26 de dezembro de 2006

The Day After

Ontem à noite revi o filme The Day After Tomorrow, uma super-produção americana, um filme da categoria dos filmes-catástrofe, que aborda as consequências das alterações climáticas no mundo. Revi, sobretudo pelos efeitos especiais e porque não me apetecia fazer mais nada. E também porque gosto de filmes concêntricos, que abordem as reacções humanas em circuito fechado e em situações limite, mas infelizmente naquele, essa característica, que poderia ter sido bem explorada, quase não existe. O filme tem poucas interrogações onde podia ter muitas e pouca densidade. Bom, mas isso interessa pouco para o que quero dizer.
A certa altura, alguns sobreviventes, refugiados na Biblioteca Pública de Nova Iorque, resolvem começar a queimar os livros para se manterem quentes (a temperatura havia baixado para mais de uma centena de graus negativos). Colocou-se, então, a questão sobre que livros queimar?! E veio à baila um livro de Nietzsche, havendo um curto diálogo sobre a importância daquele filósofo, até que um deles, no piso debaixo, diz qualquer coisa do tipo: «está aqui uma secção inteira dedicada à tributação fiscal». Portanto, foi aquela que foi queimada. Está certo! Uma nota de humor, bem à americana. Para aliviar a tensão ou «puxando-lhe o pé» para a caricatura, como por vezes acontece com as fitas americanas.
E eu não deixei de me interrogar, nesta época em que o economicismo domina, que livros é que cada um de nós preservaria em idênticas circunstâncias?! E sobretudo que livros Bill Gates, Warren Buffet ou outro dos multimilionários do mundo escolheriam?! Ou já agora, entre nós, Belmiro de Azevedo ou Américo Amorim?! Será que preservavam as obras dos gurus da economia?! Ou, nesse momento, escolheriam as grandes obras do pensamento ou da literatura universais?!
P.S. – Já agora registe-se que um dos sobreviventes, num arroubo de conhecimento um bocado mal amanhado para a personagem, resolveu preservar um exemplar da Bíblia de Gutenberg - descontando as polémicas - o primeiro livro impresso conhecido, havendo depois uma ou outra deixa nos diálogos sobre a importância da preservação da cultura ocidental através dos livros. Achei interessante mas ali metido a martelo. Assim que vi a cena, logo me pareceu que o exemplar da Bíblia de Gutenberg não era um original. A encadernação pareceu-me um pastiche recente (nem sequer acho que fosse um fac-símile, pelo menos de qualidade). O formato estava certo, mas a dimensão da lombada pareceu-me que não (porém, como há alguns exemplares em pergaminho, dei de barato este indício). Além disso, a Bíblia de Gutenberg tem dois volumes e só lá vi um. Umas pesquisas no que existe cá por casa e na net deram-me a quase-certeza. Na verdade, a New York Public Library (NYPL) possui um exemplar deste incunábulo, mas tem uma encadernação em marroquim azul, bem diferente, pois, da que o actor segurava. Terei que rever a fita novamente para confirmar ou infirmar estas minhas quase-certezas. Não vale a pena afirmar sem prova. A confirmarem-se, porém, creio que num filme com aqueles meios, e ainda por cima utilizando o próprio espaço daquela biblioteca, fica no mínimo mal…
Nota - E a imagem, fomos buscá-la aqui.

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15 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caro Politikos, se me visse na contingência de ter de me desfazer de alguns livros, avançava, imediatamente e sem hesitações, para os códigos e colectâneas de doutrina e jurisprudência. Talvez, na falta das leis, houvesse mais respeito pelos seus princípios.

quinta-feira, dezembro 28, 2006 1:13:00 da tarde  
Blogger q.b. said...

