31 de dezembro de 2005

Um grande 2006

Um excelente 2006 para todos os leitores da Pólis: os habituais – muito poucos – e os ocasionais – poucos. Tal como os jornais ambicionam atingir as tiragens do Grande Educador do Povo da Pólis (fora da Pólis conhecido por Expresso), também nós – sei lá! – talvez queiramos ser o Abrupto… Abrenúncio…

As regras da CGD

Deparamo-nos no contacto diário com as mais diversas instituições da Pólis com regras cretinas. O cretinismo das regras não escolher sector. Empresas públicas e privadas, organismos públicos e privados emparceiram e igualam-se no disparate, geralmente com propósitos assentes no binómio custo-benefício. Numa lógica próxima da Revolução Industrial, em que cada elemento sabe qual é o seu papel na cadeia mas duvido que se interrogue ou saiba qual é o papel do colectivo na sociedade, os agentes dessas empresas e organismos por norma aplicam essas regras sem pensar, de forma binária, ou é 0 ou é 1. Muitas vezes desvirtuando o seu espírito. Vem isto a propósito de uma «visita» que anteontem de manhã fiz à Caixa Geral de Depósitos (CGD). Actualizei a caderneta na máquina ATM. O «livrinho» acabou e a máquina «mandou-me» dirigir ao balcão. Normalmente, dar-me-ia outra. Porém, nem sempre isso acontece. Caprichos da máquina, de quem a programa ou de quem a devia «alimentar» dos ditos «livrinhos» e não o faz. Entrei e dirigi-me ao balcão onde a funcionária procedeu à substituição da caderneta e me entregou uma nova, porém, com o mesmo saldo que constava na antiga, ou seja, sem a actualizar. Disse-me que ali só «inicializava» - bela palavra essa – a caderneta, mas a actualização teria de ser efectuada novamente na máquina ATM. Deitei o olho para a máquina que não tinha ninguém e decidi não protestar. Era de manhã e a minha «boa vontade» estava no auge, embora como bom neurótico que sou nem sempre isso aconteça a essa hora do dia. Lá fui, pois, pela segunda vez, à dita máquina. O dia, porém, era da máquina. Actualizou-me a caderneta, sobrepôs três movimentos, imprimiu tudo enviesado e no fim brindou-me com a mensagem de que a caderneta estava irregular. Voltei novamente à fila e à mesma funcionária. Aí decidi protestar pelo absurdo da situação. Ir duas vezes à máquina e duas vezes ao balcão para actualizar uma caderneta, quando isso devia ter sido feito numa única operação e apenas na máquina. Assim, a CGD penalizou-me três vezes. Primeira penalização: a máquina não funcionou devidamente, não me deu uma caderneta nova, pelo que tive de ir ao balcão. Segunda penalização: no balcão «inicializaram-me» a caderneta mas não a actualizaram, pelo que passei do balcão novamente para a máquina. Terceira penalização: a máquina actualizou-me incorrectamente a caderneta, pelo que tive de voltar ao balcão. São as regras, disse-me. Além de o sistema informático – excelente álibi – não o permitir?! O «sistema» tem vida própria – está visto - razão tinha o Dias da Cunha?! Adiante. Questionei-a sobre a racionalidade da regra. Com a lógica binária bem encasquetada, lá me foi dizendo que havia muita gente que se dirigia ao balcão, podendo servir-se da máquina, o que sobrecarregava o serviço de balcão. Disse-lhe que não era o caso, que fui primeiramente à máquina e só depois ao balcão. Ela foi forçada a concordar. Um vago sorriso deu-me a razão que as palavras não deram. O caso morreu ali. Ou vai morrer aqui. Mas a regra continua cretina. Até porque há pessoas que podem não gostar da máquina, não saber usar a máquina, não querer usar a máquina, depositar mais confiança nas pessoas do balcão do que na máquina, etc., etc., etc. E que tal pôr um pouco de bom senso na aplicação das regras. Ou não sabemos todos que não há regra sem excepção. A excepção é o bom senso na administração da regra. Sob pena de nos parecermos demasiado com a máquina. Não há dúvida de que nos assemelhamos cada vez mais a máquinas, pequenos títeres programados na retaguarda por outros títeres, por sua vez programados por outros títeres... O Kafka é que sabia…

26 de dezembro de 2005

De onde vêm os «aérios» das presidenciais da Pólis?

