29 de abril de 2006

O Rendimento Máximo Garantido

Aqui há uns tempos, a propósito da sustentabilidade do Sistema de Segurança Social e das fraudes no anteriormente chamado Rendimento Mínimo Garantido, hoje designado Rendimento Social de Reinserção, ouvi a deputada Helena Roseta dizer qualquer coisa como: «Mais do que o chamado Rendimento Mínimo Garantido preocupa-me o Rendimento Máximo Garantido». E fiquei a pensar naquilo, tentando compreeder toda a amplitude da afirmação e interiorizar a ideia. Há uns dias, ao ver no Câmara Corporativa a lista das pensões de Maio passado superiores a €4000, pagas pela Caixa Geral de Aposentações, sobretudo o que se refere ao célebre Subsídio de Compensação, destinado à habitação e pago aos magistrados mesmo depois de estarem adstritos a um determinado tribunal e até mesmo depois de deixarem o serviço activo, voltei a lembrar-me daquilo. O mesmo aconteceu aquando da eleição do Presidente da República (PR), Cavaco Silva, que acumula, dentro da legalidade com o seu vencimento de PR, três reformas – uma da Universidade Nova de Lisboa, outra do Banco de Portugal e uma terceira por ter sido Primeiro-Ministro durante 10 anos. Todas perfazendo a bonita soma de 9356 euros mensais. E hoje, aquilo veio-me de novo à baila, a propósito do poste Honestidade e Honra do blogue Raio de Lua e da subtil diferença entre uma e outra. De associação em associação, e sem que tal signifique qualquer tipo de revivalismo, lembrei-me de uma frase de Marcello Caetano (MC) reproduzida, ao que creio por Franco Nogueira, na biografia de Salazar, ou talvez por Veríssimo Serrão na Correspondência com MC, quando, a propósito da doença da mulher e dos cuidados médicos continuados e dispendiosos de que a mesma precisava, e perguntado porque não recorria à ADSE, Marcello terá dito qualquer coisa do tipo - cito de memória - «a ADSE é para os que precisam».
Tudo isto para dizer que as reformas se destinam sobretudo a assegurar uma subsistência digna numa fase adiantada da vida em que a pessoa já não pode trabalhar. É esse o espírito. Trata-se de uma prestação social assumida pelo colectivo. Mais do que aumentar a idade de reforma e penalizar as futuras reformas resultado de longas carreiras contributivas, importa recuperar o espírito do que é e para que serve a «reforma» e impedir regimes de excepção e acumulações obscenas.

25 de abril de 2006

Quem é esse Álvaro Cunhal?

Ainda no Diário de Notícias de hoje: «Quem é esse Álvaro Cunhal?», terá perguntado Otelo Saraiva de Carvalho quando lhe disseram, nos dias seguintes ao 25 de Abril, que o líder histórico dos comunistas portugueses estava para chegar. O que é bem ilustrativo do grau de politização dos agentes da Revolução de Abril. Nesta frase singela explica-se muito. Por um lado, as causas da Revolução - a questão salarial, como causa próxima, e a guerra colonial, como causa remota - e as consequências, ou seja, muito do que se passou depois, já que a teorização dos seus agentes se fez, fazendo-se.

