A lei do rolha
Uso diariamente os transportes públicos. Um dia destes, excepcionalmente – o que acontece uma ou duas vezes por mês – precisei de levar o carro. Quando acciono o comando do portão da garagem, deparo-me com um carro estacionado, bloqueando a saída. Após um solo de alguns minutos de buzina, com o consequente estardalhaço na vizinhança, volto a casa e ligo para a PSP. Quem me atendeu, referiu ter tomado nota da ocorrência e que iria chamar o reboque. Perguntei, então, quanto tempo demoraria. Pergunta óbvia de quem sai de uma garagem às 9 e pouco da manhã. Que não sabia, diz-se do lado de lá. Perante o rolha, decido avançar com uma proposta pró-activa e pergunto se seria mais de meia hora. Do lado de lá, o rolha dá um passo em frente e arrisca também um «provavelmente, sim». Aquele «provavelmente, sim» soou-me como «obviamente, sim». Como da única vez que tive um acidente, no qual fui culpado, apesar de a situação que lhe deu origem ter sido meses depois corrigida pela Junta Autónoma de Estradas, a PSP demorou duas horas para «tomar conta da ocorrência», decidi, logo ali, que iria de transportes públicos. E digo ao rolha que é importante saber quanto demora o reboque para poder programar o meu dia. O rolha diz-me, então: «Se o denunciante – gosto da palavra – não estiver no local, o veículo não será rebocado, mas apenas autuado». Perante aquilo, sai-me um: «Como calcula, é-me indiferente que o veículo seja autuado ou rebocado, o que me interessa é que ele saia de onde está, em tempo útil». Impassível, mas apesar de tudo com fair-play, refere-me, a seguir, esta coisa espantosa. Coisa aliás muito comum a quem mexe com a lei - leia-se polícias, magistrados, juristas - «só lhe estou a dizer o que diz a lei». É espantosa a capacidade desta gente para se desculpar com a lei. A lei inibe-os de pensar. Dispensa-os dessa atitude. Não usam o bom-senso, apenas a lei. As costas largas da lei tudo acolhe e tudo desculpa. Aliás, ainda há umas semanas, num Prós e Contras, dedicado ao caso Esmeralda, se percebeu isso pela boca dos dois juízes presentes que asseguraram o contraditório: António Martins, o presidente deles, e uma tal Carla Oliveira, que não conhecia. Encheram a boca com a lei, dispensando o bom-senso. E a atitude de um e de outro - o primeiro mais polido pela tarimba dos media e a segunda sem polimento nenhum – causou-me mesmo alguma repulsa, mais até pela linguagem corporal do que pelas palavras. A primeira, aliás, não batia com as segundas. Era mais agressiva. Se tirasse o som do televisor, o que aqueles corpos diziam não conferia com as palavras. Lembro-me de ter sentido a minha cidadania menos protegida por aqueles dois e de pensar que não confiava em nenhum deles para julgar um caso em que estivesse envolvido. No percurso que depois fiz, fui pensando no rolha e achando que, no mínimo, ele, mesmo com a lei, devia ter usado a cabeça. E devia-me ter perguntado se eu iria esperar ou não. É que se eu esperasse, mandava o polícia e o reboque. E se eu não esperasse, mandava só o polícia, com isso poupando-se tempo e recursos. Se a lei diz o que ele diz que diz, bastava ir lá um polícia, quando pudesse - claro! -, autuar o carro, se por acaso - claro! - ele ainda lá estivesse. O caso ainda é que depois passei de autocarro por uma esquadra, que fica a 100 metros de minha casa, onde se viam vários polícias e até mesmo um carro estacionado com dois agentes lá dentro. Pelo menos para a multa, em dez minutos, teriam resolvido o caso. E pensei na estupidez da situação. E nem sequer falo da tal lei que não curei de averiguar. Curiosamente, é ao abrigo dela, ou de uma parente dela, que vejo todos os dias carros bloqueados nos passeios só por não pagarem o estacionamento. Não! Não é por bloquearem a saída a ninguém, é só por não pagarem o dinheiro que a EMEL, a Spark, a CML ou o que for se lembraram de extorquir…
Etiquetas: Autarquias, Crónicas, Justiça, Pessoais, Polícias
7 Comments:
Credo, Sr. Politikos, comecei eu a ler toda animada este post e num instante constato que Vexa passou dos transportes públicos para o rolha, do rolha para a lei, da lei para os magistrados (registei a sua linguagem - verbal, não corporal, que obviamente não o vejo - "o presidente deles") e destes para o prós e contras e para a Esmeralda, retornando aos magistrados (pelo menos aos que menciona) e à repulsa que lhe provocam, sem falar do receio de por eles vir a ser julgado, acabado por concluir que as multas são só rápidas se forem para os cofres da emel e afins...
