28 de fevereiro de 2006

Os «funcionários públicos da classe média», segundo VPV

Vasco Pulido Valente (VPV) escreveu em O Espectro um poste intitulado Círculo Vicioso, em que aborda os números recentemente divulgados, segundo os quais, entre 2001 a 2005, o Estado admitiu 121.000 funcionários. Segundo VPV, «pouco menos de metade da população activa que chegou ao mercado de trabalho (325.000)». Já sabíamos que Guterres se havia enganado no PIB. Já sabíamos também que, em tempos não muito distantes, um outro político – de que agora não me lembro do nome (parafraseando aqui o Soares) - entrevistado em directo numa estação televisiva, não sabia o preço de um quilo de açúcar ou de arroz (decerto que VPV se lembra de quem foi?!). Agora sabemos que VPV, ou vpv – como ele assina, que em minúsculas é «coisa» chique: assinatura made in Lapa, em formato blogue – pelos vistos também não sabe fazer contas. 121.000 não são pouco menos de metade, VPV. Será que vale a pena explicar a VPV as mais elementares noções de matemática?! Uma regra de três simples – dizia-se, certamente, no tempo dele e ainda no meu – resolvia isso. Claro que os 13% que faltam para a tal metade ficam à conta do «pouco menos de metade». Grosseiro, não?! Se fosse um político a dizer isto, o que diria VPV. Zurzia até mais não poder. Chamar-lhe-ia incompetente e incapaz. No mínimo. Ora o tal Estado – VPV ainda o grafa com maiúsculas, vá lá, vá lá – criou e sustenta os tais 37% - são 37%, VPV, não são «pouco menos do que metade» - da tal «classe média» (outro conceito pouco menos do que arcaico hoje em dia). E os restantes 63%?!, ou um pouco mais de metade, no dizer de VPV. Esses não são classe média?! Serão o quê? E quem compõe afinal a «classe média», são apenas os tais 121.000 funcionários públicos, pelos vistos?! E isto vem do «liberalismo» – o Liberalismo não teve direito a grafia com maiúscula. Ora, VPV, nem nessa altura o que diz fazia sentido?! Quanto mais hoje. Ademais, VPV – porque conhece bem o período – sabe que desde essa época e até ao Estado Novo, os funcionários públicos viram frequentemente os seus salários reduzidos, em nome do défice?! Será preciso apontar períodos e bibliografia?! E o «fracasso do crescimento» – presume-se que económico – deve-se também, segundo VPV, ao elevado número de funcionários públicos. Ora isso é uma falácia. VPV sabe que não são os funcionários públicos que criam a riqueza, embora possam facilitar e sobretudo regular a sua criação. E a «corrupção dos partidos» deve-se também aos funcionários públicos?! Pois! Estou mesmo a ver as «gordas» doações dos «funcionários públicos da classe média» aos partidos. E com isto se completa o seu círculo vicioso, ou virtuoso. É claro que ao mesmo tempo que diz isto, VPV reclama (ou reclamará) quando não existem professores nas escolas, médicos nos hospitais, polícias na rua, uma justiça eficiente, estradas em condições, o seu «problemazinho» da água resolvido a tempo e horas (não é VPV?!) - etc., etc. É claro ainda – e para finalizar – que VPV está fora disto. Não integra nem a «classe média», nem os funcionários públicos. Uma vez que os professores universitários não são funcionários públicos. São, isso sim, uma casta superior, uma espécie de brâmanes da sociedade portuguesa e como se sabe e desde sempre os primeiros paladinos de todas as reformas…

FRASES DA PÓLIS V - Adjectivo&substantivo

«Não sou sensível à adjectivação. Se me chamarem imbecil não digo nada. Mas se disserem que tenho 52 anos [tem 49], escrevo uma carta a dizer que está errado».
Augusto Santos Silva, Ministro dos Assuntos Parlamentares
Sábado, n.º 95, p. 56

27 de fevereiro de 2006

FRASES DA PÓLIS IV - Morte

«Quando morre um pai, tem-se a sensação de que na próxima vez que a morte aparecer à porta, seremos nós a abri-la.»
António Lobo Antunes
Visão, n.º 677, p. 20.

