30 de setembro de 2007

O bricabraque do fisco

Muito se fez no fisco nos últimos anos. Ainda assim coexistem duas realidades diferentes. Sobretudo ao nível das pessoas e das instalações. As práticas, os procedimentos, e as tecnologias a eles associadas, esses claramente melhoraram. Aqui há uns meses tive de ir à minha repartição de Finanças. Desde que moro nesta morada – há cerca de 4 anos – nunca lá havia ido. Uma ou outra situação tem sido tratada pelo elemento feminino, que se encarrega prioritariamente desses assuntos, de onde não conhecia o espaço. E foi uma experiência interessante. A criatura que primeiro me atendeu era um funcionário dos antigos mas polido e cortês. O polimento pode ter sido recente ou já ser de seu natural. Não consegui perceber. Particularidade: o homem via mal, pelo que ostentava uma gigantesca lupa ao peito. Pouco depois, fui à tesouraria, situada no rés-do-chão do prédio. Um prédio dos anos setenta no centro de Lisboa. Foi moderno, em tempos, hoje ostenta sinais visíveis de decadência. Como tive de esperar uns bons 20 minutos, deu para tudo. E fui observando o que se passava à minha volta. Desconto os contribuintes e foco-me nos funcionários e nas instalações. A tesouraria é uma sala ampla onde já trabalharam provavelmente mais de uma dezena de pessoas, antes de as máquinas substituírem as pessoas. Estavam lá duas. Desses tempos gloriosos, das velhas repartições, - só o nome já tem peso - resta o mobiliário e alguns adereços. O profissionalismo, que chegou aos procedimentos e à atitude das pessoas com os cidadãos, através de cursos de formação mais ou menos hormonais, parou aí. Não chegou às instalações, nem à atitude das pessoas no trabalho. E assim, aquilo era uma espécie de bricabraque, com objectos de toda a sorte. Num dos guichets, vi uma bola com cabelo azul, presumo que um recuerdo de péssimo gosto do Belenenses. Num outro, uma carta de jogar com a cara do funcionário titular do guichet bem no meio dos naipes. Numa parede, um calendário com uma paisagem de uma empresa metalúrgica. Semeados pelas paredes, vários outros. Uma paisagem, duas rosas, dois cães, calendários que já foram calendários, noutras eras... Mas que, depois de retiradas as folhas, e dada a beleza intrínseca dos motivos, lá foram ficando... Uns curiosíssimos arquivadores metálicos cor de tijolo e, por cima deles, umas jarras ou vasos de flores plásticas, decrépitas, com pelo menos 20 anos. É que nem as plásticas conservam o viço tanto tempo! Noutro ponto da sala, uma miniatura de um barco, um postal com um desenho de um bebé sorridente dizendo: «Eu sou optimista». Lembro-me bem daqueles posters, com 20 anos ou mais. A um canto, várias ventoinhas decrépitas, de antes do embaratecimento dos electrodomésticos, coexistindo com uns aquecedores a óleo, esses sim recentes, mas de linha branca, cada um de sua nação. Fotos de família, com e sem moldura, uma colada nos vidros. Vidros, aliás, aos quais a diligência do pessoal de limpeza – decerto provindo de um qualquer outsourcing – não chegou para remover restos de cola. Um ecrã moderno ia desfiando os números. Quando chegou à minha vez, pedi um impresso para adquirir o selo do carro. Ao que a funcionária me respondeu condescendente – com um ar de quem diz: «que burro, não sabes que isto está tudo informatizado!» - que já não era preciso. Recitei o número de contribuinte e logo a criatura me perguntou se era proprietário do veículo com a matrícula Y. Digo que sim, pago com MB e ela diz-me que irei esperar 15 dias – por acaso demorou um mês – pelo envio do dístico pelo correio. O mundo do fisco está, de facto, diferente, mas os resquícios do velho mundo ainda lá estão…

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21 de setembro de 2007

Os idiotas

Visão, n.º 758, de 13-09-2007
P.S. - Primeiro deixaram passar isto, sem que uma única alma tivesse reparado?! Segundo, e pior ainda, na edição desta semana, nem sequer assinalaram o erro... Será que ainda ninguém reparou?!?!?! Ou acham que somos todos idiotas?!