Chiça, é demais para quem está em jejum de posts seus há tanto tempo.
Acho que vou ter que respirar fundo, digerir cada palavra e depois, recuperada, fazer um comentário digno de um post com tanto conteúdo como este!
:-)
Ocorreu-me: Vexa, além de cansado, anda irritado com alguma coisa?!?! (algo relacionado com a lei e "afins"?):-p
Cara Atenas
Está tudo interligado e tem tudo a ver com a lei. A minha linguagem verbal é - parece-me - igual à corporal. Pelo menos esforço-me para que seja. A repulsa é em relação àqueles e não a todos. Pode pôr na mesma conta o Eurico Reis e um outro «cromo» de nome Fisher Sá Nogueira que, aliás, teve mais uma intervenção disparatada e desastrosa no citado programa. Pergunto-me que credibilidade terá essa figura no meio, para além de ser jubilado, o que me parece curto. Quanto a bom-senso, é nulo.
Nunca tive, até agora, de «responder em juízo» e espero não ter. Num ou noutro caso, estive para recorrer à Justiça dos tribunais, mas como é lenta e má, decidi não o fazer. Perdia o tempo e a fazenda. Conformei-me com a injustiça. E espero muito sinceramente assim continuar. Se vier a ter uma situação na qual tenha de lidar com ela - bato três vezes na madeira - vai-me custar, além do tempo e da fazenda, ter de lidar com gente daquela. Espero, porém, se isso acontecer - bato novamente três vezes na madeira - que me toque alguém normal.
O jejum foi de 10 dias, não foi assim tanto.
E sim, ando irritado, mas não é com a lei, embora esta também me irrite. Sobretudo a «diarreia» legislativa que se vê por estes tempos.
Aguardo expectante os seus comentários, que muito prezo, ao «muito conteúdo» deste poste.
Boa semana
Caro Politikos,
concordo com grande parte do teor do seu magnífico :-) post, pese embora ache que focou apenas os aspectos negativos.
É claro que há quem se escude na lei para não pensar ou disfarçar as suas limitações; é um problema que já vem de longe. Há dezenas de anos atrás o meu pai teve um enorme problema com um funcionário da direcção-geral de viação (não sei se era esta a denominação, na altura) porque, para tirar a carta, era necessário o certificado da 4.ª classe (dizia a lei) e o meu pai "só" tinha o certificado de licenciatura...
:-)
Não vejo o "Prós e Contras" há muito tempo: mais do que com algumas "figuras tristes" que lá vão, fui ficando muito decepcionada com o "estilo" da apresentadora e o "formato" do programa. Não posso, pois pronunciar-me. Mas, infelizmente, já percebi que, em geral, os magistrados (judiciais ou do ministério público) não estão muito bem representados.
Devo, no entanto, dizer-lhe que quando ainda era muito mais nova do que ainda sou (:-D), fui assistir a um julgamento presidido pelo, à altura, Juiz António Martins, e fiquei muitíssimo bem impressionada com ele. Pareceu-me um excelente representante da magistratura, no exercício das suas funções.
