitas culinárias: q.b.

terça-feira, setembro 12, 2006 11:24:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home

Hits
cidadãos visitaram a Pólis desde 22 Set. 2005
cidadão(s) da Pólis online