18 de novembro de 2006

Pai tirano

Um dia desta semana veio à conversa, na mesa do café, pela boca de uma amiga, a frase «filho de pai incógnito mas publicamente conhecido». Parece que era assim mesmo que, em tempos não muito remotos, os técnicos do Instituto de Reinserção Social chancelavam nos processos a paternidade das crianças à sua guarda. A expressão é em si mesma paradoxal. Ainda veio também à baila o caso conhecido e há algum tempo bastante discutido de Eça de Queiroz, este filho de «mãe incógnita». Aqui, mais do que a expressão, é a situação que é paradoxal. Mas o que não deixei de pensar, naquele momento, foi no opróbrio social que aquele ferrete - «filho de pai incógnito» ou «filho de mãe incógnita» - tinha para os cidadãos da Pólis. O quanto, Deo gratias, mudaste, ó Portugal.

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18 Comments:

Blogger maloud said...

A frase que se usava quando eu era jovem era "filho{a} de pai incógnito e de mãe muito conhecida".
Agora mais a sério, conheci um jovem filho de pai incógnito. Este rapaz frequentava um colégio, onde a ausência de paternidade não era assunto. Só que naquele tempo havia, no fim de cada ciclo para os alunos do privado, a obrigatoriedade de fazerem exames no liceu. A única vez que o vi chorar foi depois de um exame de 5ºano. A aventesma do professor que fazia vigilância resolveu fazer uma piadinha sobre os dados do BI.
É deste Portugal que muitos têm uma imensa e comovida saudade.

domingo, novembro 19, 2006 12:01:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Esse tempo, felizmente, já passou, minha cara. E já não volta. Hoje há outras formas de violência psicológica, é bem certo. Mas esses amesquinhamentos aviltantes já terminaram, e de vez. Queixamo-nos, e ainda bem, mas o Portugal de hoje nada tem a ver com esse outro Portugal. Deo Gratias.

domingo, novembro 19, 2006 12:36:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Segundo algumas "bocas" dispersas que têm surgido aqui e ali, há ainda muita gente saudosa desse miserável Portugal de outrora: parece que na eleição dos grandes portugueses o inesuportável Salazar está em primeiro lugar na votação. A ser verdade, é apenas mais uma confirmação de que, 31 anos depois do 25 de Abril continuamos a ser um país de merda, com um bando de atrasados mentais a fingir que são cidadãos de pleno direito e integrados na Europa: na realiade, o que eles são é um rebanho de indigentes mentecaptos que só se sentem bem sob a lei do chicote. Esse Portugal, caro Politikos, não está, infelizmente, assim tão distante quanto se julga e quanto seria desejável. Basta estar num transporte público, num café ou numa fila de supermercado e ouvir aquela frase arrepiante "isto precisava era de outro Salazar". Uma tristeza! :-(

domingo, novembro 19, 2006 6:14:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A "mãe incógnita" "existiu" por razões legais (porque a mãe era casada com outro que não o pai biológico, que quis assumir o filho). Interessante seria perceber porque é que continuam alguns cidadãos da pólis com um espaço em branco na parte relativa à filiação paterna....

domingo, novembro 19, 2006 11:16:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Sem dúvida, meu caro. Se há coisa que solenemente me irrita são as comparações entre o hoje e o ontem. E geralmente avaliadas com um grande grau de injustiça para o hoje. A memória é curta, como se sabe. Essa do «isto precisava era de outro Salazar» e outras como «o Salazar deixou o ouro nos cofres para agora estes andarem a esbanjar» e similares são sintomas de espíritos pequenos saudosos de uma certa ordem social, de quem apesar de tudo sentia uma certa segurança e previsibilidade nesse Portugal... Mas morrerão de morte natural, meu caro.

segunda-feira, novembro 20, 2006 12:18:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Quanto à "mãe incógnita" estamos esclarecidos, cara Atenas. Já sabia que era como diz. E o «pai incógnito» tb acabou, ao que julgo saber. Agora quanto a esses «cidadãos da pólis com um espaço em branco na parte relativa à filiação paterna...» presumo que tal se fique a dever à impossibilidade prática de a apurar?! Ou não?! Será que nos pode dar alguns esclarecimentos adicionais, minha cara?
Penso que exceptuando a nossa mui estimada Luar, nenhum dos habituais convivas deste blogue tem a formação jurídica que presumo a Atenas tenha. Esclareça, então, por favor este ignorante cidadão da Pólis :-).

segunda-feira, novembro 20, 2006 12:28:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro Politikos, se calhar, tanto quanto agradecer a mudança em Portugal, temos de agradecê-la no mundo inteiro… O problema dos filhos ilegítimos não foi só nosso.

segunda-feira, novembro 20, 2006 8:36:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Caro Luar, não seja bota-abaixo, s.f.f. Por aqui não se diz mal da Pólis só de algumas das coisas da Pólis. Independentemente de quem tem a «pole position», a Pólis mudou e muito...

segunda-feira, novembro 20, 2006 11:42:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

De ignorante Vexa não parece ter nada, caro Politikos...
Sem dúvida que haverá casos em que há impossibilidade prática de apurar a filiação paterna, mas a maior parte está relacionado com a falta de "disponibilidade" dos pais para se assumirem como tal.

