4 de outubro de 2008

Uma espécie de licenciados 2 ou O subprime do ensino superior

Já por aqui falei de uma pessoa que em tempos trabalhou comigo e que se encontra a frequentar um curso de licenciatura numa universidade. A dita cuja pessoa tinha apenas o antigo 5.º ano do curso geral de comércio. Fez a prova especial de acesso e ingresso no ensino superior e zás, como que por encanto, está na faculdade! Como lhe deve ter sobrado a má consciência que faltou ao legislador que permitiu isto, sem qualquer controle ou regulação, inscreveu-se cumulativamente no 10.º ano. Contam as más-línguas que ela não conseguiu fazer o 10.º ano e desistiu! Mas fez o primeiro ano do tal curso! O meu espanto com a coisa é enorme e manifestei algum interesse antropológico, a quem me contou, em conhecer um trabalho que a dita pessoa fez para uma das cadeiras. Não sendo um trabalho com asa, é – pela minha avaliação – um trabalho sério e honesto. Dizem as más-línguas – e eu acredito – que não foi ela que o fez. Não foi, de certeza, porque ela seria incapaz de fazer aquilo tal qual está. Dizem ainda as más-línguas que foi o cônjuge da dita pessoa que o terá feito, já que trabalha na área do curso que ela frequenta. Em cursos onde as provas se circunscrevem a trabalhos, com uma ténue ou se calhar sem nenhuma defesa pública dos mesmos, podemos vir a ter um analfabeto licenciado. Com a autonomia universitária, com o crescimento exponencial dos cursos e dos professores universitários, com a falta de dinheiro das universidades e com a necessidade de alunos criou-se o caldo que permitiu isto... Há professores que não podem ficar desempregados, cursos que não podem ficar vazios. Não há dinheiro para pagar os salários desse professores, não há alunos interessados provenientes do ensino regular. Não há problema, inventam-se alunos, sem percurso nenhum, o que interessa é que paguem. Estamos, pois, a criar uma espécie de subprime no ensino superior, cujas verdadeiras consequências só daqui a alguns anos vamos conhecer...

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4 Comments:

Blogger Luísa A. said...

Meu caro Politikos, parece-me uma excelente comparação. Trata-se, de facto, de conceder o crédito de uma licenciatura a quem não tem capital (de conhecimento) para pagar a correspondente dívida. Mas, nesta, não vejo que possa haver panaceias estatais que impeçam a lei da selecção natural de se impor em toda a sua dureza.

terça-feira, outubro 07, 2008 4:35:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Vejo, minha cara Luísa, que nem nestes dias perde a sua fé inquebrantável no «mercado»! A questão não é de panaceias, minha cara. A questão é de exercício do poder de regulação e de fiscalização que cabe ao Estado na concessão e manutenção de alvarás e de licenças para ensinar... Gostava de ver se continuava a ter essa crença absoluta na «selecção natural» e essa bonomia se o Estado deixasse, por exemplo, formar «barbeiros-sangradores» em vez de médicos num qualquer curso de Medicina e às suas mãos padecesse um seu familiar ou amigo?!

quarta-feira, outubro 08, 2008 11:17:00 da tarde  
Blogger T said...

Impressionante a história.
Cada vez o crédito das licenciaturas é menor.
Um abraço vizinho

domingo, outubro 12, 2008 3:12:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

É como diz, vizinha, «impressionante», mas são «artistas portugueses»...
Tive recentemente de seleccionar alguém para um determinado lugar e só me apetecia fazer uma prova. Será, penso eu, cada vez mais esse o caminho!
Um abraço

domingo, outubro 12, 2008 11:28:00 da tarde  

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