Acabei de ouvir na TSF os valores envolvidos nas diferentes campanhas das presidenciais da Pólis. Vão de 3 700 000 aérios, de Cavaco, a 550 mil aérios, de Louçã. Por ordem decrescente, temos: Cavaco, Soares, Alegre, Jerónimo, Louçã. Questão pertinente para o Pólis&etc.: de onde vem esse dinheiro? As respostas das candidaturas foram vagas, vaguíssimas. Mas seria importante que fossem concretas, concretíssimas. Sob pena de os cidadãos da Pólis ainda descrerem mais dos políticos e poderem legitimamente levantar labéus e suspeições. Este é um ponto. O outro tem a ver com a ignorância dos candidatos - pelo menos de alguns - sobre os montantes envolvidos nas suas própria campanhas. Vale a pena recordar o debate entre Jerónimo e Alegre, em que, quando perguntado sobre isso, o «camarada» Jerónimo referiu que a sua campanha custaria 500 000 mil aérios. Afinal, são 1 100 000 aérios. Já na altura tínhamos ficado com a impressão, quase certeza, de que Jerónimo não sabia do que falava. Hoje tivemos a certeza. Mas ninguém vai «pegar» nisso. Jerónimo tem uma «boa comunicação social». Teria sido honesto dizer que não sabia. Embora devesse saber. Parece-me óbvio. Alegre também balbuciou umas declarações mas pelo menos confessou que não sabia os números exactos. Numa época em que as finanças e a economia, por via do défice orçamental e este por via do PEC, estão no centro da discussão, os candidatos não sabem quanto vão gastar nas suas campanhas. E querem assumir a primeira magistratura do país?! Boa! O mínimo, porém, é sabermos, «preto no branco», de onde vem o dinheiro gasto nas campanhas presidenciais da Pólis. Não sei se é ao Tribunal Constitucional, se à Comissão Nacional de Eleições, que cabe fiscalizar os gastos e a proveniência das receitas das várias campanhas, mas seria bom que tudo isso fosse tornado público. Como se dizia no tempo da «outra senhora» - que não queremos de volta - «a bem da Nação».

22 de dezembro de 2005

As razões por que voto em Soares


Foi o Pólis&etc. instado a escrever sobre as razões do seu voto nas presidenciais. O Pólis&etc. não gosta de desapontar os seus parcos leitores, pelo que elas aqui vão. Já se percebeu, por aqui na Pólis, que raramente voto num partido ou, no caso de eleições unipessoais como esta, numa pessoa. Para votar preciso de estar realmente convicto de que aquele partido ou aquela pessoa vão exercer bem o mandato que contribuo para lhes entregar. Em caso de forte dúvida ou até mesmo de dúvida razoável, voto em branco, ultimamente nulo, pois ouvi falar, «à boca pequena», em irregularidades recentes com votos brancos, numa freguesia de Lisboa. Believe it or not. Reputo a fonte de confiança. À cautela, ultimamente é sempre nulo. Já se percebeu também o meu sentido de voto nas presidenciais da Pólis. É em Mário Soares. E porquê? Poderia elencar aqui uma boa dúzia de razões baseadas no seu passado e na sua personalidade. Porém, restrinjo-me apenas à sua actividade nos últimos 10 anos, ou seja, ao período após a sua saída da presidência da República, após ter desempenhado o mais alto cargo da hierarquia do Estado. O que é que Soares fez? «Auto-exilou-se» da vida pública num qualquer retiro para escrever as suas memórias «à lareira» junto dos filhos e dos netos? Não. Decidiu «baixar» de estatuto – se é que isso se aplica na vida pública – e foi eleito deputado europeu, cumprindo, apesar dos vaticínios, um mandato completo. Nesse mesmo período, manteve uma intervenção política e cívica regular numa coluna no Grande Educador do Povo da Pólis (fora da Pólis conhecido por Expresso, como se sabe). Manteve ainda, quinzenalmente, uma entrevista – aliás notável - na SIC Notícias, ao jornalista António José Teixeira. Escreveu livros e prefácios de livros. Escreveu artigos e fez intervenções em colóquios e seminários em várias partes do mundo. Presidiu a missões e a comissões internacionais. Foi, só neste período, presidente da Comissão Mundial Independente para os Oceanos, do Movimento Europeu Internacional, do Comité Promotor do Contrato Mundial da Água, do Comité dos Sábios do Conselho da Europa. Além de ter «posto de pé» e gerido – numa ideia «à americana» - a sua Fundação, uma das mais notáveis em Portugal, com um trabalho ímpar na área da preservação da memória política contemporânea portuguesa. Convido os parcos leitores do Pólis&etc. a visitarem o site da Fundação Mário Soares. Gostaria que me apontassem outro político português com uma dimensão cívica e política semelhante a esta? Tudo isso se passou apenas nos últimos 10 anos, na transição dos 70 para os 80 anos. E agora, nesta fase da vida, ainda se mostra disponível para mais este combate. Numa época em que já nada tem a ganhar, diriam os calculistas e os carreiristas da vida pública. É, também por isso, por já nada ter a ganhar, que eu acredito que Mário Soares é, neste momento, o melhor candidato à Presidência da República. Mas é sobretudo pelo facto de Soares ser alguém de horizontes largos que tem dos problemas uma visão holística e não apenas técnica. Soares é um humanista, com uma sólida cultura geral, com ideias e um pensamento estratégico sobre os grandes problemas do mundo e da actualidade. Soares não é apenas um político partidário ou um técnico. Soares tem ainda um inigualável prestígio internacional. É conhecido e respeitado em todo o mundo e é o único político português com uma dimensão superior à do seu próprio país. Pessoalmente, como português, sinto-me muito bem representado por Soares lá fora. É também por isto – e já não é pouco - que eu voto Soares.
Repete-se, qual estribilho, que tudo isso se passou apenas nos últimos 10 anos, ou seja na transição dos 70 para os 80 anos. Esperamos que isto tenha respondido à falácia que é a questão da idade de Soares… Isto, entre outras coisas?!Já agora…