Iluminados no DN

Realmente há erros e erros. Por norma, sou bastante tolerante em relação aos erros ortográficos e mesmo em relação aos erros sintácticos que aparecem nos órgãos de comunicação social. Quem os não dá?! Se um texto estiver formalmente bem escrito mas tiver um erro ortográfico ou um erro sintáctico, o que importa isso! É a planta doente no meio de um jardim bem tratado. Não belisca ou belisca pouco o efeito geral. Ninguém escreve de forma gramaticalmente pura. E é fácil encontrar erros mesmo naqueles que os apontam aos outros. Sou, porém, menos tolerante em relação aos erros que denotam ignorância, pouco compatível com a função e a responsabilidade social que é escrever num jornal. Mesmo se estivermos a falar de secções menores, como a da programação da televisão, provavelmente entregues a estagiários recém-formados e mal pagos. Dir-se-á que erros por ignorância também acontecem. É verdade. Porém, num jornal não deveriam acontecer. Onde estão os copidesques e os revisores? Ou será que os textos não passam por duas mãos - prova e contraprova - confiando-se cegamente nos correctores automáticos? É que estes correctores, por muito aperfeiçoados que possam ser, têm severas limitações na análise do contexto presente na escrita. E isto porque, hoje de manhã, ao ler o Diário de Notícias, dou conta de que na apresentação do filme O Nome da Rosa (p. 46), que por acaso na mesma página se refere passar às 15H00, na Grelha do canal 1, e às 21H30, nos Destaques. Tirando isso: lapso comum. Diz-se, a dada altura, «no local vivem-se dias de grande agitação devido à estranha morte de um jovem iluminista». O que se queria dizer era «iluminador», ou seja, aquele que faz iluminuras, e não «iluminista», ou seja, adepto do iluminismo. Não sei que «iluminado» - permita-se-me o jogo de palavras já que estamos a falar das Luzes - escreveu isto, mas de facto é o tipo de erro que não deve passar em claro. Além do mais, o erro ainda acumula o facto de se tratar de um anacronismo, pois na Idade Média - o filme passa-se no séc. XIV - não existiam iluministas, cujo movimento, como se sabe, só surgiu no séc. XVIII. Iluminem-se, pois, os escribas do DN, pede-se...

A matéria

Todas as áreas têm palavras-chave. Algumas são entidades mais ou menos nebulosas e mais ou menos míticas. Todos sabem o que é e ninguém sabe o que é. No futebol fala-se no «sistema». No ensino – deverei dizer na educação – fala-se na «matéria». A matéria! Ontem, num dos jornais da noite da nossa televisão – ao que creio na SIC – falou-se nas consequências da «ponte» deste fim-de-semana no funcionamento de várias áreas. Uma das escolhidas foi as escolas. Em várias entrevistas a professores e alunos perguntou-se se tinham tido aulas e em caso negativo se tinha havido aulas de substituição. Numas e noutras, a repórter perguntou – e bem – se se tinha falado no 25 de Abril que hoje se comemora. A resposta foi sempre negativa. Uma das alunas referiu mesmo que: «Não, não! Só falámos mesmo na matéria». Resta dizer ainda que, quando perguntados sobre o significado do 25 de Abril, as ideias foram quase sempre difusas. Houve uma aluna que chegou mesmo a balbuciar o nome de Hitler... Percebe-se bem a que é que o «sistema» da «matéria» nos está a conduzir…

21 de abril de 2006

Um caso de polícia: para além do p&b

A tendência da maior parte dos postes é mesmo apontar o que está mal. O que está mal indigna-nos e leva-nos a uma reacção e dessa à escrita dista um passo. Porém, há, salutarmente, alguns em sentido contrário. Como este. Ontem vi na televisão – julgo que na SIC – e aplaudi interiormente o novo Inspector-Geral da Administração Interna, Clemente Lima. Confrontado com as imagens de um agente do Porto a brutalizar, sem qualquer necessidade, um cidadão que não oferecia qualquer resistência, não fugiu às perguntas, não se refugiou no politicamente correcto. Reconheceu o óbvio abuso de autoridade. Não houve as costumeiras frases: «as imagens parecem indicar que […] mas […]», «não me posso pronunciar porque não conheço os contornos concretos do caso» ou «vamos proceder a um inquérito e apurar responsabilidades». Nada disso. Reconheceu a evidência, como qualquer cidadão de bom senso o faria, e ainda disse que «havia mais homem para além do pecado», ou qualquer coisa do género. Firme mas sem diabolizar. Uma declaração certa no cravo e outra adequada na ferradura. Declarações ajustadas no conteúdo e na forma, fora do politicamente correcto, sem chegarem a ser politicamente incorrectas. É que ainda há quem ache que para além do preto, só há o branco. E não há. O arco-íris tem muitas cores e, mesmo que só entre o preto e o branco, há os cinzas e em vários graus. Aplaude-se.

