13 de fevereiro de 2007

Juízes versus legisladores ou €4 800 000 por um indeferimento

É absolutamente inaudito que um juiz conselheiro, Bernardo Fisher Sá Nogueira, que apesar de ser um respeitável ancião, tem uma cabeça lúcida e ainda no lugar, e que ademais deu provas de afabilidade no trato, tenha convictamente defendido, no Prós & Contras desta noite, estribado na letra da lei, que os 10 mil signatários da petição de habeas corpus do Sargento Luís Gomes irão ter de individualmente pagar custas de €480. Já aplicou assim a lei, num processo com dois – sublinho dois - intervenientes, diz orgulhosamente. O que, a confirmar-se, por absurdo, perfaria a módica quantia de €4 800 000, isto pelo indeferimento de um pedido, com 10 000 assinaturas, não de 10 000 pedidos, com uma assinatura... Simples, não?! E, claro, algo cônscio da enormidade, logo atira a culpa para cima do legislador. Mudem a lei! A culpa não é nunca de quem a aplica e interpreta, é sempre do legislador que deve ser uma espécie de geómetra e fazer uma lei perfeita, blindada. É que o legislador confia na razoabilidade de quem aplica a lei. Que são pessoas, juízes, não computadores com lógicas binárias. Nenhuma lei, necessariamente feita com palavras, não com números, pode ser exacta e à prova de interpretações absurdas. E tão mau como isto, os demais juízes presentes na sala, todos com aura de reformadores: Eurico Reis secundou-o, referindo que, enfim, não eram necessárias 10 mil assinaturas, que os promotores sabiam disso e que isso constituía uma intolerável pressão sobre a magistratura judicial; o juiz Rui Rangel não se pronunciou e o juiz Raul Esteves não se quis pronunciar... Isto são os reformadores... Imaginemos os outros?!?! Estive para desligar a televisão nesse momento, mas ainda aguentei estoicamente até ao fim… Não sei é se aproveitei o tempo… Espero sentado o resultado da douta decisão judicial sobre as custas do habeas corpus… Se, porém, for no sentido dado pelo conselheiro Fisher Sá Nogueira, desde já me disponibilizo ao Professor Fernando Silva para assinar o que ele quiser…

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8 Comments:

Blogger victor rosa de freitas said...

Caro POLITIKOS:

Já tive oportunidade de escrever, no meu blog, um post sobre o assunto e em que discordo frontalmente do Sr. Conselheiro Fischer Sá Nogueira.

Qualquer coisa como isto:

"ASSIM NÃO, SENHOR CONSELHEIRO!


"No Prós e Contras de 12/13 de Fevereiro de 2007, um ilustre Juiz Conselheiro jubilado, Fisher Sá Nogueira, levantou um verdadeiro vendaval, a propósito do habeas corpus do Sargento Luis Gomes, subscrito por mais de 10.000 pessoas, que foi indeferido pelo STJ, afirmando, aquele Magistrado, que cada um dos seus subscritores teria que pagar as custas de tal incidente, 5 Unidades de Conta, cerca de 480 €.

"Invocava este Magistrado o arts 223º, nº 6 e 513º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal.

"Ora, o primeiro normativo citado não tem aplicação, porque se refere a condenação se o habeas corpus for manifestamente infundado.

"Trata-se, neste caso, não de uma condenação em custas, mas de uma verdadeira sanção penal, pela falta de fundamento, manifesta.

"Não é o caso, e tanto mais absurdo o seria, uma vez que houve um voto de vencido no sentido da sua procedência – logo não era manifestamente infundado.

"Por outro lado a condenação ali referida é entre SEIS e TRINTA unidades de conta.

"Ora, a condenação foi, como vimos, em CINCO unidades de conta, sempre inferior à ali prevista.

"A condenação foi, isso sim, por custas do incidente, nos termos do artº 84º do Código das Custas Judiciais como expressamente, aliás, o diz o Acórdão que conheceu do habeas corpus.

"O segundo normativo (artº 513, nº 3 do C. P. Penal) refere-se à responsabilidade do(s) ARGUIDO(S) por taxa de justiça (ou custas), em que é prevista a responsabilidade individual.

"Ora, no caso em apreço, não houve vários arguidos, mas um só, o Sargento, que nada requereu.