As razões por que a prima não vota em Soares

Com a devida vénia e autorização, torno públicas - se é que este blogue é público - as três razões que me foram dadas, em privado, por uma querida e mui estimada prima para não votar em Soares e que se radicam essencialmente na questão da idade do dito. Diz ela:
«1 - O Soares, infelizmente para a "esquerda", não está no seu melhor. Isso aconteceu há 20 anos, quando tudo e todos acreditavam ser "Freitas - o presidente" e o "velho" conseguiu fazer os "comunas" tapar a cara e outros engolir sapos, mas reuniu, por mérito, todas as forças democráticas.

2 - Nessa altura, se não me engano, tinha o "querido" uns singelos 20 aninhos e nem se dispôs a festejar com a família a vitória da sua "referência democrática", o que aconteceu com os seus queridos pais, em pleno largo do rato, com muito frio. Isto porque lhe reconhecemos valor e apostámos nele. Agora???????????

3 - Não sou fanática, nem pela política, nem pelo clube, nem pela religião. Tento ver a nu e cru o que se passa ao meu redor e digo-te com franqueza, ninguém aos 81 anos está no seu melhor. Biologicamente é impossível. Constato isso nos debates. Com pena minha e de muitos (milhões, por certo) a "caveira" vai para Belém. Mas... cada país tem o que merece!!!»

Muito embora o debate de ontem já lhe tivesse dado resposta cabal, vou também eu responder em «post» ou poste à parte...

18 de dezembro de 2005

A morte é uma coisa da vida

Ontem morreu alguém. Somos nós próprios e somos todos aqueles com quem nos cruzamos na vida. Há sempre algo que fica em nós de alguém que parte. Anos e anos sem convivência não apagam vivências de infância e de juventude.
Alguém me disse hoje: «a morte é uma coisa da vida».

