28 de outubro de 2007

Pobrezas

Há a pobreza material e há a pobreza de espírito. Por vezes, andam juntas.
Há uns meses, a pessoa que assegurava o expediente geral e algum secretariado do meu departamento reformou-se. Tinha 59 anos e o tempo de serviço requerido. Foi à vida e fez bem. Os tempos não correm de feição para quem trabalha na Administração Pública. Pouco depois, consegui, após férreas negociações internas, uma pessoa com pouco mais de 40 anos que já trabalhava na organização ao abrigo de um programa de colocação de desempregados promovido pelo Centro de Emprego. Na diferença de idades, vislumbrei eu uma maior competência no manejo com as novas tecnologias. Enganei-me rotundamente. A pessoa em questão tem o 12.º ano e havia frequentado o primeiro ano de um curso superior. Ao que sei, já havia desempenhado funções administrativas num negócio familiar. Ignoro se teve outras experiências. Sei que está a receber subsídio de desemprego há bastante tempo. Na organização, não irá ficar. E nos primeiros meses do próximo ano irá mesmo perder, por ter atingido o tempo limite de concessão daquele benefício, o subsídio de desemprego. Abaixo disso, só há – ao que sei – o rendimento social de reinserção. O ponto mais baixo da escala da pobreza, se assim lhe quisermos chamar. Entretanto, contraiu um empréstimo bancário para comprar a casa onde mora. O preço foi baixo porque ela já habitava a casa e antes dela a avó com quem sempre viveu. De onde, tem hoje mais responsabilidades do que tinha. Além de ter de sobreviver, terá de pagar a prestação do empréstimo ao banco que é superior à renda que pagava.
Todas as semanas, à quarta-feira, ela vai, por obrigatoriedade legal, ao Centro de Emprego creio que para procurar alguns dos empregos disponíveis. Vai lá uma hora ou duas e falta o dia todo. Um dia fiz-lhe menção disso. E ela disse-me logo que aquele era um direito que tinha, regulado não sei por que portaria. Perguntou-me se queria ver a portaria. Disse-lhe que não. Creio que não deverá ser bem assim, mas não curei de averiguar melhor. A atitude chega-me e sobeja-me. Quero lá saber do enquadramento normativo da coisa. Ela não percebeu nem uma atitude, nem outra. Além da manha patente em pequenos truques, de que aquele é apenas um exemplo, não pensa, não sabe priorizar tarefas, não tem ritmo de trabalho, executa mal, é lenta, não tem consciência do que sabe e do que não sabe, não conhece, nem se adapta à cultura da organização e do meu departamento em particular. Enfim, é uma administrativa má, nem sequer medíocre chega a ser. Acontece, porém, que, apesar de tudo, tenho pena dela. Aquela pena que se tem pelos pobres de espírito e porque me preocupa o day after. Ou seja, o dia em que ela deixar de receber subsídio de desemprego e vou-me procurando inteirar da evolução da situação. Tentei mesmo enquadrá-la e chamá-la um pouco à realidade. Procurei – agora já não procuro – dar-lhe a entender que em empregos como funcionária administrativa há mais oferta do que procura. Isto para não lhe dizer de chofre que ela nunca será uma administrativa capaz. Ela procura fugir à conversa e um dia senti mesmo que estava a ser intrusivo e inconveniente.
Acontece que há umas semanas, ela foi a uma entrevista profissional. Era para empregada de peixaria de um conhecido supermercado de Lisboa. O vencimento-base era de cerca de 700 euros. Trabalharia por turnos, sendo os da noite mais bem pagos, o que acrescia ao vencimento. Teria um seguro de saúde. Rejeitou porque acha – acha! – que não aguentaria o cheiro da peixaria.
Acontece ainda que há uns meses, outra oportunidade lhe havia surgido, agora para um lar de idosos. Rejeitou, segundo me disse, porque não conseguia lidar com o envelhecimento, depois da experiência traumática que teve com a avó.
É também disto que se fala quando se fala de pobreza.