25 de fevereiro de 2006

Interdito a menores de 3 anos

A Gillete é uma marca preocupada com os filhos dos seus clientes! Assim e antes que os inconscientes progenitores e barbeiros - assim mesmo: não é cá «cabeleireiros de homens» - deste país desatassem a fazer a barba às criancinhas com o creme de barbear Gillette Contour, avisa-nos para «Não utilizar em crianças com idade inferior a três anos». Uff. Com empresas tão responsáveis como esta, podemos dormir descansados.

24 de fevereiro de 2006

As interrogações do caso do Envelope 9

Será que se o jornal envolvido no caso do Envelope 9 fosse O Expresso, o Público ou o Diário de Notícias, por exemplo, este teria tido o mesmo tratamento por parte do Ministério Público? E qual a razão por que O Expresso, o Público ou o Diário de Notícias se pronunciaram de forma tão discreta sobre esta situação de flagrante non-sense pericial que confunde mensageiro e notícia, atropelando o direito jornalístico à reserva das fontes de informação? Ou como explicar o silêncio do próprio Sindicato da classe!? Creio que o George Orwell responderia a isto muito bem.
P.S. – Também acho «peregrino» ver um investigador criminal com o PC do jornalista debaixo do braço. Por favor, meus senhores, dêem alguma formação em TIC ao pessoal de investigação criminal e, já agora, comprem-lhes uns discos externos para efectuarem cópias integrais dos discos rígidos. Quanto mais não seja, evitam-se as hérnias discais…

21 de fevereiro de 2006

Dois F e um I – Freitas, Futebol e Islão

Tem-se falado muito e comentado, na blogosfera e fora dela, como um dos maiores dislates do ano, a sugestão do MNE em realizar um campeonato de futebol euro-árabe (a terminologia euro-árabe não é exacta – como se sabe -, mas o que conta é a ideia). Embora não seja por essa via que se resolve o problema do «fundamentalismo islâmico», a ideia tem efectivamente potencial…
Todos sabemos que o desporto, e em concreto o futebol, aproxima as pessoas… Organiza-nos os sentimentos bélicos de uma forma pacífica…
Já na Grécia Antiga, os diferentes jogos, mas sobretudo os jogos olímpicos, serviam para aproximar as diferentes cidades-estado. Aliás, a unidade da Grécia fica a dever-se, em grande parte, aos jogos olímpicos…
Tal como nas empresas, é comum hoje organizar jogos de futebol para aproximar as pessoas, estreitar laços, ganhar coesão e espírito de grupo. No fundo perceber que o Outro com o qual não lidamos ou lidamos apenas numa relação funcional não é afinal assim tão diferente de nós… Foi só isto que Freitas do Amaral quis dizer…

19 de fevereiro de 2006

«Opável» e «opada»

Cresce dia a dia o léxico da Língua Portuguesa... Na mesma linha do poste anterior - já agora, a palavra poste para designar «post» é minha («a César o que é de César e a Politikos o que é de Politikos»): pode ser que este blogue ainda venha a constar na nova edição do Dicionário da Academia - informa-se o Prof. Malaca Casteleiro, com abonação na revista Sábado desta semana (n.º 94, p. 8) e de acordo com uma carta do leitor Paulo Firmino, de Lisboa, que além de «opável», ou seja, passível de uma OPA, a PT, se se concretizar a dita operação, passa a ser uma empresa «opada», ou seja, uma empresa que sofreu uma OPA... Mais um adjectivo, ou melhor, mais um sentido para um adjectivo já existente... Viva a criatividade do jargão económico português...
A frase do leitor é assim:
«A SONAE, após as alienações estratégicas no Brasil e possíveis vendas de segmentos da própria PT, está em excelentes condições para dar continuidade ao bom desempenho da empresa opada.»
Mas, cá por mim, a PT vai ficar bastante menos opada depois de «opada»... Isto digo eu, é claro...

