31 de julho de 2009

Crónica hospitalar e de costumes IV

A saga do estúpido acidente doméstico no qual parti um braço teve vários micro-episódios. No final da primeira consulta na urgência, e estando naturalmente impossibilitado para trabalhar, pedi o competente atestado ao esquálido que me atendeu. Pensando que a coisa estava em Simplex, já estava a ver sair da impressora o papel preenchido, prontinho para ser assinado. Puro engano! Parece que o programa informático do Hospital de S. José tem essa funcionalidade prevista há dois anos… mas ainda não foi implementada. O esquálido diligentemente mostrou-me mesmo o botão informático da dita. Lá tive, pois, no dia seguinte, cheio de dores e sem ter pregado olho, de me arrastar até ao médico de família, que aproveitei para conhecer, pedir por amor de Deus ao dito que me atendesse e me desse o tal papel.
A situação, como se vê, é cretina e caricata, não se percebendo sequer o porquê de não estar resolvida. Será que o truculento Correia de Campos ou Ana Jorge, com aquele arzinho entre o snobe e o negligé, tiveram/têm conhecimento disto?!
To be continued

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28 de julho de 2009

Crónica hospitalar e de costumes III

O episódio das Crónicas Hospitalares e de Costumes relatado atrás não acabou ali. Aguardei no corredor, já com os doentes a amontoarem-se e a aparecerem as primeiras queixas pelo tempo de espera, quando chega a enfermeira. Uma mulher alta, de cabelos negros ou castanhos-escuros, com um rosto ainda bonito mas em que o corpo acusava já o passar dos anos. Foi próxima e simpática mas sem aquele paternalismo ou infantilização, muito característicos do pessoal hospitalar que não os médicos. Ao ler a receita do Técnico, constatei que ambos os fármacos eram injectáveis, acabando um deles em «an» ou «am», o que logo me soou a sedativo. Perguntei à enfermeira de rosto bonito, o que era aquilo, ao que ela me disse que um era um relaxante muscular e o outro era realmente um sedativo. Disse-lhe peremptoriamente e de modo a não permitir qualquer réplica: «levo o primeiro e não levo o segundo». Ela nem tugiu, nem mugiu. Ora, o Técnico deu-me o primeiro para as dores e o segundo deve ter sido por eu lhe ter dito que não tinha dormido nada na noite anterior, já que não estava particularmente nervoso ou ansioso. Enervado estava sim, no dia anterior, quando fiz a fractura. A facilidade com que os médicos prescrevem este tipo de medicamentos é coisa que mereceria reflexão...
Seguiu-se o aliviar da tala. Tive de ser eu a dar-lhe uma ajuda na decifração da letra encadeada do Técnico e, antevendo dificuldades, ela disse-me: «ai, ai, como é que eu lhe vou fazer isso?» Devo dizer que este episódio foi o mais doloroso de todo este processo, já que tiveram de me levantar o braço uns 10º ou 20º do ângulo recto em que estava. Já só me vi rodeado de três enfermeiros que me diziam que tinha os músculos completamente tensos e eu só dizia para deixarem aquilo tal como estava. Arrependi-me deveras de me ter queixado, mas lá me conseguiram colocar umas mechas suplementares de algodão que me aliviaram umas horas mas à noite estava quase na mesma. Lá pus eu, adicionalmente, com a ajuda de espátulas de madeira, colheres de pau e o que fosse desde algodão a rodelas de retirar maquilhagem. Valeu tudo. Mas o alívio foi curto. Em pouco tempo, aquilo ganhava cama e continuava a magoar-me de sobremaneira. Tive, então de agir por conta própria e fracturei deliberadamente o gesso naquela parte. E em boa hora o fiz, pois só assim consegui alívio daquele garrote. Quando, semanas após, no final do processo de consolidação, retirei o gesso, tinha uma enorme crosta de sangue e um valente hematoma. A enfermeira que o removeu disse-me mesmo: «Como o senhor tem isto! Não lhe doía?! E eu: «Claro que sim, daí ter fracturado o gesso nessa parte». E ela: «Foi o que lhe valeu, já que isso podia ter chegado ao osso». Pois!
É inaceitável que o Técnico de Medicina prescreva medicamentos sem explicar aos doentes o que são e para que servem. Já que o Técnico, embora pelos meus critérios não seja médico, também não é veterinário... Tal como é inaceitável que o Técnico tenha desvalorizado as queixas de dor no pulso, já que dali poderiam advir males maiores não fora aquele meu expediente...
To be continued

