1 de agosto de 2009

Crónica hospitalar e de costumes V

A saga do estúpido acidente doméstico no qual parti um braço teve vários micro-episódios. Após o relatado atrás (II), em que o Técnico de Medicina não quis fazer o Raio X de confirmação, não fiquei obviamente descansado. Há várias maneiras de matar o bicho e outras tantas para cozinhar bacalhau, como se sabe. Pelo que, além de não ter tomado o sedativo que a criatura me prescreveu, resolvi fazer o check up da coisa, recorrendo à medicina privada. Consegui marcar para o meu ortopedista para daí a dois dias. E ala para lá. Acontece que o mundo é realmente pequeno e Portugal uma das suas aldeias mais pequenas e o meu ortopedista é médico no Hospital de S. Lázaro que é uma extensão do de S. José, além de também fazer urgências naquele. Conhecia, pois, o esquálido, o pesadão de bigode e o Técnico, pelo que tive oportunidade de checkar também as minhas impressões pessoais sobre aquele trio. Os médicos, como se sabe, comportam-se como uma matilha quando um deles é atacado publicamente. Mas em privado adoram comentar-se e desdizer os diagnósticos uns dos outros. Deus só há um, aquele que temos ali na nossa frente. O panteão raramente comporta mais… Achou que eu estava bem entregue ao esquálido que qualificou de jovem promissor e paciente para com os doentes. E achou que o Técnico era realmente – cito de memória – «um colega que lá temos que mal o doente se senta, já se está a levantar. É assim!».
O meu ortopedista oficial é um indivíduo de meia-idade, já grisalho, entroncado e não muito alto, no qual ainda se percebem as raízes físicas do típico homem português de antanho. Gosta de fazer de Deus no quotidiano, ou seja, gosta do que faz e fá-lo bem. É um indivíduo horizontal no trato com os doentes, no qual deposito algum crédito de confiança mercê da experiência que lhe reconheço e de diagnósticos antigos nos quais mostrou sempre proficiência. É um homem directo, objectivo, informal no trato e com bastante capacidade de leitura das situações e das pessoas que tem pela frente. Em boa hora lá fui. Primeiro porque nem foi preciso dizer nada, já que ele me disse: «Vou querer que faça um segundo raio X para ver se isso está tudo alinhado. Essa é a minha maior preocupação!». Gosto sempre quando eles usam os possessivos (a minha preocupação), tomando para eles o problema que não é seu. Sentimo-nos logo entregues e delegamos a coisa. A consulta foi a uma sexta e ele disse-me: «Faço banco no domingo em S. José. Vá lá ter comigo, que fazemos isso». Como sou dos que criticam a norma mas cumpro-a a maior parte das vezes, ainda lhe disse: «Mas não será uma urgência!?». E ele: «Não se preocupe. Vai lá, diz que lhe dói o braço. Eles vêem o gesso e mandam-no logo para a ortopedia. E lá, pede para falar comigo». Dito e feito. Fiz o raio X de controle e estava tudo ok. E, mais-valia fundamental, as dicas que ele me deu. Disse-me que era essencial que mexesse o mais que pudesse o braço imobilizado para exercitar a articulação do ombro, que era, segundo ele, a que me provocava as dores musculares que me levaram no segundo dia à urgência: «O Sr. em casa retira o apoio de braço e mexa com todo o à-vontade o braço: a zona fracturada está imobilizada, pelo que não tem com que se preocupar». Resultado: nunca mais tive dores musculares.
To be continued

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