25 de abril de 2007

O Impasse

A criatividade e a plasticidade da língua da Pólis são notáveis e não deixam nunca de me surpreender. No domingo, por mero acaso – ainda por cima como ia para um aniversário de uma amiga levava máquina fotográfica: há horas de sorte - dei de caras com um Impasse. E estacionei o carro no Impasse. Pois é! Trata-se de uma rua. A rua ou travessa chamava-se – e chama-se – Impasse à Rua General Taborda e fica ali para os lados de Campolide. Andei pelos dicionários – também dei uma vista de olhos a uns corpora linguísticos existentes na net – e fiquei num semi-impasse. Curiosamente, o da Academia dá-nos, ainda por cima como primeiro significado, «beco sem saída». E não refere ser em sentido figurado, de situação bloqueada ou de difícil ultrapassagem, mas atrevo-me a achar – dada a vulgaridade da expressão - que é disso que se trata e não de um beco, rua ou travessa literalmente sem saída. Abonações: zero, o costume. O Houaiss faz, apesar de tudo, jus à fama de que goza e refere a data da introdução da palavra: séc. XX. É curto mas é qualquer coisa. Como aliás se comprova nos dicionários mais antigos (Morais e Cândido Figueiredo) onde a palavra não consta. Trata-se, pois, de um galicismo recente. Mas é contraditório na questão do sentido da palavra. Os outros que consultei, parte também refere «beco sem saída», mas não esclarecem se alguma vez a palavra teve esse sentido concreto. Seja lá como for, nunca me tinha deparado com a palavra impasse nesta acepção. Porém, independentemente das dúvidas sobre a dicionarização deste seu sentido, a palavra está muitíssimo bem aplicada. E é expressiva até dizer chega. É que uma rua sem saída é mesmo um Impasse, do qual ninguém passa. E não menos curioso é que não só não se passa fisicamente daquele Impasse como também o dito Impasse resiste a tudo. Então não é que o Impasse já não devia ser Impasse mas a situação continua num impasse. Pois é! É que a Câmara Municipal de Lisboa aprovou por unanimidade o fim do Impasse. Com o douto parecer da Comissão Municipal de Toponímia, aquele Impasse chama-se, desde 2004, Rua Campos Júnior. Apesar disto lá continua impassível (falsa amiga esta palavrita: é que a raiz não é a mesma!) o Impasse. Anote-se que apesar de pouco vulgar, ainda descobrimos mais uns quantos - poucos - Impasses por esse país fora... Admite-se, porém, que haja bastante mais Impasses do que aqueles que constam na toponímia...
P.S. - Na verdade, e segundo o Petit Robert, o Impasse foi introduzido na Língua Francesa em 1761, com um sentido concreto, significando «petite rue qui n'a pas d'issue», após o que ganhou um sentido figurado de «situation sans issue favorable», assim aparecendo em 1845. Creio que a palavra deve ter sido importada tal qual. Porém, claramente, o primeiro sentido não vingou, entre nós, tendo o sentido figurado sobrepujado o concreto, hoje quase em desuso.
Nota - Imagem: Pólis&etc.

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6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Bom, mas se um impasse é um beco sem saída, então é disso mesmo que se trata. Sem segundos sentidos.

quarta-feira, abril 25, 2007 12:27:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Em Francês, a palavra tem dois sentidos: um concreto («rua sem saída») e outro figurado («situação sem saída»); entre nós apesar de os dicionários só registarem o figurado, afinal tb tem o concreto. Got it?

quarta-feira, abril 25, 2007 1:26:00 da manhã  
Blogger Luísa A. said...

Caro Politikos, o Cairo que Naguib Mahfouz descreve na sua Trilogie está – na tradução francesa que li - cheio de «impasses». Corresponde bem à visão que temos das velhas cidades mouras e árabes, com muitos becos e ruelas sem saída e um traçado labiríntico.

quarta-feira, abril 25, 2007 8:02:00 da tarde  
Blogger Luísa A. said...

Aproveito para o felicitar pelo a propósito do seu «post» nesta data. :-D

quarta-feira, abril 25, 2007 8:08:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Cara Luar
Em França é comum. Entre nós é que não. Na «literatura» portuguesa, só encontrei - nos «corpora», claro - uma referência à palavra «impasse» (e no sentido mais comum), na obra, de 1969, «A noite e o riso», de Nuno Bragança...

quarta-feira, abril 25, 2007 10:55:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Cara Luar
Eu é que a felicito... mas só por ler ficção em francês e inglês, coisa a que - por preguiça - nunca me habituei...

Quanto ao resto, não me provoque, minha cara... O que seria da Pólis sem esta data, não me diz?!

quarta-feira, abril 25, 2007 10:59:00 da tarde  

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