17 de fevereiro de 2006

BPI «opável»

Referindo-se à OPA da SONAE à PT, o presidente do BPI, Fernando Ulrich, disse hoje na TSF que o seu banco também era «opável», ou seja, também estava sujeito a uma OPA. Para além da evidência económica da afirmação, o curioso aqui é a enorme criatividade do jargão económico. Já ouvimos muitas e variadas expressões do «economês» - aportuguesadas ou importadas directamente do inglês. Mas, confesso, que transformar uma sigla, no caso OPA, de Oferta Pública de Aquisição, num adjectivo… Essa é mesmo a primeira vez… Bom, mas a bem dizer, a «coisa» talvez faça sentido. É que as OPA geralmente tornam os seus protagonistas algo opados… (é só reparar como anda Belmiro de Azevedo por estes dias). Isto já para não falar da opacidade de algumas delas…

14 de fevereiro de 2006

Alexandra, a Grande

Anda um gajo a tentar fazer bons postes, como o que está em baixo, a armar ao pingarelho, com umas referências culturais e tudo: consultam-se dicionários, cita-se Shakespeare e o catano. E temos como resultado, o quê? Um comentário do pessoal das Krónikas do género: «E já agora não havia nada de interessante sobre a vida provocante da Alexandra Lencastre?». Está mal! Fico chateado, é claro que fico chateado. Eh pá?! Não sei mesmo se não vou modificar a linha editorial do blogue num estilo mais TVI, Correio da Manhã, com uns laivos de Maxmen. Vamos ver! É que isto não há remédio. E se queremos ser lidos temos de ir ao encontro – aqui não vamos de encontro - das preferências dos nossos leitores. Enfim… Para evitar que estes, e em particular o pessoal das Krónikas Tugas, se centrem em demasia na figura de Alexandra Lencastre, reproduziu-se no poste em baixo uma outra fotografia que pretende dar o devido destaque aos cartunes, e só aos cartunes. Deixamos a Alexandra para este poste autónomo, que ela merece. E responde-se às Krónikas que sim senhor. Há lá realmente matéria para comentário. Para já, ficamos a saber pelo director, no editorial, que a «a actriz mais desejada do momento fez tudo o que a equipa da Sábado lhe pediu – e mais ainda». Alto lá?! Que é lá isso?! Vamos reproduzir o resto do texto para não sermos acusados de retirar a frase do contexto ou contexto à frase e para o pessoal das Krónikas não começar a pensar coisas. E o resto é: «Mudou de roupa várias vezes, disse muitas piadas e respondeu a algumas provocações. Durante horas. Depois, sem sequer tirar a maquilhagem, passou para um outro quarto, onde falou, durante mais horas ainda, com a jornalista Helena Mascarenhas». Assim é que está bem. E para que é que Alexandra fez isso?! Certamente para provar uma das suas respostas na entrevista: «Eu sou masculina. Tenho os ombros largos, o tronco maior do que as pernas, músculos nos braços. Sempre fui uma maria-rapaz. Não posso sair à rua de cara lavada». Publicamos uma das fotografias para o pessoal das Krónikas se pronunciar…