19 de setembro de 2007

Figos, na figueira

Há já bastante tempo me vinha interrogando como é que a cantera do Sporting, claramente a melhor do país e uma das melhores da Europa, conseguia formar grandes jogadores mas não conseguia formar sportinguistas ou pelo menos jogadores gratos, reconhecidos. E habituei-me, apesar de sportinguista, a olhar com grande respeito e admiração o benfiquista Rui Costa, não apenas o jogador, mas sobretudo a postura do binómio homem/jogador. E pensava, cá para comigo: «Que raio, será que nós não conseguimos formar alguém assim?». Hoje, afinal, tive a prova de que isso não era verdade, com o gesto de Cristiano Ronaldo, ao marcar em Alvalade pelo Manchester. Bateu-me fundo pelo que lhe bato aqui uma chapelada de aba larga. O gesto, singelo, valeu para mim como algo precioso.
Mudando agora da bola para a fruta, devo dizer que gosto muito de figos, no Algarve, frescos, quando lá vou no Verão, ou mesmo secos, torrados, o ano todo…

P.S. - E a imagem, fui buscá-la aqui.

17 de setembro de 2007

Todo-o-terreno

Ontem fui à Costa de Caparica. Gosto especialmente da praia em Setembro. Os dias de fim de Verão são dos melhores. Os pôr-do-sol têm outro encanto. A praia fica mais amena, as pessoas são menos. O ritmo da praia é igualmente outro. Pressente-se já a mudança de estação. Tem-se, num dia só, um pouco de Verão e um pouco de Outono. Além do mais, ainda apanhei a melhor água da época, Algarve incluído. Tépida como nunca a havia visto este ano.
O cenário era o ideal, não fosse o Instituto de Socorros a Náufragos (ISN) e a Marinha. Não sei se a época balnear já terá acabado, pelo menos para o ISN! Mas realmente não vi nadadores-salvadores na praia. Ao contrário, porém, vi dois jeeps, um do ISN – sinal de que afinal a época não acabou de todo - e outro da Marinha. Até aqui tudo mais ou menos. Já é normal, mas porventura não curial, esses carros andarem pela praia, junto às dunas, portanto na parte menos ocupada do areal. Ontem, porém, resolveram andar junto à água, em velocidade lenta, é certo, mas junto à água. Obrigados a parar a cada passo por uma criança a brincar na areia, por um banhista, etc., etc., lá passavam aqueles todo-o-terreno, máquinas e homens... Vigiar a praia, sim, mas com nadadores-salvadores presentes e polícias a pé...

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13 de setembro de 2007

Real politik

Se dúvidas havia que ela existia, os factos de hoje comprovam-no à saciedade. Depois de PM e PR não receberem o Dalai Lama, este foi recebido pelo presidente da AR, ao mesmo tempo que José Sócrates recebia Bob Geldof... Há alturas que não sei bem o que sentir, mas será muito parecido com asco…

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12 de setembro de 2007

Verosimilhança

A Pergunta do Dia do jornal gratuito Metro traz hoje, como sempre, as respostas de três entrevistados, a uma questão da actualidade. Lá vem, também como sempre, o nome, a profissão e a idade. Até aqui tudo bem! O que me chamou a atenção foram as profissões de dois dos entrevistados. Um designou-se como licensing manager e a outra como marketeer. Safou-se a terceira que singelamente se afirmou comerciante. Embora tivesse ficado com uma ideia, fiquei igualmente com algumas dúvidas sobre o que é cada um dos dois primeiros efectivamente faz. Não sou minimamente contrário à importação de anglicismos ou de outros estrangeirismos. Não peço sequer que para os mesmos não haja equivalentes na Língua Portuguesa, ou até mesmo que eles sejam efectivamente necessários, mas peço que pelo menos tenham verosimilhança.

