13 de fevereiro de 2006

Cartoons e cartunes – de cartum a Cartum: a cabala


O Pólis&etc. revela aqui, em primeiríssima mão, que o caso dos cartoons de Maomé é afinal uma gigantesca conspiração do mundo árabe. Ia a dizer cabala mas não quero abrir aqui mais nenhuma guerra religiosa e deveria dizer muçulmano, em vez de árabe, mas vale a consagração pelo uso, tão pouco do agrado de alguns que nos lêem. Os jornais dinamarqueses que os publicaram – ia a dizer pasquins - foram, assim, apenas testas-de-ferro de obscuros interesses de quem quer criar uma nova «guerra dos mundos». Como se não nos bastasse já a do Wells, ainda por cima com uma versão recente do Spielberg. E como é que o Pólis descobriu isso? Através da Língua Portuguesa. É que está lá tudo. Só é preciso ir atrás do novelo. Isto, se tiverem paciência. Que nestas coisas há que explicar tudo como num tribunal, passo por passo, quesito a quesito, não importa o tempo que demore. O «tempo jurídico» não é – como se sabe - igual ao tempo cronológico. Ora bem. Se outro mérito não tivesse, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, vulgo da Academia, teve o meritíssimo – este adjectivo não serve só para os juízes, como se vê - de importar massivamente – poderia dizer maciçamente, mas não me apetece, e até acho que também essa palavra foi uma boa importação, por dar melhor a ideia de «massa» – para a nossa Língua, centenas, senão mesmo milhares, de vocábulos. Alguns já utilizados e consagrados pelo uso, outros nem tanto, outros mesmo nunca utilizados ou apenas utilizados na sua língua original. Os jornais ajudaram à festa. Lembro-me até de O Expresso – o Grande Educador do Povo da Pólis - ter declarado «oficialmente» ir seguir, a partir daí, o preceituado pelo Dicionário da Academia. Outros não o fizeram «oficialmente» mas também alinharam com a moda. Foi assim que num ápice apareceram em Português inúmeras palavras nacionalizadas que até então sempre haviam vivido entre nós como imigrantes. Assisti, por exemplo, a «lobbye» passar – e bem – a lóbi e hoje todos vamos convivendo – e muito bem – com o lóbi. Excepto a Microsoft e o dicionário do Word que continua teimosamente a apontar como errada a grafia de lóbi. Aguardemos, porque com o «pacote» de acordos assinados há dias com Bill Gates, tal não tardará a ser corrigido. Voltando ao tema, volta e meia dou de caras com uma nova palavra aportuguesada que inicialmente me «fere» a sensibilidade linguística. Porém «fere» mas sem provocar grandes feridas. Apenas uns arranhões, logo intelectualmente cauterizados pelo meu raciocínio analítico. Aliás brilhante, como se vê pelos textos que por aqui produzo. Lidos religiosamente – chiça que palavra esta para um texto destes – por não mais de meia dúzia de fiéis – chiça! Outra vez, lá vem outra palavra da mesma área semântica. Pois o que quero mais, se até os apóstolos de Cristo não eram muitos mais... Stop?! Chega de referências religiosas e toma lá um neologismo. «Olho» então para a palavra. Segue as regras lexicais de construção. Ok, fixe. Está aceite, validada e incorporada no meu léxico mental. E pronta a ser usada. Vem isto a propósito dos cartoons de Maomé que rapidamente passaram a cartunes em grande parte dos jornais e revistas da Pólis. Chiça?! Os cartunes arranharam-me mesmo. A princípio nem percebi do que se tratava. Tive de «tirar» pelo contexto. Não sei bem o que me faziam lembrar. Por momentos perpassaram pelo meu cérebro – seguramente na zona das competências linguísticas: talvez o Prof. Damásio nos dê uma «mão» com isto, não vá dar-se o caso de metermos os pés pelas mãos - várias possibilidades. Seria o quê? Uma empresa de «rent-a-car» ou de aluguer de automóveis sediada em Tunes?! Temos mesmo de dizer «rent-a-car». Aí não há hipótese. Pois nem mesmo o Dicionário da Academia se lembrará decerto de «rente-a-carros». Só se for o António Feio, como Ugly Kid Tony, nas suas crónicas da TSF. Um stand de automóveis do Sr. Antunes?! Forte probabilidade para um nome como esse. O contexto, porém, cortou-nos as tergiversações linguísticas e chamou-nos à razão. Embora nela já estivéssemos. Pelo menos a trabalhar com ela. E com a polémica dos cartunes em crescendo, a palavra foi-se instalando. Até ontem, em que tive a genial ideia de pensar como se formaria o singular de tão singular palavra. Teria de ser cartune?! Cartum não poderia, a menos que o plural fosse cartuns?! Consultados os dicionários modernos, o dito da Academia e o Houaiss, vemos que ambos nos dão a possibilidade de o singular de cartunes ser duplo. É à escolha: cartum ou cartune… Os cartuns é que ficam de fora. Não percebemos o critério, mas também não é isso que interessa hoje. O que efectivamente nos interessa é Cartum. Eureka! Pois, Cartum é a capital do Sudão, um país muçulmano, onde a Sharia vigora. De onde se prova afinal – graças aos dicionários - ser tudo isto afinal uma cabala e uma tremenda maquinação dos muçulmanos para culpabilizarem o Ocidente… Mas, afinal isto tudo não começou na Dinamarca… Será que os cartoons de lá também são cartunes?! Bom, seja como for e parodiando Shakespeare, decididamente algo não está mesmo nada bem no Reino da Dinamarca…

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E já agora não havia nada de interessante sobre a vida provocante da Alexandra Lencastre?

terça-feira, fevereiro 14, 2006 12:14:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Resposta em poste autónomo... Anda aqui um gajo a esforçar-se para isto... :-)

terça-feira, fevereiro 14, 2006 10:39:00 da tarde  

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