Tal como acontece com aquilo que dizem ser o segredo de justiça, melhor seria que o chamassem de Polichinelo - ninguém sabe mas todos sabem - a vitória de Salazar no concurso Os Grandes Portugueses era uma certeza antecipada. Só não se sabia por que percentagem seria. Afinal foi com 41% dos votos. Retumbante e esmagador! Grande escândalo, dizia-se! Mas não foi! O país não parou, as instituições não entraram em colapso. Tirando um ou outro articulista e uma outra conversa de café, aliás sem chama, ninguém ligou meia a isso. Não consigo vislumbrar maior sinal de uma democracia adulta e enraizada! Para a maioria das pessoas, a questão nem sequer é para considerar, quanto mais para relativizar. Para mim, aquilo tratou-se apenas de um voto militante. É certo que foram umas dezenas de milhares de pessoas! Dei-me ao trabalho de fazer o cálculo: foram pouco mais de 65 mil, ou seja, um grande estádio de futebol cheio… Eis tudo! Mas quem se sentiria impelido a fazer uma chamada telefónica para votar em D. Afonso Henriques, no Infante D. Henrique, em D. João II, em Camões ou mesmo em Pessoa? Poucos. Ao passo que em Salazar? Certamente muitos, pelo menos aqueles 65 mil ou de 65 mil números de telefone, o que pode ser diferente... Seja como for, resta averiguar as razões desse tal voto militante. Tirando o facto de esses votos poderem ser, na sua grande maioria, de pessoas que apoiaram e sustentaram o anterior regime, que nele (ou em aspectos dele) ainda se revêem, que têm alguma simpatia por ele ou até mesmo que não se revêem no actual (ou em certos aspectos dele) e assim afirmam a sua oposição, votando em Salazar como protesto. Ou pelo ódio que Salazar concita quererem afirmar o seu amor. E é aqui que eu acho que pode caber um certo tipo de voto reactivo ao modo como as nossas elites (ainda não) lidam com essas figuras do nosso passado recente… É que exactamente no domingo, no dia da final do concurso, visitei a residência oficial do nosso PM… Estava aberta aos cidadãos da Pólis. E eu que vivi naquela zona mais de vinte anos e não conhecia aquele espaço por dentro, aproveitei aquele bodo democrático - resultado da comemoração dos 50 anos do Tratado de Roma - para dar azo a um certo voyeurismo democrático, uma espécie de Hola mas com alguns fumos de ilustração… (até lá estava o Freire Antunes e respectiva família!). E logo na sala de entrada deparei com uma galeria de fotos dos ex-PM, claro que apenas os da democracia. Ora, aquela casa, com as funções que actualmente tem, data de antes da democracia e a actual configuração do espaço idem. Confesso que se sentisse alguma simpatia pelo anterior regime e ali fosse de visita, não deixaria de me sentir algo agredido com esse deliberado apagamento… Ora, quer queiramos, quer não, temos de viver com o nosso passado… E tal como os herdeiros dos palácios de família não apeiam das paredes os bisavós de que não gostam, façamos nós também um pouco o mesmo, para ver se na próxima eleição de Os Grandes Portugueses lá possamos colocar o fundador da pátria, o infante que ousou ir mais além e dar novos mundos ao mundo ou o genial estratega político que tornou Portugal numa superpotência do tempo, para ver se finalmente saímos desta apagada e vil tristeza de ver Salazar eleito como o maior português de sempre, noves fora Camões e Pessoa…
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