23 de março de 2008

A contraciclo

O vídeo captado numa aula da Escola Secundária Carolina Michaëlis, no Porto, em que uma professora e uma aluna lutam pela posse de um telemóvel, tem sido discutido até à exaustão nos media da Pólis. Ouvi, creio que na quinta-feira na SIC Notícias, declarações de compungida crítica aos jovens de hoje das bocas da antiga deputada comunista Odete Santos e do deputado social-democrata Miguel Relvas. Aqui e ali ouvi renascerem expressões de má memória como geração rasca. Ouvi e li ainda aqueles que procuram encontrar um bode expiatório mais ou menos remoto, sejam os pais, a ministra da Educação, o Primeiro-Ministro. Ao Papa ainda não ouvi ninguém culpar, mas apenas porque já não é de uso... A lógica é eminentemente tribal. Diabolizam-se os alunos e martirizam-se os professores. Não tenho – lamento dizê-lo – essa visão. E sobretudo não generalizo, a partir de um caso, a todos os casos, a todas as escolas, a todos os alunos. E mesmo neste caso, tenho sérias dúvidas relativamente à adequação do comportamento da professora.
Pelo que vi, li e ouvi, a aluna atendeu uma chamada ou estava a ouvir música no telemóvel e a professora tirou-lhe o telemóvel. Ora, farto-me de ver gente atender chamadas de telemóvel em tudo o que é sítio em que isso não é admitido ou admissível, sem que ninguém abusivamente lhe saque o telemóvel. Ainda há bem pouco tempo assisti a um espectáculo público em que, no silêncio da sala, um telemóvel toca e alguém na plateia atende com inegável desfaçatez a chamada. Não se deixando minimamente intimidar com os olhares reprovadores à sua volta. E não vi, nenhum dos seguranças ou empregados do dito sítio, com auriculares de tipo agentes da CIA cá do burgo, esboçar qualquer reacção. E ninguém sequer concebe que, a existir reacção, eles chegassem ao pé do prevaricador e lhe rapassem o telemóvel da mão. Porque isso é intrusivo da liberdade individual, da propriedade, etc., etc. Essa seria uma atitude desadequada ali e também o foi na aula. A professora agiu, a meu ver, de forma desastrada e desadequada para resolver aquela situação. O que só demonstra que alguns professores não têm formação ou preparação, e pelos vistos também o bom-senso, para lidar com casos como aquele. Isto, obviamente, não desculpa a atitude subsequente da aluna, o tratamento por tu, os gritos, o tirar desforço físico, e pior ainda, a atitude conivente dos colegas, sobretudo a do cineasta e divulgador do vídeo, que deviam ser naturalmente advertidos e punidos.

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13 Comments:

Blogger T said...

Não tinha visto este filme ainda.
Este jogo corpo a corpo mpressionou-me. Vejo alguns colegas da miúda a tentar intervir, outros apenas preocupados em registar e a mandar os colegas saír da frente, para se filmar melhor.
Sei quanta competência pedagógica é necessária para ensinar adolescentes. Não creio que a professora a tenha exercido. Porquê não o sei. A miúda, enfim é miúda. Perdeu a tramontana.
Incomodou-me esta situação. Muito.

domingo, março 23, 2008 9:01:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Claro, cara T. Nenhum de nós fica indiferente a isto. A cena é lamentável, deplorável. Mas acho indecente avançar-se com tudo para cima nem sequer é da aluna é de toda uma geração, sem se fazer um reparo sequer à atitude da professora...

domingo, março 23, 2008 9:06:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Ainda pensei que me fosse felicitar por ter postado apenas com um só dia de intervalo...
;-)

domingo, março 23, 2008 9:08:00 da tarde  
Blogger T said...

Aleluia:) Por acaso pensei, mas não escrevi. Mas o vizinho adivinhou.

Quanto ao post: a reacção da miúda é normal na idade dela , a da professora é que é estranha.

domingo, março 23, 2008 9:59:00 da tarde  
Blogger Luísa A. said...