E vão mais dois debates…

E vão mais dois debates nas presidenciais da Pólis. Um quente, na quarta-feira, entre Alegre e Soares, outro mais tépido, na sexta, entre Louçã e Soares. Apetece-me fazer alguns comentários impressivos e sem qualquer objectividade. Estou farto dos comentários pseudo-analíticos dos jornais da Pólis, com colunas «deve-haver» dos temas em que os candidatos ganharam ou perderam. No primeiro debate, Alegre – que para mim é a grande surpresa negativa desta campanha – pareceu-me desinspirado, sem chama, pouco «à-vontade», direi mesmo desconfortável naquele papel. Nada disse sobre a tal «traição» ou «pseudo-traição» de Soares. Embora me pareça que, na realidade, nada haja a dizer. Alegre andou-se a «fazer caro» ao PS e quando «acordou» já Soares – convencido da sua indispensabilidade de «pai da Pátria» - «movia os cordelinhos», manobrava nos bastidores, congregava apoios, posicionava-se. O que eu não esperava mesmo era este Alegre sem densidade política, com muitas ideias vagas, meras abstracções, mas sem nunca as conseguir fazer «planar» no terreno da realidade. Não concretizou o que quer que fosse e Soares – que na política «não brinca em serviço» - foi impiedoso e fustigou-o, «encostou-o às cordas». O «velho leão» não vai ganhar porque os portugueses na sua sabedoria – ou talvez não – já decidiram que não querem mais o «velho patriarca» da democracia lusa. Já se viu daquilo, e Soares, desta vez, não conseguiu ultrapassar o efeito do «déjà vu», nem trazer – diga-se de passagem - qualquer novidade a esta campanha. Além disso, Soares não conseguiu ultrapassar uma «má comunicação social» - leia-se «opinion makers». Veja-se, por exemplo, o que diz o nosso velho conhecido GEPP – Grande Educador do Povo da Pólis, fora da Pólis também conhecido por Expresso, esta semana, pela boca do seu director, José António Saraiva, a propósito de Soares, no confronto com Alegre: Positivo: «É difícil encontrar um ponto positivo num debate onde Soares esteve sempre muito mal». Negativo - «Tudo. A começar por ter colocado o debate no terreno onde menos lhe convinha, abrindo as hostilidades contra Alegre, numa guerra fratricida. E estar constantemente a falar de Cavaco». E sobre Alegre: «foi o melhor de todos os seus debates, onde esteve mais à vontade […]». O «homem» viu outro debate. Em Janeiro vai sair do GEPP. Deo gratias, mas vai fazer falta... Voltando a Soares, facto é que ele «está ali para as curvas». Nos dois últimos debates, esteve ao seu melhor nível e a fazer recordar os «bons velhos tempos». E anteontem, no debate com Louçã, voltou a brilhar e a ofuscar o seu adversário que, aliás, havia brilhado em todos os debates anteriores e particularmente no debate com Cavaco. Aguarda-se agora o debate de terça-feira com Cavaco que anteontem esteve «entre as mulheres» na FIL. Mas apenas por curiosidade mediática. O voto dos cidadãos da Pólis está há muito decidido e o do Pólis&etc. idem. Porque desta vez, contrariamente ao que é habitual – branco ou nulo – por aqui vota-se…
Foto - Jornal Digital

10 de dezembro de 2005

Louçã e o TPC, entrevista ou debate

Talvez não se esperasse diferente mas quanto a mim o debate de ontem entre Louçã e Cavaco foi o melhor até à data. Louçã levava a lição bem estudada e fez muito bem o «trabalho de casa». Levava números e declarações antigas do seu opositor sobre diversos assuntos e confrontou-o com objectividade, clareza e rigor. Admirou-me o nervosismo de Cavaco que já devia estar habituado a debates. Mas nunca está. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos das presidenciais da Pólis… O modelo «pepineira» destes «debates» que na verdade são entrevistas cruzadas com os jornalistas não é necessariamente mau mas devia ser alternado com verdadeiros «debates»… Qualquer coisa do tipo: teste teórico e teste prático. São coisas diferentes mas complementares. E ajudavam à decisão. Não se quer «ver sangue» mas há muitas perguntas que ficam sem respostas neste formato… Além disso estamos em televisão, onde é suposto haver alguma interacção. Senão mais valia contratar a Universidade Aberta para fazer «pacotes» gravados ou o Professor José Hermano Saraiva...
Foto - Portugal Diário

8 de dezembro de 2005

Também tu Sócrates... vais «de encontro» sem «ir contra»

Ora bem. Voltando à «vaca fria», o mesmo é dizer ao «ir de encontro». Vamos estando atentos ao que se passa à nossa volta e a todos os «ir de encontro» que vamos «encontrando» na Pólis, isto para ver se eles vão «contra» nós ou não. Diga-se desde já que ainda nenhum foi «contra» nós. Arre, que «é do contra, que é galego», diria a minha avó (expressão curiosa, esta: presumo que os galegos gostassem de «contrariar» os outros). Pois hoje até ouvimos um «ir de encontro», com o sentido que lhe damos, da boca do nosso Primeiro, José Sócrates, à saída da residência oficial do Primeiro inglês, Tony Blair: «esperamos que a proposta da presidência inglesa vá de encontro […]» . Lá vai a proposta ao «encontrão» ou «contra», de acordo com os dicionaristas e demais puristas…

Ronaldos - Descubra as diferenças?


