10 de março de 2010

Boçais: as elites e o mal dos taxistas?

O cidadão comum arreia nos políticos sem dó nem piedade. Exige deles aquilo que ele próprio não faz. Tem para eles um peso e uma bitola e para si próprio outra e bem mais baixa. Este é o mote e é a atitude-padrão normal e consensualmente aceite. É o que chamo mal do taxista. Já por aqui tenho afirmado, e à saciedade, que os políticos não são nem piores, nem melhores do que nós. São iguais porque emanam do todo colectivo que somos. Têm assim todas as nossas virtudes e todos os nossos defeitos. Admito até que do ponto de vista do comportamento público e privado sejam genericamente melhores do que nós, não porque o sejam intrinsecamente, mas porque são mais escrutinados e isso exige deles maior contenção e redobrados cuidados.
Este nosso comportamento para com os políticos e alguma demagogia no que respeita aos prés fazem com que na Política - a mais alta e nobre função da República - não estejam, como deveriam estar, apenas os melhores de nós. Os melhores de nós – e também os há na Política –, as nossas elites, andam a fazer pela vida.
Infelizmente, porém, não acho que as nossas elites se procurem elevar particularmente acima dos políticos e acima de nós como povo. Dou dois exemplos que respigo do Expresso desta semana. No caderno de Economia vem uma extensa entrevista com Alexandre Soares dos Santos, presidente do Grupo Jerónimo Martins e um dos nossos maiores empresários, e um artigo de João Duque, professor catedrático de Economia de uma das mais prestigiadas escolas portuguesas.
Respigo uma declaração de Alexandre Soares dos Santos:
«Quando há hoje um político, seja ele quem for, com a eventual excepção do professor Cavaco Silva, que vem à televisão falar ou dar uma entrevista, eu parto do princípio que ele está a mentir.»
Respigo um pedaço de um artigo – note-se que não é uma entrevista, é um artigo de opinião, portanto devidamente maturado, de João Duque:

«Durante a semana visitei uma escola secundária e fiquei arrepiado ao olhar os jovens candidatos ao ensino universitário com 17 anos de idade a perguntarem-me: "Como foi possível chegar até aqui?" "Como é que vamos pagar esta dívida?". Alguns daqueles jovens são mais maduros do que muitos da geração dos seus pais e se trocassem alguns dos ministros por jovens destes teríamos decisões mais sensatas.»

Estas declarações enfermam do chamado mal do taxista. São simétricas.
O que diria Alexandre Soares dos Santos se um ministro ou um deputado dissesse:
«Sempre que oiço um empresário – com a eventual excepção de fulano – parto do princípio que ele está a mentir»?
O que diria João Duque, a quem e já ouvi mais do que uma vez criticar duramente a preparação dos alunos universitários no programa Plano Inclinado, se um ministro ou deputado dissesse:
«Visitei uma escola secundária, alguns daqueles jovens são muito maduros e se trocasse alguns professores universitários por alguns daqueles jovens teríamos melhor ensino.»
Diriam porventura que eram declarações boçais como são as suas!

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4 Comments:

Blogger Luísa A. said...

Politikos, é verdade que os políticos não são, genericamente, nem piores, nem melhores do que nós. Mas têm um defeito especialmente grave, que o comum dos portugueses não têm: foram para a política; e foram-no sem a consciência de que, ao fazê-lo, deixavam de ser portugueses comuns e passavam a ter o dever de ser portugueses melhores, nunca piores, do que nós. Quem pretende assumir a responsabilidade pelos destinos de um colectivo não pode estar ao nível do indivíduo mediano que compõe esse colectivo, Politikos, e é nesse ponto que reside a nossa discordância. Há, naturalmente, políticos que respeito pelo seu nível, virtudes e sentido de responsabilidade. Mas o que vejo diz-me que são a excepção e não a regra. Por outro lado, parece evidente que a política, por motivos eleitorais, tem aprofundado a sua vertente propagandística, o que faz com que, como é característico da propaganda, se minta ou, pelo menos, se sonegue muita verdade. Em todo o caso, a desconfiança dos políticos não é de hoje, e as nossas elites já pensavam o mesmo no tempo em que não havia táxis, nem taxistas. ;-)

quinta-feira, março 11, 2010 2:36:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

Luísa, não há dúvida que como observadores nos colocamos em pontos de análise diametralmente opostos. Veja até como, do ponto de vista do léxico, a Luísa coloca a questão: a Luísa acha que é um defeito grave aquilo a que chama de «ir para a Política» eu acho que «a Política é a mais nobre função da República». O que nos separa, como vê, não é apenas um ponto de discórdia é o universo…
É evidente que quem assume os destinos de um colectivo tem de estar acima dele. Mas não acha que quem o faz nos deve merecer um mínimo de respeito para pelo menos não dizermos alarvidades inverosímeis?! E acha que quando criticamos devemos fazer como Frei Tomás?!
Concordo consigo que os políticos usam muitas vezes artifícios retóricos mas daí a dizer o que estes dois senhores dizem vai um mundo de distância. E à Luísa, sempre tão zelosa da forma da pedra polida, exigir-se-ia um nível de crítica superior em relação a estas declarações boçais… E o que mais me custou é que tinha em bastante boa conta estas duas pessoas que, porém, se apoucaram aos meus olhos. Mas, enfim, são as elites - elites, tsssss, tssssssss?!?! - que temos!

quinta-feira, março 11, 2010 10:17:00 da tarde  
Blogger Luísa A. said...

Note, Politikos, que eu não comentei as declarações dos dois senhores que cita, que me parecem, uma, meramente opinativa, outra, uma generalização leviana e sem interesse. Limitei-me a tecer algumas considerações gerais sobre o assunto que suscita. Faço também notar que, para mim, o defeito não é ir para a política; é, sim, ir para a política «sem a consciência de que, ao fazê-lo, deixam de ser portugueses comuns e passam a ter o dever de ser portugueses melhores, nunca piores, do que nós». O defeito assenta na CUMULAÇÃO de duas circunstâncias. ;-)

sexta-feira, março 12, 2010 1:12:00 da tarde  
Blogger Politikos said...

O seu «ir para a Política» é só por si uma expressão com uma profunda carga negativa, eivada de uma espécie de pecado original; de todo o modo, pelo valor facial do que diz até eu concordo consigo... O problema é que para além do valor facial, o que diz está ferido de preconceito e de reserva mental!

sexta-feira, março 12, 2010 11:11:00 da tarde  

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