29 de março de 2007

Voto militante e... reactivo...

Tal como acontece com aquilo que dizem ser o segredo de justiça, melhor seria que o chamassem de Polichinelo - ninguém sabe mas todos sabem - a vitória de Salazar no concurso Os Grandes Portugueses era uma certeza antecipada. Só não se sabia por que percentagem seria. Afinal foi com 41% dos votos. Retumbante e esmagador! Grande escândalo, dizia-se! Mas não foi! O país não parou, as instituições não entraram em colapso. Tirando um ou outro articulista e uma outra conversa de café, aliás sem chama, ninguém ligou meia a isso. Não consigo vislumbrar maior sinal de uma democracia adulta e enraizada! Para a maioria das pessoas, a questão nem sequer é para considerar, quanto mais para relativizar. Para mim, aquilo tratou-se apenas de um voto militante. É certo que foram umas dezenas de milhares de pessoas! Dei-me ao trabalho de fazer o cálculo: foram pouco mais de 65 mil, ou seja, um grande estádio de futebol cheio… Eis tudo! Mas quem se sentiria impelido a fazer uma chamada telefónica para votar em D. Afonso Henriques, no Infante D. Henrique, em D. João II, em Camões ou mesmo em Pessoa? Poucos. Ao passo que em Salazar? Certamente muitos, pelo menos aqueles 65 mil ou de 65 mil números de telefone, o que pode ser diferente... Seja como for, resta averiguar as razões desse tal voto militante. Tirando o facto de esses votos poderem ser, na sua grande maioria, de pessoas que apoiaram e sustentaram o anterior regime, que nele (ou em aspectos dele) ainda se revêem, que têm alguma simpatia por ele ou até mesmo que não se revêem no actual (ou em certos aspectos dele) e assim afirmam a sua oposição, votando em Salazar como protesto. Ou pelo ódio que Salazar concita quererem afirmar o seu amor. E é aqui que eu acho que pode caber um certo tipo de voto reactivo ao modo como as nossas elites (ainda não) lidam com essas figuras do nosso passado recente… É que exactamente no domingo, no dia da final do concurso, visitei a residência oficial do nosso PM… Estava aberta aos cidadãos da Pólis. E eu que vivi naquela zona mais de vinte anos e não conhecia aquele espaço por dentro, aproveitei aquele bodo democrático - resultado da comemoração dos 50 anos do Tratado de Roma - para dar azo a um certo voyeurismo democrático, uma espécie de Hola mas com alguns fumos de ilustração… (até lá estava o Freire Antunes e respectiva família!). E logo na sala de entrada deparei com uma galeria de fotos dos ex-PM, claro que apenas os da democracia. Ora, aquela casa, com as funções que actualmente tem, data de antes da democracia e a actual configuração do espaço idem. Confesso que se sentisse alguma simpatia pelo anterior regime e ali fosse de visita, não deixaria de me sentir algo agredido com esse deliberado apagamento… Ora, quer queiramos, quer não, temos de viver com o nosso passado… E tal como os herdeiros dos palácios de família não apeiam das paredes os bisavós de que não gostam, façamos nós também um pouco o mesmo, para ver se na próxima eleição de Os Grandes Portugueses lá possamos colocar o fundador da pátria, o infante que ousou ir mais além e dar novos mundos ao mundo ou o genial estratega político que tornou Portugal numa superpotência do tempo, para ver se finalmente saímos desta apagada e vil tristeza de ver Salazar eleito como o maior português de sempre, noves fora Camões e Pessoa…

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9 Comments:

Blogger maloud said...

Para este "peditório" já dei, num post que tem linkado.
Agora espero que o retrato do Salazar não seja posto nas paredes de S.Bento. Aquele homem foi um torcionário {não vamos discutir a intensidade, pois não?} e é o grande responsável pelo nosso atraso. Mesmo 33 anos depois do 25 de Abril e 38 anos depois de cair da cadeira. No Palácio da Bolsa, aqui no Porto estão representados todos os reis de Portugal, excepto os Filipes e...D.Miguel. Chamo a isto ter espinha e memória.

quinta-feira, março 29, 2007 11:48:00 da tarde  
Blogger maloud said...

Queria dizer blog e não post. As minhas desculpas.

quinta-feira, março 29, 2007 11:48:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Pois, já sei a que blogue se refere, minha cara. Quanto ao que refere, tem razão quanto ao torcionário. Não discuto nem nunca pretendi discutir a «intensidade». Isso será noutras sedes e com outros protagonistas… Quando ao responsável pelo nosso atraso, foi ele – sem dúvida – mas tb fomos todos nós enquanto povo. Lamento, mas o homem não se aguentava sozinho no poder aqueles anos todos. Quanto aos Filipes e a D. Miguel, pois pode apeá-los da parede, mas não os apeia da História. A verticalidade não se mede por uns retratos na parede. Ou se calhar, sim… E a memória, bem, com essa nem o velho revisionismo histórico acabou… Quer-me parecer, minha cara, que qualquer dia, nem escreve o nome do homem e passa a tratá-lo pelo «coiso» ou coisa assim… ;-)
P.S. - Mas que raio de aversão é essa à «imagem» e não à «escrita»?! E se tiver uma imagem do homem num livro, por exemplo na fotobiografia que saiu há uns anos?! Deita-o fora?! E se tiver uma das belíssimas caricaturas do homem do Abel Manta?! Deita-as fora?! Vasculhe bem aí na biblioteca e verá que tb tem não sei quantas fotografias do homem?! Vai cortá-las com um x-acto?! É a História, Maloud! É a História!

sexta-feira, março 30, 2007 12:20:00 da manhã  
Blogger maloud said...

