A culpa e o medo
Nas minhas férias deste ano, numa vila tradicional, de casas térreas e brancas, este ano morreu alguém. Duas casas adiante da minha. Tinha trinta e tantos anos. Estava a ver televisão com a família. Sofreu um ataque cardíaco fulminante. Não sei se o corpo foi cremado ou não, mas sei que houve dois dias de velório e um de funeral. Sempre que saía à rua, para ir ao café, para ir para a praia, para ir jantar, ou o que fosse, passava pela casa do morto, pela capela, via os rostos da família, dos amigos, surpreendia restos de conversas. E era-me sempre um pouco obsceno sair com aquele cenário ali tão perto. Há uma certa solidariedade interior na dor que nos obriga a partilhar, ainda que momentaneamente, aquela tristeza. Um dia chegará, em que alguém por mim ou pelos meus sentirá o mesmo. Penso eu, tentando apaziguar-me. O tempo e a vida não param, penso também. Mas a situação continua a soar-me obscena. E escrevo, porventura para exorcizar a culpa e o medo.
2 Comments:
É verdade, caro Politikos, que não há nada como a tristeza alheia para encher de complexos a nossa alegria e despreocupação.
E faz-nos também reflectir sobre o efémero das coisas. É lugar comum, bem sei, mas muito verdadeiro... E é sinal de que ainda não perdemos completamente a nossa humanidade, tantas vezes embotada por um quotidiano selvagem...
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