31 de dezembro de 2006

Frases da Pólis VI (a fechar 2006 e com dedicatória)

Para fechar 2006, deixamos aqui uns excertos do último livro de José Saramago, acerca do seu tio Carlos Melrinho, especialmente dedicados à «procuradora especial» Maria José Morgado:
«Quanto à coelheira, essa tem história. Visitava-a de tempos a tempos, sempre a altas horas da noite, o tio Carlos, nos intervalos de tempo em que não estava na cadeia da praça ou fugido em nenhures por suspeita de furto sobretudo de fio de cobre dos postes telefónicos, mercadoria em particular estimada e com a qual perdia positivamente a cabeça. [...] Não era mau homem, mas tinha dificuldade em distinguir o seu do alheio. [...] Em todo o caso, não falta por aí quem roube muito mais que fios telefónicos e coelhos, e mesmo assim consiga passar por pessoa honesta aos olhos do mundo. Naquelas épocas e naqueles lugares, o que parecia, era, e o que era, parecia.»
(As pequenas memórias, p. 134 e 135).
Um bom ano para todos

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26 de dezembro de 2006

The Day After

Ontem à noite revi o filme The Day After Tomorrow, uma super-produção americana, um filme da categoria dos filmes-catástrofe, que aborda as consequências das alterações climáticas no mundo. Revi, sobretudo pelos efeitos especiais e porque não me apetecia fazer mais nada. E também porque gosto de filmes concêntricos, que abordem as reacções humanas em circuito fechado e em situações limite, mas infelizmente naquele, essa característica, que poderia ter sido bem explorada, quase não existe. O filme tem poucas interrogações onde podia ter muitas e pouca densidade. Bom, mas isso interessa pouco para o que quero dizer.
A certa altura, alguns sobreviventes, refugiados na Biblioteca Pública de Nova Iorque, resolvem começar a queimar os livros para se manterem quentes (a temperatura havia baixado para mais de uma centena de graus negativos). Colocou-se, então, a questão sobre que livros queimar?! E veio à baila um livro de Nietzsche, havendo um curto diálogo sobre a importância daquele filósofo, até que um deles, no piso debaixo, diz qualquer coisa do tipo: «está aqui uma secção inteira dedicada à tributação fiscal». Portanto, foi aquela que foi queimada. Está certo! Uma nota de humor, bem à americana. Para aliviar a tensão ou «puxando-lhe o pé» para a caricatura, como por vezes acontece com as fitas americanas.
E eu não deixei de me interrogar, nesta época em que o economicismo domina, que livros é que cada um de nós preservaria em idênticas circunstâncias?! E sobretudo que livros Bill Gates, Warren Buffet ou outro dos multimilionários do mundo escolheriam?! Ou já agora, entre nós, Belmiro de Azevedo ou Américo Amorim?! Será que preservavam as obras dos gurus da economia?! Ou, nesse momento, escolheriam as grandes obras do pensamento ou da literatura universais?!
P.S. – Já agora registe-se que um dos sobreviventes, num arroubo de conhecimento um bocado mal amanhado para a personagem, resolveu preservar um exemplar da Bíblia de Gutenberg - descontando as polémicas - o primeiro livro impresso conhecido, havendo depois uma ou outra deixa nos diálogos sobre a importância da preservação da cultura ocidental através dos livros. Achei interessante mas ali metido a martelo. Assim que vi a cena, logo me pareceu que o exemplar da Bíblia de Gutenberg não era um original. A encadernação pareceu-me um pastiche recente (nem sequer acho que fosse um fac-símile, pelo menos de qualidade). O formato estava certo, mas a dimensão da lombada pareceu-me que não (porém, como há alguns exemplares em pergaminho, dei de barato este indício). Além disso, a Bíblia de Gutenberg tem dois volumes e só lá vi um. Umas pesquisas no que existe cá por casa e na net deram-me a quase-certeza. Na verdade, a New York Public Library (NYPL) possui um exemplar deste incunábulo, mas tem uma encadernação em marroquim azul, bem diferente, pois, da que o actor segurava. Terei que rever a fita novamente para confirmar ou infirmar estas minhas quase-certezas. Não vale a pena afirmar sem prova. A confirmarem-se, porém, creio que num filme com aqueles meios, e ainda por cima utilizando o próprio espaço daquela biblioteca, fica no mínimo mal…
Nota - E a imagem, fomos buscá-la aqui.

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23 de dezembro de 2006

Believe it or not?

Alguém concebe que um banco não tenha acesso à sua rede informática durante três dias?! Alguém concebe que uma empresa ou que uma organização cujo centro do negócio passa pela produção de conteúdos, pela produção de informação, não tenha acesso à sua rede informática durante três dias? Não, pois não?! Pois isso passou-se ontem e irá prolongar-se pela próxima semana num organismo de uma área sensível da Administração Pública da Pólis perto de si. Believe it or not?! Qual será a perda da produtividade deste serviço?! Apesar do período festivo, presumo que muita: são dezenas de pessoas envolvidas...
Se não me contassem, confesso, não acreditava.