Também já me bloquearam a "saída" de casa. Chamei a polícia, que apareceu em 15 minutos, o automóvel foi rebocado e o proprietário multado. :-p
Há de tudo, nesta vida; até um malfadado virús da gripe que, em altura de muito trabalho, é bem pior do que a "lei" ou do que o legislador (essa fantástica entidade abstracta), pois causa preguiça, molenguice e uma enorme vontade de nos metermos na caminha :-(
Perdoe-me pois se este singelo (e recheado de atchins) comentário não estiver ao meu melhor nível :-)))
Uma boa semana para si também
:-)
Cara Atenas
Concordo consigo. Creio que, de facto, não esteve ao seu melhor nível. Na primeira parte, focou um episódio caricato, anedótico, de um funcionário subalterno, para ilustrar o comportamento daqueles que, com outro estatuto e/ou outra autoridade, com pouco juízo crítico, apenas aplicam a lei. Esperava mais de si! Na segunda, diz que há muito que não vê o tal programa. Adita, porém, o bom comportamento em caso que presenciou do «à altura» Juiz António Martins – perdoe-me se não lhe chamei Juiz Desembargador. Nem sempre tenho presente as divisas da «arte». Digo juiz para abreviar razões, que é afinal o que o homem é. Se é general ou coronel, interessa pouco. É militar, pronto! Não sei se louva a atitude ou a figura. Se for a segunda, sou capaz de concordar consigo. Sobre a primeira, não. Tomarei, porém, isso em consideração. É uma opinião favorável contra a minha que é desfavorável. Vai-me obrigar a olhar mais atentamente para o homem. Peço-lhe, porém e em troca, que vá reparando no personagem. Aparece muito na televisão, pelo que não será difícil. Por esta mesma via, teremos certamente oportunidade – se continuar comentadora residente deste espaço – de comentarmos a postura do dito. Depois me dirá se não vê nele uma mal disfarçada arrogância. Sobre a polícia, ainda bem que no seu caso só demorou 15 minutos. No meu, não sei, porque não esperei. Mas já estive duas horas à espera. Ora com um simples GPS – que já existe em todos os carros novos e é uma tecnologia barata – e um «contact center» eficaz, era possível saber em 5 minutos que reboque estava perto e dar uma estimativa de chegada, por exemplo entre 15 e 30 minutos ou entre 30 e 45 minutos, por exemplo. Falamos ademais de uma casa no centro de uma cidade, não de um casebre perdido no meio da serra. E se o telefone que ele utilizou para me dizer que não sabia, servisse para telefonar àquele carro-patrulha que vi menos de 5 minutos depois de sair de casa, a autuação seria quase imediata. Servindo deste modo bem os cidadãos. Mas, claro, ele estava ali para cumprir a lei e não para servir o cidadão. A lei aliás serve-se a si própria, numa espécie de autofagia.
Desejo-lhe boas e rápidas melhoras. E que, entretanto, ninguém lhe bloqueie a saída de casa, para não apanhar frio, que o tempo - parece - vai arrefecer. E mesmo 15 minutos podem agravar o seu resfriado ;-)
Um abraço solidário e não muito apertado para não me contagiar com o tal vírus :-p
Meu caro Politikos,
cometeu um erro, com o tal abraço solidário...
É que estou convencida de que o tal vírus (:-p) é muito resistente pois alcançou-me atravessando meio oceano, através do telefone: foi contagio à distância, para me castigar de andar ao telefone diariamente com uma pessoa que me é muito querida em vez de trabalhar mais :-)))
Ora, se assim foi, o que dizer de um abraço solidário, ainda que não muito apertado?!
Desejo-lhe, pois, melhoras por antecipação...
:-)
Sendo muito inexperiente em matéria de polícias e reboques - sempre que me vi «bloqueada», o cavalheiresco pessoal do café da esquina encarregou-se, de empurrão, de «desarrolhar» o assunto – resta-me desejar a ambos um excelente (e saudável!) fim-de-semana.
P.S.: Estou um bocadinho sentida, caro Politikos, com uma certa comparação com cabines de camiões TIR e oficinas de automóveis de bairro… (se bem que às primeiras – as cabines - associe uma carga bastante positiva…) :-D
Cara Luar
Ora como se vê o «cavalheirismo» só funciona num sentido. Ninguém se lembraria de pedir ajuda, nem as próprias de a dar, às «senhoras» do salão de chá da esquina ou até mesmo do cabeleireiro.
Não percebi a da cabine, cara Luar; não sei de que cabines fala e que «cargas positivas» estão, na sua vida, associadas às cabines (presumindo, é claro, que não sejam as dos camiões TIR) ;-) Mas, fiquei curioso...
P.S. - Felicito-a pelo seu último poste, o anterior às fotos da Lapa...
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