13 de fevereiro de 2006

Cartoons e cartunes – de cartum a Cartum: a cabala


O Pólis&etc. revela aqui, em primeiríssima mão, que o caso dos cartoons de Maomé é afinal uma gigantesca conspiração do mundo árabe. Ia a dizer cabala mas não quero abrir aqui mais nenhuma guerra religiosa e deveria dizer muçulmano, em vez de árabe, mas vale a consagração pelo uso, tão pouco do agrado de alguns que nos lêem. Os jornais dinamarqueses que os publicaram – ia a dizer pasquins - foram, assim, apenas testas-de-ferro de obscuros interesses de quem quer criar uma nova «guerra dos mundos». Como se não nos bastasse já a do Wells, ainda por cima com uma versão recente do Spielberg. E como é que o Pólis descobriu isso? Através da Língua Portuguesa. É que está lá tudo. Só é preciso ir atrás do novelo. Isto, se tiverem paciência. Que nestas coisas há que explicar tudo como num tribunal, passo por passo, quesito a quesito, não importa o tempo que demore. O «tempo jurídico» não é – como se sabe - igual ao tempo cronológico. Ora bem. Se outro mérito não tivesse, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, vulgo da Academia, teve o meritíssimo – este adjectivo não serve só para os juízes, como se vê - de importar massivamente – poderia dizer maciçamente, mas não me apetece, e até acho que também essa palavra foi uma boa importação, por dar melhor a ideia de «massa» – para a nossa Língua, centenas, senão mesmo milhares, de vocábulos. Alguns já utilizados e consagrados pelo uso, outros nem tanto, outros mesmo nunca utilizados ou apenas utilizados na sua língua original. Os jornais ajudaram à festa. Lembro-me até de O Expresso – o Grande Educador do Povo da Pólis - ter declarado «oficialmente» ir seguir, a partir daí, o preceituado pelo Dicionário da Academia. Outros não o fizeram «oficialmente» mas também alinharam com a moda. Foi assim que num ápice apareceram em Português inúmeras palavras nacionalizadas que até então sempre haviam vivido entre nós como imigrantes. Assisti, por exemplo, a «lobbye» passar – e bem – a lóbi e hoje todos vamos convivendo – e muito bem – com o lóbi. Excepto a Microsoft e o dicionário do Word que continua teimosamente a apontar como errada a grafia de lóbi. Aguardemos, porque com o «pacote» de acordos assinados há dias com Bill Gates, tal não tardará a ser corrigido. Voltando ao tema, volta e meia dou de caras com uma nova palavra aportuguesada que inicialmente me «fere» a sensibilidade linguística. Porém «fere» mas sem provocar grandes feridas. Apenas uns arranhões, logo intelectualmente cauterizados pelo meu raciocínio analítico. Aliás brilhante, como se vê pelos textos que por aqui produzo. Lidos religiosamente – chiça que palavra esta para um texto destes – por não mais de meia dúzia de fiéis – chiça! Outra vez, lá vem outra palavra da mesma área semântica. Pois o que quero mais, se até os apóstolos de Cristo não eram muitos mais... Stop?! Chega de referências religiosas e toma lá um neologismo. «Olho» então para a palavra. Segue as regras lexicais de construção. Ok, fixe. Está aceite, validada e incorporada no meu léxico mental. E pronta a ser usada. Vem isto a propósito dos cartoons de Maomé que rapidamente passaram a cartunes em grande parte dos jornais e revistas da Pólis. Chiça?! Os cartunes arranharam-me mesmo. A princípio nem percebi do que se tratava. Tive de «tirar» pelo contexto. Não sei bem o que me faziam lembrar. Por momentos perpassaram pelo meu cérebro – seguramente na zona das competências linguísticas: talvez o Prof. Damásio nos dê uma «mão» com isto, não vá dar-se o caso de metermos os pés pelas mãos - várias possibilidades. Seria o quê? Uma empresa de «rent-a-car» ou de aluguer de automóveis sediada em Tunes?! Temos mesmo de dizer «rent-a-car». Aí não há hipótese. Pois nem mesmo o Dicionário da Academia se lembrará decerto de «rente-a-carros». Só se for o António Feio, como Ugly Kid Tony, nas suas crónicas da TSF. Um stand de automóveis do Sr. Antunes?! Forte probabilidade para um nome como esse. O contexto, porém, cortou-nos as tergiversações linguísticas e chamou-nos à razão. Embora nela já estivéssemos. Pelo menos a trabalhar com ela. E com a polémica dos cartunes em crescendo, a palavra foi-se instalando. Até ontem, em que tive a genial ideia de pensar como se formaria o singular de tão singular palavra. Teria de ser cartune?! Cartum não poderia, a menos que o plural fosse cartuns?! Consultados os dicionários modernos, o dito da Academia e o Houaiss, vemos que ambos nos dão a possibilidade de o singular de cartunes ser duplo. É à escolha: cartum ou cartune… Os cartuns é que ficam de fora. Não percebemos o critério, mas também não é isso que interessa hoje. O que efectivamente nos interessa é Cartum. Eureka! Pois, Cartum é a capital do Sudão, um país muçulmano, onde a Sharia vigora. De onde se prova afinal – graças aos dicionários - ser tudo isto afinal uma cabala e uma tremenda maquinação dos muçulmanos para culpabilizarem o Ocidente… Mas, afinal isto tudo não começou na Dinamarca… Será que os cartoons de lá também são cartunes?! Bom, seja como for e parodiando Shakespeare, decididamente algo não está mesmo nada bem no Reino da Dinamarca…