Pois eu aproveitava para me desembaraçar de alguns «romances» contemporâneos portugueses, de que não consegui ler mais do que as duas primeiras páginas. Marchavam também algumas (aliás, bastantes) traduções, igualmente intragáveis. E haveria, naturalmente, o nosso mais recente «best-seller»…

quinta-feira, dezembro 28, 2006 1:27:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Na verdade, cara Luar, não posso deixar de estar mais de acordo com as suas escolhas. E então em relação à última frase, nem se fala... Nem eu diria melhor, nem eu diria melhor... ;-) Vejo, como aliás já sabia, que há muito terreno comum.
Um bom ano para si.

quinta-feira, dezembro 28, 2006 10:20:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Bem, cara q.b., tem de primeiro me esclarecer qual é «o nosso mais recente best-seller»... É que há vários?! Quanto aos contemporâneos portugueses, pois há de tudo, minha cara. Há os legíveis, os dificilmente legíveis e os ilegíveis... Terá de ser mais precisa...
E quanto às traduções, é bem certo o que diz: cada vez estão piores. Ele há-as muito boas, dos clássicos, feitas por académicos, por exemplo, e as outras e é nestas que se encontram as coisas mais abstrusas. Tem razão.
Um bom ano para si tb.

quinta-feira, dezembro 28, 2006 10:25:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Para além dos livros técnicos (em relação aos quais concordo com a Luar!), tenho no meu escritório todos os outros livros que fui lendo ao longo da vida. Para desespero da cara-metade, recuso-me a "misturá-los" com os livros dele: temos diferentes formas de organizá-los nas prateleiras mas, sobretudo, os meus fazem parte de mim e gosto de os manter à distância máxima de um braço esticado.
Seriam estes os que eu preservaria. Afinal, perdê-los seria perder-me também um pouco! :-)

sexta-feira, dezembro 29, 2006 6:21:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Bem, cara Atenas, não posso deixar de me congratular com o facto de, no «day after», mandar «às malvas» os «canhenhos» de Direito, a que chama eufemisticamente «livros técnicos». Quanto à organização dos livros nas estantes, cá em casa tb temos uma certa «separação de bens». Quero cá eu os meus «books» misturados com aquelas «marmeladas» anódinas da Almedina... Era só o que faltava... :-)

sexta-feira, dezembro 29, 2006 11:04:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caríssimo,
para o caso de nunca lá ter entrado, receoso (naturalmente!), a livraria Almedina tem muito mais "books" para além dos "técnicos".... :-)

sexta-feira, dezembro 29, 2006 11:45:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Caríssima Atenas
Agora faz «processos de intenção», é?! Decerto lhe ensinaram que isso não se faz?! Penso, porém, que se referirá a certa Almedina no centro da cidade que conheço bem e vou lá muitas vezes - moro perto -, mas sou do tempo de uma «lojeca» triste numa transversal à rua do Ouro, de que não recordo o nome, que albergava essa editora...
Além disso, como deve decerto saber, a Almedina já publica muito mais do que as «sebentas» jurídicas, avançando para a Literatura (de que tenho cá um bom dicionário), a Linguística, a Educação, a Psicanálise (tb cá tenho umas coisas), etc.
Isto para além da loja, que tem tudo :-) Como diriam os esconomistas: mete-se «valor» no seu comentário...
Volte sempre e tenha um bom ano, com e sem «coisas» jurídicas ;-)

sábado, dezembro 30, 2006 1:13:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro Politikos, folgo em saber que frequenta a Almedina!, e até "vai lá muitas vezes". Um dia ainda o encontro na secção dos "anódinos livros técnicos".... ;-)
Um excelente ano de 2007 para si, para todos os que aqui comentam e respectivas famílias.

sábado, dezembro 30, 2006 11:39:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Cara Atenas
Nessa Secção será difícil mas nas restantes é bem possível. Leve, por favor, um daqueles «cartazes de aeroporto», dizendo Atenas, para eu a reconhecer :-). Agradeço, em nome do Pólis, os seus bons votos e retribuo.

sábado, dezembro 30, 2006 1:03:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O "best-seller" deve ser o da Carolina... A 1ª edição esgotou num ápice, e no dia 23 de Dezembro já ia na 9ª edição!