terça-feira, novembro 21, 2006 9:20:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Pensei que sendo publicamente conhecidos, cara Atenas, havia a obrigatoriedade legal de reconhecer e assumir a paternidade?! Mas parece que não?!

terça-feira, novembro 21, 2006 10:55:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Politikos, obriga-me a entrar em terreno demasiado técnico que preferia não ter que abordar nos meus comentários. Mas seja, uma vez sem exemplo :-).
A "obrigatoriedade legal de reconhecer e assumir a paternidade" em consequência de uma decisão judicial não é tarefa fácil pois, não sendo normalmente viável a prova directa do facto biológico da pocriação, a demonstração judicial da existência do vínculo tem que se fazer através de presunções e do recurso a verdadeiros conceitos jurídicos (sedução, convivência notória como marido e mulher, posse de estado etc.). Ou seja, é complicado....
Para melhor esclarecimento, leia s.f.f. os artigos 1864º a 1873º do Cód. Civil
:-) :-) :-)

terça-feira, novembro 21, 2006 11:24:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Dispense-me, s.f.f., da leitura do Código Civil, cara Atenas. Embora o tenha por aqui mesmo ao lado de onde escrevo (mas não é meu, esclareça-se ;-). Parece-me, porém, que existe o que se chamam provas periciais?! Ou seja, havendo «dúvida razoável», um exame ao ADN, juntamente com umas testemunhas, não chegará? É que, minha cara, quer-me parecer que mesmo que visse o coito do casal todos os dias, tal ainda não chegaria, já que não se provaria nada :-) Eu acho que o melhor mesmo era instalar uma câmara intrauterina, assim, sim, ficava-se com a certeza completa :-) :-) :-)

terça-feira, novembro 21, 2006 11:39:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Ainda uma adenda, cara Atenas, é que eu estou sempre a aprender, e não sabia, mas soube agora, que a sedução é um «verdadeiro conceito jurídico» :-)

Para não ficar triste, saiba que neste fim de noite, ainda estive a ler o que me recomendou - há melhores leituras mas enfim :-) - e parece-me poder enquadrar o que disse, se me permitir a ousadia sem limite de «sapateiro a passar do chinelo» nos n.º 4 e 5 do art.º 1865 do dito CC :-) :-) :-)
I. é: «se o pretenso pai negar ou se recusar a confirmar a paternidade, o tribunal procederá às diligências necessárias para averiguar a viabilidade da acção de investigação de paternidade» e «Se o tribunal concluir pela existência de provas seguras de paternidade, ordenará a remessa do processo ao agente do MP junto do tribunal competente, a fim de ser intentada a acção de investigação».
Claro que permanece a questão de saber o que são «provas seguras»?!

quarta-feira, novembro 22, 2006 12:16:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro Politikos, vejo insiste nos comentários técnico-jurídicos, mas não lhe faço mais a vontade. :-)
Apenas relembro que os exames ao ADN não formecem resultados seguros de 100% (e alguns até têm uma margem de erro razoável: entre 90% a 98% de possibilidades....).
Quanto à câmara intrauterina, talvez Vexa possa desenvolver melhor essa ideia original e, quiça, em breve teremos os problemas da filiação paterna resolvidos sem recurso (moroso...) aos tribunais (cuidei de colocar a primeira letra com minúscula :-) para não dar azo a outros considerandos...)e, sobretudo, sem vexações seja para quem for.
Cumprimentos cordiais.

quinta-feira, novembro 23, 2006 11:54:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Errata:
Por lapso, esqueci-me de inserir o "que" entre o "vejo" e o "insiste".
Também quis dizer "fornecem" e não "formecem".
Agradeço que aceite estas rectificações, creio que tempestivas!

quinta-feira, novembro 23, 2006 11:59:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Caro Atenas, falta-me em absoluto competência para tal. Há-de convir que até no pouco que me atrevi a escrever fi-lo de joelhos, com a metáfora do sapateiro, eu diria mesmo de rastos ;-) E recordo-lhe que foi a minha cara que atirou para a «fogueira» uns quantos artigos do Código Civil... Anote ainda que neste blogue ainda vou grafando a Justiça com maiúscula, mas os tribunais ficam e bem com minúscula.
Quanto à câmara intrauterina, saiba Vexa que não estou no ramo da investigação científica, nem no do audiovisual :-) Receba tb os meus mais cordiais cumprimentos.
A sua presença é sempre apreciada neste blogue e ainda me permite aprender mais. Como vê são só vantagens :-)
P.S. - As suas rectificações são sempre tempestivas, embora não sejam adendas à matéria de facto ;-)

quinta-feira, novembro 23, 2006 11:24:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Quase on-line, caro politikos...
Aproveito para mais uma rectificação :-( - "Quiçá"....
Como se vê, não há duas sem três!

quinta-feira, novembro 23, 2006 11:29:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Caramba, Atenas. Isto é que pontaria. Não precisa de ser tão preciosista que por aqui toleram-se bem os lapsos. E nós tb os damos. Veja lá se não se esqueceu de mais nenhum ;-)

quinta-feira, novembro 23, 2006 11:39:00 da tarde  

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