"E a condenação em custas, pelo Acórdão do STJ, foi dos REQUERENTES - pessoas estranhas ao processo - (todos em conjunto, e não cada um individualmente, ou seja, em responsabilidade solidária) e não de quaisquer arguidos.

Ou seja: todos os subscritores do habeas corpus do Sargento apenas terão, solidariamente, que pagar uma e única taxa de Justiça de 480 € (montante global).

"Será que o Senhor Juiz Conselheiro tem consciência das repercussões que tem o que disse, sem ter feito o “trabalho de casa”?

"Assim não, Senhor Conselheiro!"


Cumprimentos


VRF

terça-feira, fevereiro 13, 2007 9:59:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Caro Victor Rosa, agradeço-lhe os esclarecimentos; apesar de tb haver o CPP cá por casa, e aqui mesmo à mão, nem sequer o vou buscar, para cotejar a sua interpretação, que me parece boa e fundamentada. Falta-me ainda, e em absoluto, competência para tal. Além do mais, o caso é tão grosseiramente gritante que bastará o «bom senso» para se perceber que nunca, nem na mais longínqua reminiscência, esteve no espírito do legislador penalizar daquele modo quem recorre à Justiça... A ser assim, estaríamos perante uma monstruosidade, um esbulho inominável... A pena deve ser proporcional à falta, de onde tb as custas judiciais devem ser proporcionais ao acto... E isso basta-me e deveria bastar ao tal conselheiro e demais juízes... Mas pelos vistos, não...
Deixe-me, mesmo assim, pegar num ponto da sua argumentação: e se não tivesse havido um voto vencido e um qualquer pedido de «habeas corpus» fosse votado por unanimidade, cabendo assim no «manifestamente infundado», como ficaríamos?!?!

terça-feira, fevereiro 13, 2007 10:53:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Ora bem, caro Victor Rosa, acabei de ler, e ainda aqui venho fazer esta adenda, que, como seria óbvio, o STJ confirmou que as custas a pagar são de apenas 480 euros porque entende que, «neste momento, o que está em causa é o interesse de apenas uma pessoa» (O Público). Outra coisa não seria de esperar... A Justiça está aprender, e ainda bem, a vir rapidamente esvaziar as «bolhas» causadas por alguns dos seus agentes... Nunca duvidei que fosse esta a interpretação... O que me continua a espantar, e a manter válido o teor do poste, é a «formatação» daquelas mentes que parece só conseguirem usar a literalidade da lei e não bom senso mais a lei...

terça-feira, fevereiro 13, 2007 11:10:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pode-se inferir que o Politikos estaria disposto a pagar uns 480 euritos por um pedido qualquer???

sábado, fevereiro 17, 2007 1:18:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

É claro que o juiz-conselheiro-jubilado disse uma enormidade. Parece que o dito juiz já não está nos tribunais. Valha-nos isso!

sábado, fevereiro 17, 2007 1:20:00 da manhã  
Blogger Politikos said...

Se aquilo vingasse, estaria disposto a assinar um abaixo-assinado ou o que fosse contestando a medida, e, claro, sujeitando-me às consequências desse acto… Aliás só no dia em que a sociedade de algum modo se rebelar contra o estado de coisas na Justiça, é que ela muda, já que os políticos não parecem dispostos a mexer nesse «sacrossanto» sector... Hoje a Justiça ocupa, de certa maneira, o lugar que antes ocupou a religião... é sector onde não se toca...
O problema não é esse conselheiro que já não está no activo, o problema são os outros que ainda lá estão e que estavam presentes no programa aos quais não ocorreu sequer contestar a posição, mas apenas esboçar uns sorrisos escarninhos e/ou declarações absurdas…

sábado, fevereiro 17, 2007 8:59:00 da tarde  
Blogger maloud said...

Eu não assisti ao P&C, mas é claro que soube da alarvidade. Estranho juíz conselheiro que não conhece a lei. E os outros conhecê-la-ão?

sábado, fevereiro 17, 2007 11:46:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

O problema é exactamente o contrário, Maloud... É que eles conhecem, de facto, a lei... Porém apenas e só a lei... E dela não conseguem sair, enredando-se deliciados na «semântica» jurídica...

domingo, fevereiro 18, 2007 12:11:00 da manhã  

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