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5 de setembro de 2007

Estrelas & estrelas

Anteontem – ou seria domingo?! – passei pelo novo programa da SIC, Família Superstar. Basicamente, são castings para avaliar os dotes musicais de membros da mesma família com vista a participar no programa. O júri dos castings é composto pelos dois irmãos dos Anjos, pela jornalista Clara de Sousa, e pelo editor musical Tozé Brito. Na esteira de outros programas similares, os membros deste júri – excepção feita a Tozé Brito – comprazem-se em humilhar os concorrentes. É bem certo que alguns deles não parecem ter sequer consciência de que não sabem cantar. Mas há formas de se evitar isso. Fazem-se pré-selecções e poupam-nos a esse espectáculo indecoroso e há outras formas de se dizer que não serve. Mas aquilo deve fazer parte do espectáculo, quer os bobos, quer os que se riem dos bobos. Entre uns e outros... Acho até mais triste a figura dos anjolas e da Clarinha, - sobre a dita permanece a incógnita de saber quais são os predicados que ela possui para avaliar quem canta bem e quem canta mal?! - do que a dos concorrentes... Talvez por isso ela seja a mais musculada no discurso! Resta saber se, em lugar de gente anónima e pouco talentosa, ela teria o mesmo comportamento perante, por exemplo, políticos ou empresários, menos anónimos mas igualmente pouco talentosos?! Loas a Tozé Brito, um senhor no meio dos outros.

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4 de setembro de 2007

A culpa e o medo

Nas minhas férias deste ano, numa vila tradicional, de casas térreas e brancas, este ano morreu alguém. Duas casas adiante da minha. Tinha trinta e tantos anos. Estava a ver televisão com a família. Sofreu um ataque cardíaco fulminante. Não sei se o corpo foi cremado ou não, mas sei que houve dois dias de velório e um de funeral. Sempre que saía à rua, para ir ao café, para ir para a praia, para ir jantar, ou o que fosse, passava pela casa do morto, pela capela, via os rostos da família, dos amigos, surpreendia restos de conversas. E era-me sempre um pouco obsceno sair com aquele cenário ali tão perto. Há uma certa solidariedade interior na dor que nos obriga a partilhar, ainda que momentaneamente, aquela tristeza. Um dia chegará, em que alguém por mim ou pelos meus sentirá o mesmo. Penso eu, tentando apaziguar-me. O tempo e a vida não param, penso também. Mas a situação continua a soar-me obscena. E escrevo, porventura para exorcizar a culpa e o medo.

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3 de setembro de 2007

O think tank

O economês e o gestionês – todos o sabemos – têm uma linguagem própria. A importação de termos anglo-saxónicos tem sido maciça. A literatura técnica é sobretudo em língua inglesa. A importação surge, por isso, com toda a naturalidade. Olhando para os jornais económicos, para os suplementos de Economia ou para as notícias dos jornais generalistas, facilmente apanhamos com uma chusma de termos. Respigo de memória alguns que me ocorrem: o spin-off, o stakeholder, o CEO, que já nem desenvolvido é, o think tank, etc., etc. No Expresso Economia (n.º 1814, de 4 de Agosto), Manuel Ferreira Enes, na coluna de opinião denominada Olhar a Sul, é mesmo referido como «Professor do ISEG e “think tank” Grupo África-IPRI». Antes de pesquisar, não sabia sequer que grupo era aquele. Por acaso já havia batido no think tank e sabia o que era. E, vá lá, vá lá, ainda o grafam entre aspas... Mas muito gostava de saber, quantos dos que lêem o Expresso, e não são economistas ou gestores, de formação ou de profissão, sabem a que é que aqueles termos e siglas correspondem... E os jornais, sempre tão pressurosos a fazer sondagens, inquéritos, estudos de mercado e a conhecerem o(s) público(s)-alvo, será que não averiguam isto?! Ou pretendem apenas falar para os iniciados no jargão?! O que me traz à memória, a frase sábia de um velho professor que dizia que a ciência era a forma de tornar difícil o que era fácil...

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