segunda-feira, janeiro 01, 2007 1:40:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

É claro que o aspecto da Bíblia do Guttenberg é apenas um pormenor, pois não é crível que a generalidade dos espectadores esteja muito preocupada em saber se o livro que a personagem segura tem exactamente o mesmo aspecto do original. Certamente não foi por falta de meios que os autores não arranjaram um exemplar exactamente igual ao original (não era crível que usassem o original nas filmagens, claro).
Essa questão faz-me lembrar o trabalho ciclópico que é apresentado nos extras do filme "Seven - 7 pecados mortais". Deram-se ao trabalho de escrever uma série de cadernos a representar os apontamentos do assassino, com os quais enchia as prateleiras. Só que o seu conteúdo nunca aparecia no filme a não ser durante breves segundos, pelo que apenas o que era mostrado pelas câmaras poderia ter interesse para efeitos da filmagem.
Isto não é uma daquelas questões que só poderão preocupar aqueles a quem possa ser atribuído o epíteto de "ratos de biblioteca"???

segunda-feira, janeiro 01, 2007 1:48:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

A questão da Bíblia de Gutenberg é apenas uma questão de rigor e de profissionalismo, que é mais gritante numa produção de largas centenas de milhares de dólares. O original poderia – se calhar mesmo deveria - evidentemente ser usado. Porque não? Além disso há fac-símiles nos quais bastaria imitar uma encadernação semelhante à original, que por umas dezenas de dólares qualquer bom encadernador faria. E já agora, e sem sequer sair de Gutenberg, acho notável que quem apoda de «ignorante» (com outro interveniente e nas mesmas KT já se chamou «imbecil» e «burro») quem escreve «caractere» em vez de «carácter» (relembra-se que Gutenberg foi o inventor dos caracteres móveis), achar que esta é uma questão de rato de biblioteca… Mas tb já estamos habituados a que certas questões quando abordadas pelas KT sejam centrais e sintomas da mais profunda ignorância e quando abordadas por outros «levem» apenas com um desdenhoso «who cares» ou então, na versão mais recente, sejam coisas de «rato de biblioteca»…
O caso do Seven é, aliás, um bom exemplo chamado à liça. É talvez pelo rigor levado ao extremo que esse é um filme de culto e que este é apenas um filme com bons efeitos especiais… É que é exactamente nos pormenores que se vê a excelência…
P.S. – A questão da Bíblia esteve para não aparecer no poste. Não gosto de alardear erudição ou o que quer que seja. Apareceu em «post scriptum», em letra menor, porque naquele momento fiz aquela «pesquisa» e porque vinha a propósito já que ajudava a ilustrar alguma falta de consistência e de densidade do filme… O poste não é sobre aquilo… Aliás – esclareça-se -, que vejo frequentemente coisas daquelas, e piores, e não as trago para postes…

terça-feira, janeiro 02, 2007 11:30:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não confundamos o acessório com o essencial. Evitar os erros ortográficos deveria ser uma preocupação de toda a gente mas, principalmente de quem escreve para o público, seja em jornais ou revistas, legendas de filmes, notícias de rodapé nas televisões ou sites na Internet. E muitos desses erros resultam claramente da mais pura ignorância.
Quanto à utlização de uma capa de livro mais ou menos igual à original, já me parece uma questão acessória, de rigor, sim senhor, mas meramente de pormenor. Não é o mesmo, por exemplo, do que seria fazer um filme sobre Tróia usando relógios de pulso.

segunda-feira, janeiro 08, 2007 6:27:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Ora bem, é «acessório» o primeiro livro impresso ser apresentado com um aspecto diferente do original, mas é «essencial» escrever «carácter» em vez de «caractere» (já agora, palavra cujo plural é caracteres).
O que me diria se mostrassem o primeiro equipamento do SLB com listas verde e brancas ou o primeiro automóvel do Daimler com três rodas, não me diz? Seriam essas tb questões de pormenor?

terça-feira, janeiro 09, 2007 11:44:00 da tarde  

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