Muito se fez no fisco nos últimos anos. Ainda assim coexistem duas realidades diferentes. Sobretudo ao nível das pessoas e das instalações. As práticas, os procedimentos, e as tecnologias a eles associadas, esses claramente melhoraram. Aqui há uns meses tive de ir à minha repartição de Finanças. Desde que moro nesta morada – há cerca de 4 anos – nunca lá havia ido. Uma ou outra situação tem sido tratada pelo elemento feminino, que se encarrega prioritariamente desses assuntos, de onde não conhecia o espaço. E foi uma experiência interessante. A criatura que primeiro me atendeu era um funcionário dos antigos mas polido e cortês. O polimento pode ter sido recente ou já ser de seu natural. Não consegui perceber. Particularidade: o homem via mal, pelo que ostentava uma gigantesca lupa ao peito. Pouco depois, fui à tesouraria, situada no rés-do-chão do prédio. Um prédio dos anos setenta no centro de Lisboa. Foi moderno, em tempos, hoje ostenta sinais visíveis de decadência. Como tive de esperar uns bons 20 minutos, deu para tudo. E fui observando o que se passava à minha volta. Desconto os contribuintes e foco-me nos funcionários e nas instalações. A tesouraria é uma sala ampla onde já trabalharam provavelmente mais de uma dezena de pessoas, antes de as máquinas substituírem as pessoas. Estavam lá duas. Desses tempos gloriosos, das velhas repartições, - só o nome já tem peso - resta o mobiliário e alguns adereços. O profissionalismo, que chegou aos procedimentos e à atitude das pessoas com os cidadãos, através de cursos de formação mais ou menos hormonais, parou aí. Não chegou às instalações, nem à atitude das pessoas no trabalho. E assim, aquilo era uma espécie de bricabraque, com objectos de toda a sorte. Num dos guichets, vi uma bola com cabelo azul, presumo que um recuerdo de péssimo gosto do Belenenses. Num outro, uma carta de jogar com a cara do funcionário titular do guichet bem no meio dos naipes. Numa parede, um calendário com uma paisagem de uma empresa metalúrgica. Semeados pelas paredes, vários outros. Uma paisagem, duas rosas, dois cães, calendários que já foram calendários, noutras eras... Mas que, depois de retiradas as folhas, e dada a beleza intrínseca dos motivos, lá foram ficando... Uns curiosíssimos arquivadores metálicos cor de tijolo e, por cima deles, umas jarras ou vasos de flores plásticas, decrépitas, com pelo menos 20 anos. É que nem as plásticas conservam o viço tanto tempo! Noutro ponto da sala, uma miniatura de um barco, um postal com um desenho de um bebé sorridente dizendo: «Eu sou optimista». Lembro-me bem daqueles posters, com 20 anos ou mais. A um canto, várias ventoinhas decrépitas, de antes do embaratecimento dos electrodomésticos, coexistindo com uns aquecedores a óleo, esses sim recentes, mas de linha branca, cada um de sua nação. Fotos de família, com e sem moldura, uma colada nos vidros. Vidros, aliás, aos quais a diligência do pessoal de limpeza – decerto provindo de um qualquer outsourcing – não chegou para remover restos de cola. Um ecrã moderno ia desfiando os números. Quando chegou à minha vez, pedi um impresso para adquirir o selo do carro. Ao que a funcionária me respondeu condescendente – com um ar de quem diz: «que burro, não sabes que isto está tudo informatizado!» - que já não era preciso. Recitei o número de contribuinte e logo a criatura me perguntou se era proprietário do veículo com a matrícula Y. Digo que sim, pago com MB e ela diz-me que irei esperar 15 dias – por acaso demorou um mês – pelo envio do dístico pelo correio. O mundo do fisco está, de facto, diferente, mas os resquícios do velho mundo ainda lá estão…
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