20 de maio de 2006

Recepcionar não avilta a língua

Desafiaram-nos, as Krónikas Tugas, a pronunciarmo-nos sobre a correcção do verbo «recepcionar». A razão das Krónikas Tugas para não o aceitar era que, existindo o «receber», para quê o «recepcionar»? Para mim, essa não é uma razão atendível. Há o receber, que é mais simples, mas porque é que não há-de haver o «recepcionar», que é mais técnico? Quantas palavras sinónimas ou com sentidos semelhantes temos na nossa língua? Temos também, por exemplo, o «oferecer» e o «ofertar», que se usam indistintamente sem escandalizar ninguém.
A quantidade e a diversidade do léxico é que faz a riqueza da língua…
Indo ao «recepcionar», por mim está «recepcionado». Nunca uso mas não me repugna nada usá-lo ou passar a usar. A palavra está bem construída, atendendo ao radical de onde provém, a partir do qual se formaram muitas outras palavras. E é - parece-me - utilizada sobretudo em contextos técnicos e profissionais.
Quanto a dicionários, dos que consultei – quase todos os grandes dicionários, diga-se - só o da Academia já a inclui com o sentido que o tal locutor, citado pelas
Krónikas Tugas, lhe dá. O que significa que já está dicionarizada com esse sentido. Nem sequer é só consagrada pelo uso. E, a meu ver, bem. Até porque a palavra já existe há muito. Só que foi evoluindo e ganhando novos sentidos.
José Pedro Machado define-a, de forma sintética e breve, referindo apenas: «dar recepções». Entre um e um outro dicionário, complementados por outras fontes, atrevo-me até a avançar uma conjectura do que foi a sua evolução. Primeiro, começou por significar «organizar recepções», no sentido de organizar um evento, no qual se recebia conjunto de pessoas (um colectivo) de forma solene. Lembremo-nos das recepções nas embaixadas ou afins. Deve, depois, ter evoluído para a recepção a um conjunto de pessoas (ainda um colectivo) mas em ambiente menos solene, menos formal: profissional, de negócios ou mesmo em casa. Algo do tipo: «recepcionou os clientes no hall e encaminhou-os para o escritório, onde esperaram» ou mesmo individual «recepcionou o cliente x no hall e encaminhou-o para o escritório, onde esperou». Do «recepcionar» pessoas ao «recepcionar» coisas ou objectos, como cartas ou papéis, foi um passo… Penso até que a vulgarização da figura do(a) recepcionista também deve ter ajudado a que isto acontecesse. Os recepcionistas «recepcionam» pessoas mas também «coisas», objectos. A palavra foi-se, pois, popularizando e assim alargando o seu âmbito: das recepções solenes, para as recepções profissionais, das recepções de pessoas para as recepções de objectos…
É a língua a evoluir…

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Agora pergunto eu: e o que falta para "evoluirmos" do "recepcionista" para o "receptador"? Haverá alguma diferença?

domingo, maio 21, 2006 1:38:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

lololol!Excelente kroniketas.

domingo, maio 21, 2006 4:02:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Até podem coincidir na mesma pessoa, meu caro. Como diz o outro, eu desde que vi um «porco a andar de bicicleta» ou um presidente do SLB ter sido sócio do Porto... Tudo é possível e não só na língua... ;-)

domingo, maio 21, 2006 1:01:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

A língua é que os falantes e escreventes quiserem que ela seja, cara Luar. Por mim, e como não-especialista, se a palavra estiver lexicalmente bem formada, em princípio aceito-a... Se todos tivéssemos uma posição conservadora, de não abertura, não teríamos uma língua tão rica...

domingo, maio 21, 2006 8:00:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um dia destes ainda vamos achar que está bem dizer "póssamos", "sêjamos" ou "tênhamos" ou "supônhamos". Se os falantes assim quiserem... Percebes-te o que disses-te?

segunda-feira, maio 22, 2006 8:25:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Ninguém disse isso... Apenas se defende uma posição mais aberta em relação à língua...

terça-feira, maio 23, 2006 1:52:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pois é, e junto a isso vem o ouvistes, fizestes, dissestes, etc. O que é que os impede de serem assimilados se muita gente os diz?

quarta-feira, maio 24, 2006 11:53:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Estamos a entrar numa certa «deriva argumentativa»! Parece-me!

quinta-feira, junho 01, 2006 7:50:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A questão é esta: onde é que está o limite para a criação de neologismos e para a assimilação de aportuguesmentos "a martelo"? Aí é que está o busilis...

domingo, junho 04, 2006 1:46:00 da tarde  

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