3 de abril de 2006

Match Point: onde está Woody?

Desengane-se quem vá ver Match Point e espere encontrar o universo habitual de Woody Allen. Nada de personagens torturadas pelas suas neuroses, nada de personalidades urbano-depressivas, nada de relações familiares complexas. Neste filme, as personagens são de uma enorme linearidade, de uma enorme previsibilidade. São terrivelmente normais, diria mesmo banais. É por isso um filme profundamente materialista, céptico e amoral. Não há qualquer lugar para a transcendência, para a análise existencialista sobre o sentido da vida, para o drama de existir. Aqui o que conta é ter sucesso, fruir a vida, ter filhos. E para isso vale tudo. O filme acaba também por ser uma espécie de filme-tese. Porque pretende provar que afinal tudo acontece por acaso, por pormenores fortuitos, pela sorte do momento, pela bola que bate na rede e assim permite fazer o derradeiro ponto e ganhar o jogo. E neste desafio a sorte protege sempre os mais ricos. Não havendo também aqui ponta de utopia. É um filme cru e nesta crueza reside o seu génio, sobretudo por oposição à grande parte do Allen anterior. A única ligação deste ao Allen clássico, como que uma assinatura à Hitchcock, aparece num diálogo em que, ao falar-se de um casamento de sucesso, se diz que isso se devia ao facto de ambos terem «neuroses compatíveis». Interessante conceito! Notável é também o modo como a música de ópera permite ligar todo o filme. E nela há também uma ruptura com o jazz que caracterizava o Allen anterior. E por falar em Hitchcock, o velho cineasta decerto não desdenharia assinar a parte final do filme, que antecede os assassinatos: a cena do «atirar da aliança» que se liga com a cena de abertura, o sonho do detective, o diálogo imaginário de Chris com as duas mortas... Match Point.
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