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20 de dezembro de 2006

Inteligência ou esforço

Hoje estive com um velho amigo. Trabalhámos 8 ou 9 anos juntos. Apesar de nos separarem mais de trinta anos de diferença, fizemos uma amizade que perdura. É das pessoas mais íntegras que conheci. Inflexível e rígido em questões de princípio, mas de uma honestidade e rectidão de carácter como raramente encontrei. Fica a homenagem. Saúdo-o, meu caro! Ele nem lê blogues e sabe vagamente que tenho um. Penso mesmo que apenas terá uma vaga ideia do que isso é.
Hoje foi um almoço de Natal. Encontramo-nos geralmente para almoçar umas quantas vezes por ano. A dado passo, fala-me da neta mais nova, com orgulho: «Noto-lhe disciplina e esforço». Vaticinei-lhe logo um futuro radioso. E disse-lhe que ainda bem que me dizia isso e que era preferível isso a dizer-me, como vejo muito, «é inteligente».
Isto porque valorizo mais o esforço e o trabalho do que a inteligência. O sucesso – seja lá o que isso for – tem mais a ver com esforço e com trabalho do que com inteligência. O mundo está cheio de inteligentes falhados - seja lá também o que isso for - e igualmente cheio de medianos de sucesso.

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17 de dezembro de 2006

Quando for grande…

Quando for grande quero ser dentista… Na quinta-feira, fui a um desses profissionais. O profissional que habitualmente me «trata da boca». Aliás, trata-me «da boca» e da carteira. Acho que quando abro a boca já estou a pagar. Homem altamente profissional, consultório de design minimalista e asséptico. O homem é igual ao consultório: postura profissional e asséptica. Como não gosto de gente untuosa, não desgosto do homem. Por acaso devia era ter dito que o consultório é que era igual ao homem e não o contrário. Mas vamos ao que interessa. O homem limpou-me os dentes e fez uma pequeníssima – ele próprio o disse – restauração num dente. Noves fora, 120 «aérios». O recibo, porém, é mais eufemístico. Vejamos: «destartarização» (foi quando o homem usou uma espécie de broca), 30 «aérios»; «curetagem subgengival» (foi quando o homem usou uma espécie de lixa/escova), 20 «aérios»; «aplicação tópica de flúor» (foi quando o homem pôs para lá um produto), 10 «aérios»; «restauração compósito dente 36 O» (foi quando o homem pôs um bocado de massa onde faltava), 60 «aérios». Porém, o homem é um bom profissional, pôs-me uma massa da exacta cor do dente, nem se nota que está cariado, além do mais deu-me a saudosa notícia que num canino, que eu pensava ter cariado, o que tinha afinal era tártaro… Ainda lhe disse, tentando que o homem perdesse um bocado a postura asséptica, que esse me fazia muita falta para as minhas saídas depois de meia-noite… A assistente ainda se riu mas o homem não… Será que não percebeu a piada?!?! A dúvida subsiste! Eu mandava o homem fazer um estágio com os barbeiros-sangradores de antanho… É que sempre se humanizava… Mas, claro, não ganhava era tantos «aérios»
Nota - E a imagem, fomos buscá-la aqui. O retratado não é, portanto, o autor destas linhas.

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13 de dezembro de 2006

Reescrever a História: a responsabilidade colectiva

A História não se reescreve, herda-se… E ainda que não concordemos, ela é herança indivisa: herdamo-la como um colectivo. E herdamos o bom e o mau, o activo e o passivo. Herdamos as responsabilidades dos que nos antecederam. E Salazar foi um produto de Portugal. Não chegou ao poder sozinho e não permaneceu lá sozinho. Fomos nós, enquanto povo, que permitimos que ele lá se mantivesse durante quase quatro décadas… É essa também a nossa herança…
Lamento mas aqui não há o ele, ou o eles, com que nós gostamos de brindar todos menos nós próprios e assim alijarmos responsabilidades; aqui há só nós e nós somos parte deles… Saibamos, pois, dignamente assumir a nossa responsabilidade colectiva…
Nota - E a imagem, fomos buscá-la aqui.

