Que grande frete
De há três décadas para cá, a linguagem ganhou uma enorme tecnicidade em quase todas as áreas profissionais. A formação inicial em posto de trabalho quase terminou. Para todas as áreas é necessária, e bem, uma qualquer qualificação profissional, um qualquer curso de formação. É, pois, necessário sistematizar o conhecimento para assim o transmitir de forma organizada. Daí à existência de um jargão técnico, vai um passo. Até aqui, tudo bem. O problema é quando essa tecnicidade perde completamente verosimilhança. Vem esta arenga a propósito de uma entrevista, ontem na SIC, a José Luís Simões, presidente da conhecida empresa de transportes, Luís Simões, acerca do impacto do aumento dos combustíveis naquela empresa. Luís Simões lá foi perorando com um discurso empresarial típico, com todos os «chavões» da arte, que me pareceram um bocadinho alardeados e bebidos à pressa num curso de gestão rápida. Mas não quero ser injusto para com um empresário com obra feita... A dada altura, a entrevistadora pergunta-lhe, com todo o a propósito, aliás, se alguma vez equacionou baixar o preço dos fretes. Responde logo Luís Simões:
«Com todo o respeito, nós não fazemos fretes, transportamos mercadorias na cadeia de abastecimento». Fantástica definição!
Que pena tenho eu da perca destas velhas palavras. Com uma só palavrinha, resolvia-se a «coisa» e todos sabíamos do que se tratava…
«Com todo o respeito, nós não fazemos fretes, transportamos mercadorias na cadeia de abastecimento». Fantástica definição!
Que pena tenho eu da perca destas velhas palavras. Com uma só palavrinha, resolvia-se a «coisa» e todos sabíamos do que se tratava…
12 Comments:
Ó Luar, eu acho que anda por aí alguma confusão?! O Vasco Santana dizia era que havia muitos chapéus, agora fretes! Convirá talvez rever os filmes da «idade de ouro» do cinema nacional...
Gosto dos seus «sic», cara Luar, e realmente a entrevista passou nessa estação ;-)
Mas diz bem sobre os falantes e escreventes, sinal de que aprendeu bem a lição, e se vir bem eu não critico o Luís Simões, apenas constato um facto - a tecnicidade da linguagem - lamentando a perca de vocábulos mais expressivos e mais económicos...
Já me começa a conhecer os «tiques», cara Luar. É que sou muito substantivo no uso do contraditório, pois para adjectivo e verboso já bastam aqueles que fazem dele exercício profissional...
Mas se me permite a sugestão e para não gerar equívocos, eu diria - aqui sim: eu diria - algo do tipo: Glosando (ou parafraseando) Vasco Santana «fretes» há muitos.
Claro que omitia, como simpaticamente fez, o resto da frase: «seu...» :-)
O glosando e umas aspazinhas não fariam mal nenhum e fariam toda diferença... Quando utiliza o verbo «dizer», há de convir que se presta a interpretações mais literais...
Não percebo a diferença. É um exercício de estilo ou algo mais?
Não vejo onde é que está o equívoco. Como diria Vasco Santana, fretes há muitos. Claro como água.
«Dizer» é um verbo mais forte, mais afirmativo, remetendo-nos mais facilmente para a reprodução exacta do que o outro disse (mesmo com a modalização que lhe é dada pela utilização do condicional);
«Parafrasear» é um verbo menos imperativo, permitindo a recriação e a utilização de novas palavras na reprodução do que o outro disse.
Para mim e para a «recriação» do que o outro disse, o primeiro é, por isso, menos exacto, prestando-se, por isso, mais facilmente a equívocos, e o segundo é, pelas mesmas razões, mais exacto, podendo, também por isso, gerar menos equívocos. Convém dizer também, como aliás noutras vezes já se fez, que por aqui se modaliza muito o discurso, utilizando frequentemente expressões como: «parece-me», «creio», «acho», «penso», «proponho», «sugiro», etc. É que por aqui, claro, claro, só mesmo a água...
Assim se complica o que é fácil. Tão complexa elucubração só torna tudo mais confuso. Tudo isto só para discordar de que o Vasco Santana "diria"? Então e a evolução da língua? E "aquilo que os falantes e escreventes quiserem fazer dela"? É a mesma explicação para o "dizia" do Jorge Palma?
Não, não é, «dizia» é o pretérito imperfeito e, como tal, remete-nos para o passado... «Dizia» parece que já não «diz»...
Dizia na canção, quando a gravou. Já tem uns bons anitos, porntanto é passado. Não sei se ainda a canta. Então umas vezes temos liberdade linguística e outras prendemo-nos por pormenores?
É claro que ainda canta essa canção, meu caro. Eu aceito perfeitamente o «dizia» na situação em que o aplicou, apenas o acho impreciso, gerador de confusão e prefiro o «diz»... Tanto assim que até comentei aquilo em tom jocoso com um «não mate já o homem»...
A liberdade linguística é como a liberdade geral, tem regras. E eu respeito as regras gerais e da língua. Apenas sou é receptivo à incorporação de novos vocábulos...
Uma pequena diferença...
Ele "diz"? Pois eu não o tenho ouvido dizer... O diz pressupõe uma permanência, não é? Se quisermos ir por aí teremos que passar para o "diz às vezes"...
Não entremos pelo «non-sense», nem pelo inverosímil, meu caro. Se se diz: «como dizia o Jorge Palma» parece que ele já não «diz», que já não pode dizer, porque morreu ou ficou impossibilitado de o fazer, apenas isso...
Não me convence. Isso é ser picuinhas. Sempre ouvi usar essa expressão nas ocasiões mais variadas, e parece-me bem mais apropriada que "como diz o Jorge Palma". Não se trata de non-sense nem de inverosimilhança, é apenas lógica. Tal como o Paulo de Carvalho dizia (ou cantava) "dez anos é muito tempo". Soa melhor "o Paulo de Carvalho diz" ou "o Paulo de Carvalho canta"? Há quantos anos que ele gravou essa canção? E há quantos anos que não se ouve a mesma? Onde é que se depreende que ele já não o faz porque não pode? Francamente, só com muita imaginação é que se pode fazer essa leitura.
Já me chamaram pior... Mas se lhe parece mais apropriado dizer sobre alguém que ainda está vivo e em plena actividade: «como dizia fulano»... por mim tudo bem...
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