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27 de julho de 2009

Crónica hospitalar e de costumes II

Mais um episódio do estúpido acidente doméstico no qual parti um braço. Como já se disse fui engessado: uma tala em meia-cana coberta por uma ligadura e assim andei 21 – para mim – longos dias. Como tenho os pulsos finos e um bocado ossudos, a tala ficou a magoar-me, o que só dei conta algumas horas depois. Em conversa com familiares, amigos e conhecidos, cada um me foi alertando para um ou outro aspecto da coisa. Já se sabe que de médico e de louco todos temos um pouco... E ainda bem, pelo menos em relação à primeira parte da premissa. Em concreto, a minha santa mãe alertou-me para o facto de eu não ter feito uma radiografia após a colocação do gesso, asseverando-me que o devia ter feito para ver se o braço tinha ficado na posição certa. Dado que se consolidasse mal, o caso seria depois muito mais complicado. Andei na net, à esquerda, a averiguar se aquele era um procedimento médico obrigatório mas os resultados não foram conclusivos. Assim sendo, com o incómodo no pulso e com a história do raio X pós-gesso a bailar-me no espírito, no dia seguinte voltei à urgência.
Mesmos passos e eis-me de novo na ortopedia. Desta vez, porém, tive azar. Não dei nem com o esquálido, nem com o pesadão de bigode. E fui atendido por um outro tipo. Este, porém, não era médico. Seria seguramente licenciado em Medicina. Médico não era! Já que para isso é necessária a vertente humana, coisa que de todo lhe escapava. Chamemos-lhe, pois, Técnico de Medicina, que é o que lhe assenta melhor. Tenho a ideia de ser um tipo de meia-idade, cabelo curto já grisalho, rosto redondo, olhos pequenos, de gestos despachados e voz igualmente despachada. Creio que nem sequer me fitou nos olhos e mal ouviu o que lhe disse. Uma máquina afinada de passar receitas. Após me ter queixado de dores no braço e no pulso e de ter aventado timidamente a hipótese de um segundo raio X, o Técnico prescreveu-me dois medicamentos, não me explicando sequer o que eram e rejeitou liminarmente e com algum desdém o segundo raio X. Sobre a dor no pulso, nada disse. Tive mesmo de o alertar novamente para isso, tendo ele então escrito a despachar numa letra cursiva e encadeada: «aliviar tala gessada». Lá fui para o corredor, aguardando ser atendido pela enfermeira. Como a sala era em frente e eu estive à espera bem perto de meia hora, pude ver que o Técnico – seguramente uma referência para os gestores do Hospital de S. José mas só para esses – aviou ao mesmo ritmo mais uns quantos doentes. Velhos e novos, em ambulatório ou internados, pelo seu próprio pé, em cadeiras de rodas ou em maca.