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21 de outubro de 2007

A lei do rolha

Uso diariamente os transportes públicos. Um dia destes, excepcionalmente – o que acontece uma ou duas vezes por mês – precisei de levar o carro. Quando acciono o comando do portão da garagem, deparo-me com um carro estacionado, bloqueando a saída. Após um solo de alguns minutos de buzina, com o consequente estardalhaço na vizinhança, volto a casa e ligo para a PSP. Quem me atendeu, referiu ter tomado nota da ocorrência e que iria chamar o reboque. Perguntei, então, quanto tempo demoraria. Pergunta óbvia de quem sai de uma garagem às 9 e pouco da manhã. Que não sabia, diz-se do lado de lá. Perante o rolha, decido avançar com uma proposta pró-activa e pergunto se seria mais de meia hora. Do lado de lá, o rolha dá um passo em frente e arrisca também um «provavelmente, sim». Aquele «provavelmente, sim» soou-me como «obviamente, sim». Como da única vez que tive um acidente, no qual fui culpado, apesar de a situação que lhe deu origem ter sido meses depois corrigida pela Junta Autónoma de Estradas, a PSP demorou duas horas para «tomar conta da ocorrência», decidi, logo ali, que iria de transportes públicos. E digo ao rolha que é importante saber quanto demora o reboque para poder programar o meu dia. O rolha diz-me, então: «Se o denunciante – gosto da palavra – não estiver no local, o veículo não será rebocado, mas apenas autuado». Perante aquilo, sai-me um: «Como calcula, é-me indiferente que o veículo seja autuado ou rebocado, o que me interessa é que ele saia de onde está, em tempo útil». Impassível, mas apesar de tudo com fair-play, refere-me, a seguir, esta coisa espantosa. Coisa aliás muito comum a quem mexe com a lei - leia-se polícias, magistrados, juristas - «só lhe estou a dizer o que diz a lei». É espantosa a capacidade desta gente para se desculpar com a lei. A lei inibe-os de pensar. Dispensa-os dessa atitude. Não usam o bom-senso, apenas a lei. As costas largas da lei tudo acolhe e tudo desculpa. Aliás, ainda há umas semanas, num Prós e Contras, dedicado ao caso Esmeralda, se percebeu isso pela boca dos dois juízes presentes que asseguraram o contraditório: António Martins, o presidente deles, e uma tal Carla Oliveira, que não conhecia. Encheram a boca com a lei, dispensando o bom-senso. E a atitude de um e de outro - o primeiro mais polido pela tarimba dos media e a segunda sem polimento nenhum – causou-me mesmo alguma repulsa, mais até pela linguagem corporal do que pelas palavras. A primeira, aliás, não batia com as segundas. Era mais agressiva. Se tirasse o som do televisor, o que aqueles corpos diziam não conferia com as palavras. Lembro-me de ter sentido a minha cidadania menos protegida por aqueles dois e de pensar que não confiava em nenhum deles para julgar um caso em que estivesse envolvido. No percurso que depois fiz, fui pensando no rolha e achando que, no mínimo, ele, mesmo com a lei, devia ter usado a cabeça. E devia-me ter perguntado se eu iria esperar ou não. É que se eu esperasse, mandava o polícia e o reboque. E se eu não esperasse, mandava só o polícia, com isso poupando-se tempo e recursos. Se a lei diz o que ele diz que diz, bastava ir lá um polícia, quando pudesse - claro! -, autuar o carro, se por acaso - claro! - ele ainda lá estivesse. O caso ainda é que depois passei de autocarro por uma esquadra, que fica a 100 metros de minha casa, onde se viam vários polícias e até mesmo um carro estacionado com dois agentes lá dentro. Pelo menos para a multa, em dez minutos, teriam resolvido o caso. E pensei na estupidez da situação. E nem sequer falo da tal lei que não curei de averiguar. Curiosamente, é ao abrigo dela, ou de uma parente dela, que vejo todos os dias carros bloqueados nos passeios só por não pagarem o estacionamento. Não! Não é por bloquearem a saída a ninguém, é só por não pagarem o dinheiro que a EMEL, a Spark, a CML ou o que for se lembraram de extorquir…

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11 de outubro de 2007

Sob(re) suspeita

Já por aqui se disse (uma vez e outra) que não há jornais de referência em matéria de Língua Portuguesa. Mesmo os jornais que mantêm equipas de copidesques, de revisores ou o que for, não são jornais de referência. E são todos iguais no erro e no Português. Adoptaram um Português formatado, de estilo único, e nada os distingue. Não acho que o Expresso seja melhor escrito do que o Correio da Manhã ou do que o 24 Horas. Ou que os especializados sejam melhores do que os generalistas. Ou que os generalistas sejam melhores do que os desportivos. Ou que os semanários sejam melhores do que os diários e, se calhar, deveriam. Deste panorama, nem o JL – dito Jornal de Letras, Artes e Ideias - escapa. Nele o erro mais crasso é tão comum como nos outros. A Visão, que acabou por sustentar a teima, serve de cobaia mas não é nem pior, nem melhor que os demais. Assinalei-o aqui nas duas vezes citadas e pouco mais. Não carece. É uma evidência absoluta comprovada quase todas as semanas. Esta, porém, volto a assinalar o erro apenas porque a Visão aponta um erro crasso, caindo, na mesma página, ali mesmo ao lado, num bem pior… Veja para crer.

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