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12 de dezembro de 2006

Reescrever a História…

Quando vivemos ou convivemos com quem viveu certos períodos históricos mais traumáticos, acabamos por viver ou herdar uma realidade eivada de percepções, de emoções, de sentimentos. E, como se sabe, os sentimentos toldam-nos o raciocínio e não nos permitem olhar para esses períodos com a frieza e a distância que só o tempo permite. A objectividade histórica não existe. Já o sabemos. E a objectividade do que se chama a história recente – desagrada-me o termo - ainda menos. Digo isto a propósito da polémica inclusão ou não do nome de Salazar na lista do programa sobre os Grandes Portugueses. E ainda a propósito de uma passagem de um dos postes das Krónikas Tugas acerca do nome da actual Ponte 25 de Abril, antes de Salazar. Na verdade, e se me irritam comentários do tipo: «isto precisava era de dois 'Salazares'» ou «no tempo do Salazar é que era» ou ainda «o Salazar andou a encher os cofres para ‘estes’ agora andarem a esbanjar», também me desagrada a obliteração daquela figura da nossa história recente, visível na supressão do seu nome, por exemplo, na Ponte, chamemos-lhe Sobre o Tejo, e mais ainda a sua substituição por 25 de Abril. Ao primeiro não estão também alheias certas vivências e convivências e mesmo um espírito moldado segundo certos valores e posturas e ao segundo não está alheia a minha formação posterior.
Lembro-me, ainda, de uma estátua pífia que existia num jardinzinho contíguo à residência oficial do primeiro-ministro: As mulheres portuguesas gratas a Salazar, aludindo naturalmente à muito celebrada neutralidade do país nesse conflito, que foi vandalizada. Creio que terá sido depois retirada e deve jazer arruinada num qualquer depósito da Câmara Municipal de Lisboa ou similar.
O que diríamos agora se fosse retirada, por exemplo, a estátua de Dom Sebastião, de Cutileiro, que existe no centro de Lagos, ou mesmo todas as estátuas reais e todos os símbolos da monarquia só porque vivemos em república?!?!?
É disso que se fala. A História não se reescreve, herda-se…
Nota - E a imagem, fomos buscá-la aqui.

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9 de dezembro de 2006

A «saia» da Carolina...

E por livro: ontem vi umas declarações televisivas de Carolina Salgado, ex-mulher de Pinto da Costa, a propósito de um livro que vai lançar. É verdade! Um livro sobre os anos que passou ao lado do presidente do FCP! Desgostante! Ver gente que partilhou a vida, que partilhou a intimidade, vir falar do que antes calou, é das coisas que mais repulsa me causa. O ser humano avilta-se e apouca-se, é por isto. Fala-se muito sobre o que se esperava de quem trabalhou em bares de alterne! Eu por acaso acho que não foi quando a dita trabalhou em bares de alterne que perdeu a dignidade... Foi agora...
E por livro: isto ainda me fez lembrar a Victoria Beckham que, após ter confessado nunca ter lido integralmente um livro, alimentava o desejo de escrever um...
E, por livro: assim, de facto, é bem capaz de ser verdade que se publiquem dez livros por hora, em Portugal...
E por livro: o dito é publicado pela Dom Quixote, que, por exemplo, publica António Lobo Antunes...
E por livro: isto fez-me lembrar a glosada frase de Lobo Antunes que, em tempos terá dito: Os leitores são umas putas, amam-nos e depois deixam-nos...
E por livro: pois, ó António, mas há pior, mas há pior...

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6 de dezembro de 2006

Vizela, Galba & as FA

Assisti ontem a grande parte do programa Prós e Contras sobre a situação actual das forças armadas. Infelizmente, o debate centrou-se em demasia sobre as reivindicações sindicais e a recente manifestação-passeio e menos sobre o paradigma das forças armadas. Presentes vários antigos chefes militares que, tirando uma bravata sem sentido do general Vizela Cardoso, que rematou uma declaração com uma frase de Tácito sobre o erro do imperador Galba em não ter pago o soldo aos militares – curiosamente a verdade histórica até acaba por contradizer o sentido que o general Vizela Cardoso lhe quis dar: é que Galba, ele mesmo general, se recusou a pagar a recompensa prometida à guarda pretoriana exactamente devido à crise das finanças públicas romanas - demonstraram genericamente, a meu ver, e lendo as declarações por debaixo das reivindicações corporativas, um apreciável sentido cívico. E não deixei de ligar isto ao doutoramento recente do general Ramalho Eanes que, num gesto de humildade cívica, se submeteu a provas públicas numa universidade. Não me parece haver grandes dúvidas de que, apesar de tudo, um e outro episódios, e descontando alguns epifenómenos, são sintomas de uma democracia adulta nesta nossa Pólis.

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2 de dezembro de 2006

No lo creo...

«[...] o que quer dizer que 'ninguém lê' quando se publica em Portugal uma média de 10 livros por hora?»
João Pedro Aido (editorial da revista Palavras, n.º 30, Outono de 2006)
Confesso que me aborrece ver afirmações destas sem indicação da fonte. Certamente que ela existe. Isto não foi, por certo, escrito, sem confirmação. Seja como for, eu duvido muito do número apresentado. A ser verdade, temos 240 livros por dia, 7300 livros por mês, 87 600 livros por ano... Só para terem uma ideia, esse número de livros «encheria» duas bibliotecas como a do Palácio/Convento de Mafra...
By the way, estive há dias no encontro Out of the Box, organizado pela EMC, e lá se disse, também sem indicação da fonte, que a informação no mundo duplica a cada oito meses que passam. Apesar de absurdo, este valor parece-me, apesar de tudo, bem mais plausível do que o número de livros publicados entre nós. Informação é tudo. E basta olharmos para a internet para percebermos que o seu crescimento é exponencial. Mas continuava a gostar de saber que estudo está por detrás dele. Um estudo americano, disse-se, atirando-se a nacionalidade como chancela de qualidade.
De qualquer modo e ainda que os números pequem por excesso, eles acabam por nos fazer perceber como realmente estamos em pleno na tão glosada Sociedade da Informação e do Conhecimento. Porém, nem sempre com o rigor necessário para se dizer onde se beberam os sound bites debitados...

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