Meu caro Politikos, talvez não comparasse a «dinâmica disciplinar» de uma sala de espectáculos com a de uma sala de aula. Sempre vi professores «apreenderem», durante o período da aula, objectos dos alunos – como brinquedos, jogos e livros – que desviavam a sua atenção e a dos outros. Dizem-me aliás que é uma prerrogativa que lhes está legalmente assegurada. Mas concordo que, atendendo ao tipo de população em presença, a atitude da professora não terá sido a mais eficaz. O que, em todo o caso, não descaracteriza, nem desculpabiliza o ou os prevaricadores. Quanto a generalizações, parecem-me inevitáveis depois do que há anos se vem falando sobre a violência nas escolas e a desautorização dos professores; que fazem deste, não um caso isolado, mas um mero exemplo.

terça-feira, março 25, 2008 6:59:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Minha cara Luísa
E não comparava a «dinâmica disciplinar» de uma sala de espectáculos com a de uma sala de aulas porquê? Se sempre viu essas apreensões – o que eu admito – não quer dizer que elas sejam uma boa prática. No caso, como se viu, não o foram de todo. Sobre a sua licitude, deve questionar quem lhe disse em que diploma legal ou normativo se estriba (admito, porém, que alguns regulamentos internos – não sei com que base legal – o possam permitir). Também concordo que isso não desculpa os prevaricadores e isso está claramente dito no poste. Ainda bem que também concorda que a atitude da professora não foi, pelo menos, a mais eficaz.
As generalizações são inevitáveis mas não quer dizer que sejam boas ou que se devam fazer. Não utilizaria a palavra violência para qualificar um caso como aquele. Ali o que há é indisciplina. Realmente fala-se muito na desautorização dos professores mas ela é baseada em quê? Eu por acaso até acho – recordando sobretudo o meu ensino primário – que havia na classe docente autoridade a mais e mesmo violência, e digo violência mesmo: violência física... Aliás, recordo ainda algumas «ponteiradas» na cabeça e muitas reguadas... E isso passou-se apenas no início dos anos 70... Felizmente que o paradigma de relacionamento agora é outro...

terça-feira, março 25, 2008 7:57:00 da tarde  
Blogger maloud said...

Eu andei no Carolina Michaëlis, entre 60 e 68, onde a exigência disciplinar era férrea. Nenhuma professora {aquilo era tudo feminino, excepto o jardineiro} levantava a voz e muito menos usava sequer leves castigos corporais. Bastava um olhar mais assassino.
Mas neste Liceu, à época de elite e numa turma de elite, a A, a das "ursas", havia uma senhora efectiva que tentou ensinar-nos Física e Química durante o 3ºe 4ºanos. Julgo que a tourada começou na segunda aula e acabou no seu jubileu. Desde gincanas com carteiras, a cigarradas dentro da sala houve de tudo. Nos testes {na altura chamavam-se pontos} atingíamos o climax. Chegou a espetar-me debaixo da sua secretária com enunciado e folhas. Só não tive 20, porque me pareceu excessivo. Ao meu lado estava a carteira da abençoada criatura, donde saíam umas folhas com a correcção do dito que eu diligentemente fiz passear.
No 5ºano foi substituída por uma sua antiga aluna, que nos deu um curso acelerado.
Na altura não havia telemóveis, é claro.

quinta-feira, março 27, 2008 8:19:00 da tarde  
Blogger maloud said...