10 de fevereiro de 2006

Os direitos sagrados do Ocidente

As palavras encerram em si uma miríade de significados e muitas das que usamos transportam toda a nossa herança judaico-cristã, onde também já houve intolerância religiosa e hoje há, porventura, intolerância laica. Durão Barroso pronunciou-se hoje sobre o caso das gravuras de Maomé. E disse que «o direito à liberdade de imprensa no Ocidente era sagrado». Curiosa palavra, essa, na boca do presidente da União Europeia. Sagrado! Embora inapropriada do ponto de vista ocidental. Ora, pelos vistos, e ligando à etimologia, esse «direito laico» do Ocidente é afinal sagrado, ou seja, absoluto e intocável. Temos afinal uma moeda com duas faces. Porém, a mesma moeda... De um lado, a intolerância religiosa que não permite, sob qualquer pretexto, representar a efígie do Profeta Maomé, e por outro a intolerância laica que também não permite, sob qualquer pretexto, qualquer limite à «liberdade de imprensa»...

9 de fevereiro de 2006

Língua portuguesa – liberdade ou prisão?

A propósito da posição do Pólis&etc. face à Língua, já por aqui conhecida de outros postes, transcrevemos da obra Língua e liberdade, de Celso Pedro Luft, um curiosíssimo texto de Luís Fernandes Veríssimo, que, aliás, serve de mote a toda a obra. Nela, Luft discorre sobre o modo de ensinar o Português, as noções de Língua e de Gramática, a obsessão gramaticalista da regra, da ortografia e do «politicamente correcto» em termos linguísticos, que também existe, como bem sabem as Krónikas Tugas, a falsa crença de que – como diz – ensinar uma língua seja «ensinar a escrever certo», defendendo que uma língua viva é uma língua em constante evolução, abandonando e/ou incorporando de forma natural novos vocábulos, defendendo sobretudo a prática e o manejo da língua em detrimento do ensino estéril baseado na aprendizagem da Gramática.

«O gigolô das palavras
Luís Fernando Veríssimo

Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com as suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa ("Culpa da revisão! Culpa da revisão!"). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, comover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.
Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas - isto eu disse - vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que os outros já fizeram com elas. Se bem que não tenha também o mínimo escrúpulo em roubá-Ias de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.»

5 de fevereiro de 2006

Também contra o fundamentalismo da liberdade de imprensa









Contra todos os fundamentalismos… Mas hoje também contra os fundamentalistas da «liberdade de imprensa», aos quais fazem falta umas lições de História das Religiões e de Antropologia Cultural, publicamos várias representações pictóricas medievais do Profeta Maomé. Como se pode ver, a efígie de Maomé, mesmo em criança, nunca é representada. Qualquer «livrinho» sobre o Islão mostra isso…

4 de fevereiro de 2006

A falsa tolerância do Ocidente

Tem-se discutido muito esta semana a propósito de uns cartoons sobre o profeta Maomé, publicados por jornais dinamarqueses e noruegueses… Representando o Profeta com um turbante em forma de bomba, esses jornais fizeram coincidir o Islão com o Terrorismo… Além de terem representado o Profeta, o que é terminantemente proibido pela religião islâmica, que condena a idolatria…
Poderá ser ignorância ou desconhecimento do cartonista e do jornal. O Bin Laden, por exemplo, serviria o mesmo intento e não levantaria qualquer problema…
Logo após os protestos em vários países muçulmanos, que levaram, inclusive, ao encerramento de várias representações diplomáticas dinamarquesas e noruegas, outros jornais em toda a Europa publicaram de novo, agora de forma consciente e deliberada, os ditos cartoons, por solidariedade com os tais jornais e em defesa do sacrossanto princípio da liberdade de imprensa. Ora nenhum princípio e nenhuma lei são princípios absolutos… Mandaria o bom senso ou o princípio não escrito de que a nossa liberdade termina onde começa a do outro, para se ter evitado estes assomos de «choque civilizacional»
A famosa tolerância pregada pelos Ocidente converteu-se afinal em intolerância perante a diferença... Este etnocentrismo cultural ocidental é, a meu ver, um sinal profundo da nossa intolerância e da nossa incultura… É por isso que, apesar de já termos visto os ditos cartoons reproduzidos em diversos blogues e sítios na internet, não ilustramos com nenhum deles este «post»...