Quase no final do Benfica-Manchester United de ontem, Cristiano Ronaldo, ao ser substituído, «cuspiu» para o público e fez o elucidativo gesto que a imagem mostra. Hoje, em declarações à TV, nem sequer desculpa pediu e alindou uns argumentos toscos de «super estrela» (alguns tiques nós já conhecíamos).
Há uns dias atrás, um outro Ronaldo, Ronaldinho, ao receber a Bola de Ouro para o Melhor Jogador da Europa, afirmou: «Sem uma bola não sou nada» (Visão, 8-12-05).
O primeiro é um artista português - pois claro - só que não usa pasta medicinal Couto (isto para quem ainda se lembre do anúncio)...

6 de dezembro de 2005

Alçapões e «falsos amigos» - hoje e sempre

É já um lugar-comum dizer-se que a Língua Portuguesa é muito traiçoeira, cheia de armadilhas e de alçapões. Nas traduções, fala-se mesmo de «falsos amigos», para designar certas expressões que nos induzem em erro e nos «levam por maus caminhos». Que aliás também existem dentro da própria Língua, como se viu pela expressão «ir de encontro a» que nos pode levar, suavemente ou aos «encontrões», a alguns «maus encontros». Isso, claro está, na minha perspectiva. Penso, todavia, que a Língua Portuguesa não é – nesse particular – muito diferente das outras. Todas elas têm as suas ratoeiras para os respectivos falantes e escreventes. Embora algumas sejam mais «económicas» na sua forma de expressão e, como também se sabe, quanto mais se fala, mais se erra… O que aliás ficou bem patente na «Alegre Cavaqueira» de ontem à noite, como titulava hoje – com inegável imaginação e «economia narrativa» – o Correio da Manhã, a provar afinal – contrariamente ao que dissemos atrás - que a nossa Língua também pode ser «económica». Em duas palavras, o CM resumiu uma hora e tal de debate entre Manuel Alegre e Cavaco Silva. Com títulos como este - onde não se inclui o deste «post» - não podemos deixar de nos sentirmos felizes com uma Língua que tem uma «semântica» com uma imagética tão poderosa.
Vem esta «conversa» - diríamos da «treta», se fosse outro a escrevê-la - a propósito de um documento que hoje nos chegou à mão trazido por um colega.
Trata-se da cópia da factura que um mestre-de-obras apresentou, em 1853, pela reparação que efectuou na Capela do Bom Jesus de Braga. É uma transcrição, com grafia actualizada, de um documento existente na Torre do Tombo.

«Por corrigir os 10 mandamentos, embelezar o Sumo Sacerdote e pôr-lhe fitas - 70 réis
Um galo novo para S. Pedro e pintar-lhe a crista - 80 réis
Dourar e pôr penas novas na asa esquerda do Anjo da Guarda - 120 réis
Lavar o Sumo Sacerdote e pintar-lhe as suíças - 160 réis
Tirar as nódoas do filho de Tobias - 95 réis
Uns brincos novos para a filha de Abraão – 245 réis
Avivar as chamas do Inferno, pôr um rabo novo ao diabo e fazer vários consertos aos condenados - 185 réis
Fazer um menino ao colo de Nossa Senhora – 210 réis
Renovar o céu, arranjar as estrelas e lavar a Lua – 130 réis
Compor o fato e a cabeleira de Herodes – 35 réis
Retocar o Purgatório e pôr-lhe almas novas – 335 réis
Meter uma pedra na funda de David, engrossar a cabeleira de Saúl e alargar as pernas a Tobias - 93 réis
Adornar a arca de Noé, compor a barriga do filho pródigo e limpar a orelha esquerda de S. Tinoco – 135 réis
Pregar uma estrela que caiu do coro – 25 réis
Uma botas novas para S. Miguel e limpar-lhe a espada – 225 réis
Limpar as unhas e pôr cornos ao diabo – 185 réis
Total 2 328 réis»