O homem é mesmo uma máquina.
To be continued

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22 de julho de 2009

Crónica de costumes e hospitalar I

Há uns meses parti um braço num estúpido acidente doméstico. Estúpido, como estúpidos são todos os acidentes. Com dores que anteviam qualquer coisa de mais grave, fui à urgência do Hospital de S. José. Papéis, triagem e sou conduzido à ortopedia. Fui, então, atendido por uma parelha de médicos: um jovem com uma barba rala, um bocado escorrido, e ainda a adoptar a pose de médico, e um outro mais pesadão, de bigode grisalho, já no segundo terço da vida, sem nenhuma pose de médico. Na verdade, o jovem esquálido é que me atendeu, o pesadão grisalho apenas supervisionou e ajudou. Apesar do meu estado, deu para perceber o bom relacionamento entre os dois e sobretudo entre o pesadão grisalho e as enfermeiras, informal e próximo, com chistes e trocadilhos constantes. Simpatizei com ele. Sem dúvida uma boa companhia para os copos. Cá para mim, deve ser o tipo que no grupo conta as melhores anedotas, o dínamo da festa, aquele cujo riso e forma de estar modela a atitude do grupo.
Tenho a mania de ter sempre opinião sobre muita coisa que resulta apenas da necessidade de compreender e nada mais. Quando é de área que conheço, pode ser assertiva. Quando é de área que não conheço, é geralmente modalizada. No caso, como era o meu próprio diagnóstico e como não sou médico, foi obviamente modalizada. Expliquei o acidente e disse ao esquálido que aquilo me parecia ser distensão muscular, rotura de ligamentos ou coisa parecida e não fractura, tomando como exemplo a experiência de uma outra fractura antiga de um outro membro. Esta informação destinava-se a ajudar o esquálido a fazer o diagnóstico e não a alardear nenhuma opinião científica ou até empírica. O esquálido mandou-me fazer um raio X. Resultado: fractura. Ao comunicar-me a coisa, o esquálido não perdeu a oportunidade para fazer vincar a sua superioridade e disse-me com ar paternalista: «o senhor tem uma fractura y. Está a ver! Para alguma coisa nós estamos cá, estudámos e sabemos mais.» A que se seguiu a solução clínica para a coisa: imobilização com tala gessada.
Pensando no assunto, ainda fiz um flashback, tentando perceber o que levara o esquálido àquele remoque. Debalde. Não encontrei nenhuma boa razão. A não ser que ele esperava que eu apenas me queixasse de dores e deixasse o diagnóstico para ele. Mas aquele comentário era escusado, porque eu nunca pus em causa o douto saber do esquálido. O que disse foi que «me parecia». E como se viu até «me parecia mal». Isso deveria ser o bastante, para ele. É notável que mesmo numa relação assimétrica como são todas as relações médico/doente: eu estava doente e ele são, o esquálido tenha tido a necessidade de atirar a sua competência e o seu saber para cima de mim. Resta dizer ainda que não achei o esquálido mau médico e teve até vários aspectos positivos: explicou-me tudo com algum detalhe e foi globalmente simpático.
Entretanto, fiquei a saber, pelos jornais, que existe uma pós-graduação qualquer na área da saúde em que há a cadeira: Comportamento e relação Médico-Doente. Pelo sim, pelo não, eu mandaria o esquálido fazê-la...

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5 de julho de 2009

O gesto não é tudo

Na quinta-feira, ao chegar a casa, a con(sem)sorte informou-me: «o Pinho demitiu-se, porque fez umas orelhas de burro ou não sei quê no Parlamento»?! Ao ver as imagens, vi que aquilo eram cornos e não orelhas de burro. Mas não lhes percebi gravidade de maior. Achei que ele estivesse a chamar teimoso/casmurro a quem quer que se estivesse a dirigir. Algo do género: «está(s) a marrar para aí». Seria pouco delicado, mas nada de inusitado num Parlamento ainda com uma truculência argumentativa e tiques de linguagem de século XIX.
Nessa noite, com o ministro a ser entrevistado em directo por Ana Lourenço, na SIC Notícias, pensei que iria ficar esclarecido sobre a coreografia do gesto. Mas nem um sussurro sobre isso. Diz-se que terá chamado cornudo ao deputado visado, a suprema ofensa ao macho luso. E se assim foi subiu pelo menos um tom na escala já que o costume é usar o tradicional cabrão. E também subiu pelo menos um tom na escala com a coreografia do gesto, porque o normal é simular os cornos com uma mão, usando polegar e o mindinho, o que esteticamente é mais feio, porque os cornos ficam desiguais em grossura e comprimento... O gesto de Pinho é, por isso, esteticamente bastante mais feliz e de mais difícil execução: primeiro porque usa as duas mãos, o que faz com que os cornos fiquem iguais, simétricos e no sítio onde é suposto estarem – ao lado da testa – e depois porque ainda deixa perceber as orelhinhas do boi, simuladas pelos polegares... Um must...
Talvez ainda veja isto bem explicado num programa de várias horas juntando intérpretes de linguagem gestual, psicólogos, especialistas em comunicação...
P.S. - Esclareço que usei os termos cabrão, cornudo e cornos, apenas colocando itálico em cabrão por ser um palavrão; as restantes duas são boas palavras portuguesas usadas em diferentes contextos... É que estou um bocado cansado de ouvir toda a gente, mas é mesmo toda a gente que comenta o caso - inclusive os spin doctors mais ilustres da nossa praça - ou não nomear o gesto ou nunca falar em cornos, falando, porém, em corninhos, que por serem pequeninos certamente parecem melhores... Ao menos digam chifres, que era o que me diziam quando eu era pequeno, ou desenterrem o bom vernáculo e chamem-lhes chavelhos...

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