Adultos, crianças ou adultos-crianças?

Quando entro nestas picardias futebolísticas com as Krónikas Tugas, que me levam até a perder algum tempo a fazer um «post» de réplica ou tréplica ou o que for, não deixo de me sentir a recuar um pouco até à infância ou à adolescência. Pois, o que é isto, senão uma versão mais elaborada, mais sofisticada, de «o meu clube é melhor do que o teu» Não posso deixar de pensar que afinal não estou assim tão longe do tempo em que coleccionava os «bonecos da bola». Ou pelo menos que não terei deixado completamente esses tempos... Colocada a questão ao Kroniketas, ele respondeu-me com o seu pragmatismo habitual: «para quê matar a criança que existe dentro de nós», ou qualquer coisa semelhante. E eu acho que isto diz tudo...

2 de fevereiro de 2006

Fenómeno do Entroncamento afinal é Leão de Rio de Maior!


Já na posse de alguns dados estatísticos e a propósito das vitórias do Sporting em casa do Benfica, que geraram algumas salutares picardias com um dos blogues mais lidos na Pólis, vamos tentar esclarecer aqui «distorções da realidade», «médias comparadas a bolos», «fenómenos do Entroncamento» & etc. Ressalva-se, desde já, que estes dados foram obtidos pelo telefone, junto de um velho amigo, pelo que podem eventualmente conter algumas imprecisões. Que eu nestas coisas gosto de ver claramente visto. Porém, qualquer imprecisão não afecta o balanço global e as conclusões a que queremos chegar. Não vamos fazer «engenharias», nem «malabarismos» com os números, nem aconselhar convenientes recuos. Poderíamos fazê-lo à década de 50, de 40, ou de 30, por exemplo. Mas não seria rigoroso. Nada disso. Vamos apenas analisar os números com objectividade e algum critério. E, assim, temos que, nos 70 jogos para a Super Liga e Campeonato Nacional - deixamos de lado os antecedentes já que o modelo competitivo era outro - realizados pelo Sporting em casa do Benfica, o SLB ganhou 37 vezes, registaram-se 18 empates e o SCP ganhou 15 vezes, o que o perfaz uma média de uma vitória do Sporting de 4,6 anos em 4,6 anos. É evidente que, entre 1966-1967 e 1984-1985, o Sporting não ganhou em casa do Benfica e que, entre 1986-1987 e 1993-1994, também não. Mas também não é menos verdade que entre 1938 e 1954 lá ganhou 9, digo 9 vezes, sendo 5, digo 5, vitórias seguidas ou que entre 2000 e 2006 já lá ganhou 3 vezes. Não contabilizando oportunisticamente, para um lado ou para o outro, períodos aleatórios, de acordo com as conveniências, temos que, por décadas, o Sporting apenas ficou em branco na década de 70. Assim temos:
Década de 30
2 vitórias (38-39; 39-40)
Década de 40
3 vitórias (40-41; 47-48; 49-50)
Década de 50
4 vitórias (50-51; 51-52; 52-53; 53-54)
Década de 60
1 vitória (65-66)
Década de 70
0 vitórias
Década de 80
1 vitória (85-86)
Década de 90
1 vitória (94-95)
Década de 00
3 vitórias (02-03; 03-04; 05-06)
De onde, a tal comparação atmosférica com a neve, ou, noutras palavras, o tal fenómeno do Entroncamento, na realidade não existe… Fenómeno é não nevar em Lisboa desde 1954, não o Sporting não ganhar na casa do Benfica.

Quer-me parecer, pois, que o
«Fenómeno do Entroncamento» afinal pariu um «Leão de Rio Maior»… Como diria o Pessa, que efectuou várias reportagens sobre o leão de Rio Maior: «E esta, hein?!»

[O que eu pergunto é por que raio me fui logo lembrar de um exemplo com um leão?!?!?!]
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