Pobrezas
Há a pobreza material e há a pobreza de espírito. Por vezes, andam juntas.
Há uns meses, a pessoa que assegurava o expediente geral e algum secretariado do meu departamento reformou-se. Tinha 59 anos e o tempo de serviço requerido. Foi à vida e fez bem. Os tempos não correm de feição para quem trabalha na Administração Pública. Pouco depois, consegui, após férreas negociações internas, uma pessoa com pouco mais de 40 anos que já trabalhava na organização ao abrigo de um programa de colocação de desempregados promovido pelo Centro de Emprego. Na diferença de idades, vislumbrei eu uma maior competência no manejo com as novas tecnologias. Enganei-me rotundamente. A pessoa em questão tem o 12.º ano e havia frequentado o primeiro ano de um curso superior. Ao que sei, já havia desempenhado funções administrativas num negócio familiar. Ignoro se teve outras experiências. Sei que está a receber subsídio de desemprego há bastante tempo. Na organização, não irá ficar. E nos primeiros meses do próximo ano irá mesmo perder, por ter atingido o tempo limite de concessão daquele benefício, o subsídio de desemprego. Abaixo disso, só há – ao que sei – o rendimento social de reinserção. O ponto mais baixo da escala da pobreza, se assim lhe quisermos chamar. Entretanto, contraiu um empréstimo bancário para comprar a casa onde mora. O preço foi baixo porque ela já habitava a casa e antes dela a avó com quem sempre viveu. De onde, tem hoje mais responsabilidades do que tinha. Além de ter de sobreviver, terá de pagar a prestação do empréstimo ao banco que é superior à renda que pagava.
Todas as semanas, à quarta-feira, ela vai, por obrigatoriedade legal, ao Centro de Emprego creio que para procurar alguns dos empregos disponíveis. Vai lá uma hora ou duas e falta o dia todo. Um dia fiz-lhe menção disso. E ela disse-me logo que aquele era um direito que tinha, regulado não sei por que portaria. Perguntou-me se queria ver a portaria. Disse-lhe que não. Creio que não deverá ser bem assim, mas não curei de averiguar melhor. A atitude chega-me e sobeja-me. Quero lá saber do enquadramento normativo da coisa. Ela não percebeu nem uma atitude, nem outra. Além da manha patente em pequenos truques, de que aquele é apenas um exemplo, não pensa, não sabe priorizar tarefas, não tem ritmo de trabalho, executa mal, é lenta, não tem consciência do que sabe e do que não sabe, não conhece, nem se adapta à cultura da organização e do meu departamento em particular. Enfim, é uma administrativa má, nem sequer medíocre chega a ser. Acontece, porém, que, apesar de tudo, tenho pena dela. Aquela pena que se tem pelos pobres de espírito e porque me preocupa o day after. Ou seja, o dia em que ela deixar de receber subsídio de desemprego e vou-me procurando inteirar da evolução da situação. Tentei mesmo enquadrá-la e chamá-la um pouco à realidade. Procurei – agora já não procuro – dar-lhe a entender que em empregos como funcionária administrativa há mais oferta do que procura. Isto para não lhe dizer de chofre que ela nunca será uma administrativa capaz. Ela procura fugir à conversa e um dia senti mesmo que estava a ser intrusivo e inconveniente.
Acontece que há umas semanas, ela foi a uma entrevista profissional. Era para empregada de peixaria de um conhecido supermercado de Lisboa. O vencimento-base era de cerca de 700 euros. Trabalharia por turnos, sendo os da noite mais bem pagos, o que acrescia ao vencimento. Teria um seguro de saúde. Rejeitou porque acha – acha! – que não aguentaria o cheiro da peixaria.
Acontece ainda que há uns meses, outra oportunidade lhe havia surgido, agora para um lar de idosos. Rejeitou, segundo me disse, porque não conseguia lidar com o envelhecimento, depois da experiência traumática que teve com a avó.
Todas as semanas, à quarta-feira, ela vai, por obrigatoriedade legal, ao Centro de Emprego creio que para procurar alguns dos empregos disponíveis. Vai lá uma hora ou duas e falta o dia todo. Um dia fiz-lhe menção disso. E ela disse-me logo que aquele era um direito que tinha, regulado não sei por que portaria. Perguntou-me se queria ver a portaria. Disse-lhe que não. Creio que não deverá ser bem assim, mas não curei de averiguar melhor. A atitude chega-me e sobeja-me. Quero lá saber do enquadramento normativo da coisa. Ela não percebeu nem uma atitude, nem outra. Além da manha patente em pequenos truques, de que aquele é apenas um exemplo, não pensa, não sabe priorizar tarefas, não tem ritmo de trabalho, executa mal, é lenta, não tem consciência do que sabe e do que não sabe, não conhece, nem se adapta à cultura da organização e do meu departamento em particular. Enfim, é uma administrativa má, nem sequer medíocre chega a ser. Acontece, porém, que, apesar de tudo, tenho pena dela. Aquela pena que se tem pelos pobres de espírito e porque me preocupa o day after. Ou seja, o dia em que ela deixar de receber subsídio de desemprego e vou-me procurando inteirar da evolução da situação. Tentei mesmo enquadrá-la e chamá-la um pouco à realidade. Procurei – agora já não procuro – dar-lhe a entender que em empregos como funcionária administrativa há mais oferta do que procura. Isto para não lhe dizer de chofre que ela nunca será uma administrativa capaz. Ela procura fugir à conversa e um dia senti mesmo que estava a ser intrusivo e inconveniente.
Acontece que há umas semanas, ela foi a uma entrevista profissional. Era para empregada de peixaria de um conhecido supermercado de Lisboa. O vencimento-base era de cerca de 700 euros. Trabalharia por turnos, sendo os da noite mais bem pagos, o que acrescia ao vencimento. Teria um seguro de saúde. Rejeitou porque acha – acha! – que não aguentaria o cheiro da peixaria.
Acontece ainda que há uns meses, outra oportunidade lhe havia surgido, agora para um lar de idosos. Rejeitou, segundo me disse, porque não conseguia lidar com o envelhecimento, depois da experiência traumática que teve com a avó.
É também disto que se fala quando se fala de pobreza.
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