Nunca corto fotografias com x-acto. Acendo um fósforo e queimo-as na lareira. E olhe que numa dada altura foi um ver se te avias. Que gozo!
Por cá existem alguns livros com fotografias dele, ou do Franco, ou do Hitler, ou do Mussolini, ou do Estaline e não estou a prever nenhum auto de fé. Agora espero nunca me deparar com estas personagens afixadas em locais públicos. Não se trata de apagar a História. Trata-se de remetê-los ao lugar donde nunca deveriam ter saído.

sexta-feira, março 30, 2007 6:35:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Cara Maloud
Descontando o «instrumento»: x-acto ou fósforo; afinal já fez «autos-de-fé» iconoclastas, mas agora não prevê fazer: muito bem!
Concluo tb que estar num livro é diferente e mais aceitável do que estar numa parede. Note-se que não é numa parede qualquer, nem em todas ou em muitas paredes de edifícios públicos, mas numa parede específica, contendo a galeria exaustiva de todos os ex-PM que habitaram aquela casa onde está a tal parede...
Sabe, minha cara, a isso chamou-se em tempos «revisionismo» e é isso mesmo que diz que não é: apagar a História...
Tb não interessa se o homem nunca deveria ter saído de onde saiu, o certo é que saiu e esteve e esteve muito tempo e esteve porque muitos o «suportaram» ou pelo menos não o contestaram, nem o apearam...
Importa reflectir sobre isso...
P.S. - Tenho na sala uma gravura da retirada da família real para o Brasil, em 1807, com o «nosso» D. João VI em plano de destaque... Será que tenho de a queimar na lareira ou por isso se ter passado há 200 anos é mais aceitável?! ;-)

sábado, março 31, 2007 1:28:00 da tarde  
Blogger maloud said...

Com certeza que a gravura terá valor artístico, senão não a teria na sala, não é verdade? Isto partindo do princípio que a louca da D.Maria e o seu excelso filho {não tão tolo como gostam de o pintar} ou esse poço de virtudes chamado Carlota Joaquina não sejam seus antepassados.
Agora não compare o que não é comparável. Onde é que "fuga" da família real da época {já leu O Império À Deriva?} se pode comparar com os quase 40 anos do Salazar?

sábado, março 31, 2007 5:25:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Caríssima
1.º É como diz, a gravura tem valor artístico, porém lá está a personagem de um rei que, entre outros episódios tb pouco edificantes, fugiu entregando um país e um povo a um invasor com «meia dúzia» de soldados, num dos mais tristes episódios da nossa História; quaisquer explicações conjunturais sobre esse transe – que as há – colhem pouco, a meu ver: na prática o homem fugiu;
2.º E não, que eu saiba, não me corre sangue real nas veias… nem desse, nem de outro jaez; sou herdeiro do povoléu, de gente, como em tempos se dizia, dedicada às «profissões mecânicas»;
3.º Tenho cá, foi prenda de Natal do ano passado de uma boa amiga, mas ainda não li «O Império à deriva», mas conheço razoavelmente o período;
4.º Não quis comparar nada minha cara; apenas referi isso num «post scriptum» e à guisa de exemplo de algo que eu tenho em lugar de certo destaque, podendo dizer-se que quase desprezo a personagem e sobretudo o episódio...

sábado, março 31, 2007 7:21:00 da tarde  
Blogger Luísa A. said...

Caro Politikos, concordo consigo. O nosso passado recente, enjeitado por uns, mas igualmente sustentado (ou tolerado) por outros – decerto muitos, ou o regime não teria perdurado quarenta anos - é a nossa história. Estou certa de que a visão será outra daqui a dois ou três séculos, quando os que têm memória e os que têm complexos já não andarem por cá. Não acompanhei o concurso, mas tenho ideia de quem eram as figuras concorrentes e quer-me parecer que todas quantas detiveram o poder o exerceram de uma forma mais ou menos autoritária ou despótica. Não?

domingo, abril 01, 2007 2:10:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Cara Luar
Concordo com parte da primeira parte do que escreve mas não posso concordar com a segunda, quando refere que o poder é sempre exercido de forma autoritária ou despótica. É que essa sua visão acaba por cair no maior dos pecados de quem olha para a História: o anacronismo, ou seja, julgarmos práticas de séculos com os «olhos» e a mentalidade de hoje... Note que a forma como Salazar exerceu o poder, com maior incidência no último período, já estava completamente em contraciclo com «l'air du temps» e estávamos «orgulhosamente sós», não só na visão da questão colonial, mas tb em matéria de direitos cívicos... E isso não é, nem pode ser nunca, despiciendo...

segunda-feira, abril 02, 2007 10:46:00 da tarde  

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