E agora que já está tudo noutra, vou confessar-lhe o meu choque, quando a minha filha mais velha entrou no ensino oficial no 7ºano, ao aperceber-me que as contínuas tratavam os alunos por tu. No Carolina todas éramos tratadas por menina fulana de tal.
Manifestei a perplexidade à directora de turma. Acho que julgou que eu vinha de Marte. Falámos de uma escola que desde que há rankings lidera as públicas.

quinta-feira, março 27, 2008 11:39:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Caríssima Maloud
É com júbilo que a vejo aqui regressada. E acho muito interessante o seu testemunho. Porque lhe dá uma dimensão humana, aduzindo o seu próprio exemplo. E dá a este caso uma dimensão intemporal. É que isto sempre existiu. E parece que não?! É óbvio que não nestes termos, porque os tempos também são outros e as faltas de respeito e as formas de indisciplina são também outras. Já agora, também eu, que apesar de disciplinado era irreverente e reagia a certas, situações, alinhava nalgumas «patifarias» no liceu – no meu tempo já se chamava escola secundária, embora ainda tivesse feito muitos «pontos» em folhas timbradas que ainda diziam «liceu»... Aliás, na única vez que tive uma questão o mais assemelhada com o «foro disciplinar» foi porque me recusei a pedir desculpa a um colega pelo que tinha feito... E azar dos azares, o meu pai, chamado à escola, depois de se ter inteirado da minha versão dos factos e da versão da escola - corroborou a minha atitude... Vá lá, vá lá, minha amiga, que não havia telemóveis, nem Pintos Monteiros... senão seríamos ambos perigosos delinquentes, fazíamos parte de gangs e hoje seríamos sem dúvida nenhuma dois criminosos cadastrados... E o meu pobre pai, que já não está por esta terra, seria um perigoso cúmplice, conivente com o delinquente...
Haja paciência...
Um abraço

sexta-feira, março 28, 2008 12:21:00 da manhã  
Blogger -JÚLIA MOURA LOPES- said...

A verdade é que há e sempre houve professores que não têm capacidade nem personalidade,já não digo pedagogia para conseguir dominar os adolescentes.
Estas idades de transição são muito complicadas. A todo o momento eles nos desafiam e medem forças. Se sentem que pestanejamos, estamos fritos, como diz o povo.

segunda-feira, março 31, 2008 10:55:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Tem razão, Júlia. E hoje provavelmente há mais desses professores do que dantes, tal como há mais alunos indisciplinados do que dantes. Até porque há muito mais alunos e muito mais professores. De onde...

terça-feira, abril 01, 2008 1:10:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Por acaso eu até acho que numa sala de espectáculos quem atende o telemóvel devia simplesmente ser posto fora. E não vejo porque não confiscar o dito objecto. Afinal, em certos "saloons" era obrigatório deixar a arma à porta. Com os telemóveis devia acontecer algo de semelhante. Felizmente que a situação já está clarificada e perfeitamente definida. E quanto a mim a liberdade individual e a propriedade não é nada para aqui chamada. Ou será que ter droga no carro se enquadraria no mesmo âmbito da propriedade e da liberdade individual? Desadequado é atender o telemóvel na sala de aula ou no espectáculo. E eu que o diga...

quarta-feira, abril 02, 2008 12:54:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Tenho a impressão, meu caro, que o país todo andaria a ser expulso de todo o lado se esse seu zelo fosse posto em prática. Além de não estarmos no faroeste e o telemóvel não ser uma arma...
Esclareço que a liberdade individual de que aqui se falou não é obviamente a liberdade de atender o telemóvel sempre que se quiser, mas sim a liberdade de o deter, sem que se lho retire, invadindo o seu espaço individual. É intrusivo alguém tirar algo das mãos a outro, a menos que seja uma arma. Pede-se, dá-se uma ordem, mas não se tira. Esse foi o erro da professora e deu no que deu. A comparação com a droga não se aplica. A posse de droga é crime, a posse de telemóvel não é. Mas é óbvio que é desadequado atender o telemóvel numa sala de aulas ou numa sala de espectáculos. Mas é igualmente desadequado um adulto com responsabilidades educativas ripar do telemóvel de um educando...
Além do mais, parece ser já claro que a aluna estava a ouvir música e não a atender o telemóvel...

quarta-feira, abril 02, 2008 11:23:00 da tarde  

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