MP3 or not MP3?
Sempre andei em transportes públicos. Então, desde que, há três anos, voltei a morar em Lisboa, e durante a semana, quase só uso mesmo transportes públicos. Carro na garagem e eis-me calmamente e sem stresse a ser conduzido pela cidade, geralmente entregue a leituras de ocasião e/ou a olhar o meu semelhante. Além do mais, os transportes públicos são um observatório privilegiado das reacções humanas. Neles se sente um pouco o pulsar da colectividade. Ainda por cima, podemos apenas observar sem interagir, como no cinema. Desde há mais de um ano, porém, viajo frequentemente acompanhado de um leitor de MP3, de onde ganho em abstracção mas perco muitas dessas lições de antropologia social.
Hoje esqueci-me do MP3, e, portanto, voltei de novo à condição de observador. E acertei na mouche. Apanhei o autocarro do costume. Na paragem de sempre, uma ambulância mal estacionada impedia o autocarro de fazer uma curva. Chega uma segunda ambulância e os socorristas do 112, focados e alheios a tudo, apressam-se a ir socorrer alguém num prédio próximo. Julgo ter vislumbrado um desfibrilhador e outro material de reanimação. Um coração fraco na manhã da cidade. Sabe-se lá que drama pessoal e familiar! Uma das socorristas volta à ambulância para buscar mais equipamento. O autocarro estacado. O motorista impávido. As pessoas na paragem desesperam. E ninguém na paragem se lembra do coração fraco, só sabem que têm de ir, que têm de chegar, até um dia o seu coração forte virar fraco e estarem outros na paragem. A socorrista volta uma segunda vez à ambulância. E um dos meus companheiros de paragem, um indivíduo ainda novo dá uns passos, troca umas palavras com a socorrista e ele próprio entra na ambulância e estaciona-a uns metros à frente. Perante a postura bovina do motorista, já me havia ocorrido fazer o mesmo. Mas faltou-me a iniciativa, o último passo, a diferença essencial entre o fazer e o não fazer. Também não tinha pressa! Desculpo-me, claro! Olhei o homem e elogiei-lhe interiormente a iniciativa. No meu íntimo mais profundo, pensei que gostaria de ter sido eu a fazer aquilo. Um tipo de fibra: pensei. No outro extremo, a lesma do motorista: espécie de autómato urbano. Só ali está para conduzir o carro, não para cumprir horários, não para ter iniciativa, menos ainda para tomar decisões. Nos passageiros que entram, vai um indivíduo curioso. Reparei logo nele. Era uma espécie de réplica viva do Charlot. Rosto comum, ar tímido, envergonhado, quase pedindo desculpa de ali estar, roupas incaracterísticas, mas o bigode peculiar. O bigode destoava do retrato que dele compus. Já lá dentro, observo que fala um italiano manhoso e – pelo que percebo - faz-se entender mal com o condutor, que já se viu não ser grande peça para quaisquer tipos de entendimentos. A dada altura, e sem que nada o fizesse supor, uma brasileira atira alto: «ou compra bilhete ou sai; senhor motorista siga com o autocarro que estamos com pressa». Segue-se uma troca de palavras inconsequentes, do mesmo teor. Argumento para cá e argumento para lá. E o nosso Charlot volta-se para ela e começa a imitar animais: primeiro cacareja, depois grasna, depois ladra, tudo alto e bom som... Tudo com uma exímia perfeição e graça. Era outro homem, diferente do que vira há uns minutos atrás... Não consegui deixar de sorrir... Mas havia uma peça que não encaixava... O Charlot e a brasileira ainda trocam impressões. Ele amanha-se mal com o Português, ela replica já sem jeito, admirada com respostas com que não é capaz de lidar. O que ressalta, porém, são os registos, completamente diferentes. Não era só a língua que os separava. Era tudo. E vim a saber depois que o homem era suíço, e palhaço… E encaixei a peça...