4 de dezembro de 2005

O Dicionário da Academia e os três tipos de críticos

Muito se tem falado, ultimamente, por aqui neste blogue, em questões de Língua Portuguesa. Uma «mão» amiga, concretamente a «mão» da dita amiga, especialista nestas matérias e já algumas vezes aqui referida, «passou-nos», em papel, uma entrevista do Prof. João Malaca Casteleiro, coordenador do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, para mim o melhor dicionário de Português do momento, também ele já aqui referido, quer por mim, quer pelas Kronikas Tugas. Para quem se interesse por estes assuntos, vale a pena ler a referida entrevista, ao jornal Urbi@orbi - jornal on-line da UBI, da Covilhã, da região, e do resto.
Transcreve-se um trecho sobre os três tipos de críticos do referido Dicionário que eu inteiramente subscrevo:

«O balanço é positivo. Eu distingo três tipos de crítico. O "chico-esperto" é aquele que só sabe fazer críticas destrutivas. Se não está lá uma palavra, pronto...o dicionário já não presta! Depois temos o "coca-bichinhos" que anda à procura dos bichinhos, ou seja, das falhas. Quando encontra alguma vem logo à praça pública dizer que o dicionário não serve. Finalmente, há o crítico avisado que sabe fazer uma avaliação global. Nota os aspectos negativos mas também os positivos e esse tipo de crítico tem sido muito favorável a este dicionário. Dizem mesmo que este é o melhor dicionário da Língua Portuguesa até hoje editado».

3 de dezembro de 2005

A nossa cara Aspirina…

Não há como as mais triviais compras do dia-a-dia para melhor compreendermos o que se vê, ouve e lê, «à distância», nos «media», através das palavras dos jornalistas e dos decisores políticos. Vem isto a propósito de uma simples compra, de uma também simples embalagem de Aspirina. Sim, isso mesmo, a «velha» Aspirina, do «velhinho», de décadas, ácido acetilsalicílico, que tantos e tão bons serviços nos tem prestado. Produzido, comprimido e embalado pela Bayer, em embalagem verde e branca (valha-nos isso!). É que essa embalagem, de apenas 10 comprimidos, custou-me a módica quantia de €3,45.
O que me leva a colocar algumas questões:
A produção da Aspirina ainda envolve despesas de investigação?
Quantas vezes já estarão pagas as despesas de investigação que estiveram na base da sua produção?
Qual a razão pela qual se mantém um dos mais simples medicamentos ao preço em que está?
Percebo melhor agora, através deste gesto tão simples, o porquê dos lucros «faraónicos» das multinacionais farmacêuticas e, no outro extremo, o porquê dos custos cada vez maiores dos sistemas de saúde.

1 de dezembro de 2005

«Ir de encontro a» versus «ir ao encontro de» - outras maneiras de ver

Numa conversa telefónica recente com uma amiga, utilizei, a dado passo, a frase «[…] ele veio de encontro ao que eu pensava […]», para significar uma posição de concordância do tal «ele», com a minha posição. Logo fui chamado à atenção pelo nefando crime de lesa-língua que teria cometido. Uma vez que essa frase teria exactamente o sentido contrário ao que lhe dei. Isto é, «ir de encontro ao que eu pensava» seria ter uma posição contrária à minha. A questão ainda nos permitiu trocar uns «galhardetes» mas ali teria jazido, sem grandes preocupações da minha parte. Porém, com essa amiga, muito atenta ao detalhe das «coisas», nenhuma questão jaz assim e foi de novo ressuscitada «ao café» para arbitragem de outra amiga comum, especialista em matéria de Língua Portuguesa. Da exposição dos argumentos de uns e de outros, concluiu essa outra amiga, com a máxima benevolência para com os meus argumentos – diga-se -, que eu usaria uma «expressão desviante», que isso faria parte do meu próprio «idiolecto», ou seja, da minha idiossincrasia enquanto falante, concedendo até que a expressão «evoluiria para o sentido que lhe dei». A questão ficou neste pé.
Das ulteriores pesquisas que a este respeito fiz nenhuma me dá razão. Embora também nenhuma me tivesse convencido de que não tenho razão. Não eu mas a minha sensibilidade linguística.
Porquê então este meu «erro»?
Vejamos o que sobre esta questão nos diz o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:

«Ao encontro de tem o sentido de "em busca", "na direcção de", "encontrar-se com", "sair ao caminho", "ir ter com quem vem", "sair à frente de", "agir antes de alguém": «Foram todos ao encontro do novo presidente», «fui ao encontro dos seus desejos». A expressão "ir ao encontro de" tem ainda o sentido figurado de "captar o agrado ou a benevolência", "corresponder ao desejo": «Solicitavam-lhe o beneplácito, indo ao encontro da sua vontade com mercês e pompas de maiores galardões» [in "Dicionário de Questões Vernáculas", de Napoleão Mendes de Almeida]. De encontro a tem um sentido de oposição, enquanto a expressão ao encontro de significa exactamente o contrário. «Fui de encontro aos teus desejos [contra os teus desejos]». Transcrevendo de novo um exemplo citado por Napoleão Mendes de Almeida: «"Eu pensava vir de encontro aos seus desejos quando requeri que...", disse o funcionário, admirado com a negativa do despacho."O senhor veio realmente de encontro aos meus desejos, tanto assim que lhe indefiro seu requerimento", respondeu o superior hierárquico.»

O Ciberdúvidas «arruma» assim a questão, numa lógica binária de 0 ou de 1, que é, sem dúvida, muito «reconfortante» para quem pergunta, que assim se arrima à opinião de alguém a quem confere autoridade. E faz o mesmo o Ciberdúvidas, que resolve a questão pelo recurso à autoridade do gramático ou do dicionarista. Transcreve-se a «autoridade» e pronto, pára-se aí. Atente-se, porém, para perceber como a resposta e a interpretação desta questão talvez seja menos pacífica do que parece, num detalhe da resposta do dicionarista convocado: «De encontro a tem um sentido de oposição, enquanto a expressão ao encontro de significa exactamente o contrário. «Fui de encontro aos teus desejos [contra os teus desejos]». Como se percebe, o próprio dicionarista teve necessidade de usar o parêntesis recto para precisar o seu sentido…
Escalpelizando, não é para mim claro que:

«O João foi ao encontro do Paulo» e «O João foi de encontro ao Paulo»

sejam expressões de sentido oposto, como se pretende. Na primeira, o João foi ter com o Paulo e na segunda o João chocou com o Paulo. Ora «ir ao encontro de alguém» ou «ir de encontro a alguém» são expressões diferentes mas não opostas. O contrário de «ir ao encontro de alguém» é «afastar-se de alguém» e não «ir de encontro a alguém».
Passando agora a questão para um plano já não físico mas intelectual, temos que:

«O João foi ao encontro do que o Paulo pensava» e «O João foi de encontro ao que o Paulo pensava»

Também aqui estas expressões não se opõem. Na primeira, está subjacente um percurso, um trajecto até haver uma coincidência de pontos de vista e na segunda essa coincidência, essa adesão, é imediata e forte, como um choque. Não há, pois, qualquer oposição.
Qual é, para mim, o busílis da questão? São os sentidos figurados da expressão «ir ao encontro de» e «ir de encontro a», significando o primeiro «estar ou ser a favor» e o segundo «estar ou ser contra». E é exactamente aqui que reside a minha discordância. De onde é que esta interpretação provavelmente virá? Porventura de uma extrapolação indevida de expressões marcadamente orais, tais como: «o carro foi de encontro ao muro» ou «o carro foi contra o muro» e «o João foi de encontro ao Paulo» ou «o João foi contra o Paulo», como significando «oposição».
Desafio, porém, os gramáticos, os dicionaristas e as minhas amigas para abonarem a sua posição com exemplos retirados da «língua em acto», escrita ou oral, sejam eles de autores, de jornais, da televisão, de documentos técnicos, etc., etc. Não terei qualquer dificuldade em, por cada exemplo no sentido dos gramáticos, devolver em dobro com exemplos retirados do quotidiano…
Inevitavelmente, pois, a expressão irá evoluir para o sentido que lhe dei e que porventura sempre se lhe deu, fora dos dicionários ou das gramáticas…

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