Amanhã volto ao MP3…
Hoje esqueci-me do MP3, e, portanto, voltei de novo à condição de observador. E acertei na mouche. Apanhei o autocarro do costume. Na paragem de sempre, uma ambulância mal estacionada impedia o autocarro de fazer uma curva. Chega uma segunda ambulância e os socorristas do 112, focados e alheios a tudo, apressam-se a ir socorrer alguém num prédio próximo. Julgo ter vislumbrado um desfibrilhador e outro material de reanimação. Um coração fraco na manhã da cidade. Sabe-se lá que drama pessoal e familiar! Uma das socorristas volta à ambulância para buscar mais equipamento. O autocarro estacado. O motorista impávido. As pessoas na paragem desesperam. E ninguém na paragem se lembra do coração fraco, só sabem que têm de ir, que têm de chegar, até um dia o seu coração forte virar fraco e estarem outros na paragem. A socorrista volta uma segunda vez à ambulância. E um dos meus companheiros de paragem, um indivíduo ainda novo dá uns passos, troca umas palavras com a socorrista e ele próprio entra na ambulância e estaciona-a uns metros à frente. Perante a postura bovina do motorista, já me havia ocorrido fazer o mesmo. Mas faltou-me a iniciativa, o último passo, a diferença essencial entre o fazer e o não fazer. Também não tinha pressa! Desculpo-me, claro! Olhei o homem e elogiei-lhe interiormente a iniciativa. No meu íntimo mais profundo, pensei que gostaria de ter sido eu a fazer aquilo. Um tipo de fibra: pensei. No outro extremo, a lesma do motorista: espécie de autómato urbano. Só ali está para conduzir o carro, não para cumprir horários, não para ter iniciativa, menos ainda para tomar decisões. Nos passageiros que entram, vai um indivíduo curioso. Reparei logo nele. Era uma espécie de réplica viva do Charlot. Rosto comum, ar tímido, envergonhado, quase pedindo desculpa de ali estar, roupas incaracterísticas, mas o bigode peculiar. O bigode destoava do retrato que dele compus. Já lá dentro, observo que fala um italiano manhoso e – pelo que percebo - faz-se entender mal com o condutor, que já se viu não ser grande peça para quaisquer tipos de entendimentos. A dada altura, e sem que nada o fizesse supor, uma brasileira atira alto: «ou compra bilhete ou sai; senhor motorista siga com o autocarro que estamos com pressa». Segue-se uma troca de palavras inconsequentes, do mesmo teor. Argumento para cá e argumento para lá. E o nosso Charlot volta-se para ela e começa a imitar animais: primeiro cacareja, depois grasna, depois ladra, tudo alto e bom som... Tudo com uma exímia perfeição e graça. Era outro homem, diferente do que vira há uns minutos atrás... Não consegui deixar de sorrir... Mas havia uma peça que não encaixava... O Charlot e a brasileira ainda trocam impressões. Ele amanha-se mal com o Português, ela replica já sem jeito, admirada com respostas com que não é capaz de lidar. O que ressalta, porém, são os registos, completamente diferentes. Não era só a língua que os separava. Era tudo. E vim a saber depois que o homem era suíço, e palhaço… E encaixei a peça...
Amanhã volto ao MP3…
Etiquetas: Pessoais
13 Comments:
Caro Politikos,
face ao teor do post, a resposta só pode ser "not MP3"!
Ou, pelo menos, vá variando entre MP3 e not MP3...
:-)
Ah, cara Atenas, e eu que pensava que Vexa apenas comentava postes de «tipo jurídico» (são como o queijo «tipo Serra», aparentados mas nunca o verdadeiro «Serra») - até estranhei que não tivesse comentado os anteriores - e afinal parece apreciar estes devaneios da pólis...
;-)
Do "tipo jurídico" já tenho eu que me chegue, caro Politikos.
Preciso de espairecer...
:-)
Fico muitíssimo mais descansado com as suas razões, cara Atenas. Por momentos e por absurdo, pensei que em matéria jurídica não «desse confiança» a não juristas...
:-)
Bem, dizem-me que para espairecer as mulheres costumam ir ao cabeleireiro, mas pelos vistos há as que se entretêm com a leitura de blogues...
Parece-me bem...
;-)
P.S. - Pressuponho já que esta minha afirmação, sofrerá ainda o seu remoque por parte de outras (pelo menos de uma) das leitoras habituais do Pólis... Aguardemos, pois!
Caro Politikos, o meu conselho diverge do da Atenas. É que palhaços profissionais em autocarros vêem-se uma vez na vida e a sua vez já foi. Fixe-se portanto no MP3, que o espectáculo retorna ao «amadorismo» do costume.
Caro Politikos, se espera que reaja ao seu comentário de Quarta-feira, Janeiro 31, 2007, das 8:03:00 PM, tire daí o sentido. Mas sempre lhe digo que é opinião quase unânime entre «homens e mulheres de ambos os sexos» - expressão que ouvi, um dia, a alguém e se revelou premonitória - que não há melhor para relaxar do que uma boa massagem ao couro cabeludo.
É que não há mesmo, cara Luar!
:-))))))))))))
Conto fazê-lo, cara q.b., conto fazê-lo...
Eu não espero nada, cara Luar, apenas conheço um certo jeito, a algumas comentadoras do Pólis,
ainda aparentado com aqueles das que, em tempos idos, andaram a «queimar soutiens» :-)
Essa dos «homens e mulheres de ambos os sexos» não está nada mal, não senhor, mas deixe-me dizer-lhe que pessoalmente não fico nada entusiasmado com uma massagem no couro cabeludo, mas se for uma massagem tailandesa: ah, bem, isso é outra coisa, e bem diferente...
;-)
Ora, como bem se vê, «les bons esprits se recontrent», não é assim, cara Atenas?!
;-)
O cabeleireiro nem comento. E não andei a queimar soutiens. "Tratei-os" de forma diferente.
Quanto ao MP3 tenho disso cá por casa. Chamo-lhes autistas. O meu amor de mãe no seu esplendor.
Calma, Maloud, descontraia-se e não se abespinhe! Mas, confesso, que fiquei curioso com a forma como «tratou» os seus «soutiens».
:-)
Quanto ao MP3, aconselho a todos: é uma abstracção total e há muitos anos que não «gozava» tanto a música como agora...
Quanto à ligação cabeleireiro/mulheres, há-de convir que é «vox populi», minha cara, mas pode-se sempre argumentar, em sentido contrário, com as cervejas, o futebol e «so on»...
A «guerra dos sexos» é uma espécie de Sporting-Benfica - ou, em sua honra de Sporting-Porto ou Benfica-Porto - aqui no Pólis... e ajuda isto a não ficar tão sério e/ou tão ácido, como em alguns blogues da Pólis...
Aproveita-se tb para corrigir a frase de cima: «les bons esprits se rencontrent»... Assim é que está bem...
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