18 de abril de 2006

Acerca do anonimato na blogosfera: to be… Eppur si muove…

Escrever sob anonimato nos blogues ou assumir a verdadeira identidade? Eis a questão! Eis a questão sobre a qual reflecti, tomando como exemplo o meu próprio umbigo. Isto a propósito de certas incoerências que me foram apontadas em comentários num poste do Aspirina B. Disse eu, e reafirmo-o, que há muita gente de dupla personalidade na blogosfera, que aproveita para dizer aqui, sob disfarce, o que, nos termos exactos em que o escreve, nem às paredes confessaria num dia-a-dia politicamente correcto, convencional, certinho e atilado. Estava a lembrar-me, concretamente, das caixas de comentários de um dos blogues que frequento. E, avançando uma tirada à Dr. Freud, disse ainda que haveria quem se aproveitasse deste meio para exprimir outros eus recalcados, em que a semelhança entre a personalidade real e a virtual seria apenas mera coincidência... Acrescentando, e aqui entra o meu umbigo, que eu, apesar de escrever sob pseudónimo, subscrevia tudo quanto disse sob a minha verdadeira identidade: «Não o faço, porque não carece, não vejo nisso maior vantagem e assim uso de maior liberdade adjectiva...»
Eppur si muove
…, disseram-me, embora na língua de Shakespeare. E, de facto, continuo a produzir escritos e comentários sob pseudónimo. Essa é que essa. E porquê? A razão é simples. Chama-se preconceito. Preconceito nobiliárquico – diria até – na forma de encarar o registo escrito e o registo oral. Sendo o registo escrito muito mais nobre, responsável e vinculativo e o registo oral muito mais plebeu, desresponsabilizante e volátil. À mesa do café, num registo oral, eu subscrevia tudo o que digo aqui, nos mesmos termos, mas num escrito em letra de forma fá-lo-ia? Na sua substância, sim, mas não já na sua forma. E isto porquê, porque fui (fomos) criados na civilização da escrita, com toda uma tradição de nobilitação do testemunho escrito. E se a escrita é nobre, a escrita em letra de forma então nem se fala. Ditos como: «Palavras leva-as o vento», «só estando escrito é que acredito» e «plantar uma árvore, fazer um filho e publicar um livro», toda a prática do processo penal que, em certas áreas, valoriza muito a prova documental, a própria prática científica que também o faz, etc., etc. Os exemplos poderiam somar-se. Tudo isto enforma a nossa personalidade e reflecte o que atrás se disse. E a escrita é perene. E, mesmo na blogosfera, permanece e vincula-nos. É essa – quanto a mim - a razão do meu anonimato e decerto do de muitos outros. Ainda bem, digo eu. Não se perdia nada, dirão outros. Ou, já agora, acabando, como o fazia a papelada do Estado Novo: «A bem da Nação…».
P.S. - E vou mesmo mais longe. Se até distingo entre o que escrevo nos postes e o que escrevo nos comentários. Nos segundos sou mais ligeiro e nos primeiros mais estruturado. E se os primeiros leio e releio, os segundos vão como saem, sem segunda leitura. É só ver as gralhas e os erros dos segundos, como os que ilustram os comentários que fiz no dito poste do Asp. B e que ostentam uma bela gralha (Shakespear em vez de Shakespeare) e um belíssimo erro de concordância (põe em vez vez de põem). Juro que não fiz de propósito :-)

12 de abril de 2006

Regularidades: o 200 que afinal é 196!

São as regularidades que orientam a vida na Pólis. Ainda que discordemos delas. Hoje deparámo-nos com uma quebra dessas regularidades que norteiam e conferem segurança à nossa vida na Pólis. Momentaneamente, instalou-se a confusão. E depois a perplexidade. Vamos falar novamente da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Agora já não da EMEL mas da CML itself. A instituição pública que - quanto a nós - pior funciona na Pólis. Leva a palma a todas as outras. Ineficácia absoluta. Dizemo-lo fundamentadamente, por motivos que não vêm agora ao caso. Hoje falamos apenas de uma cretinice. De manhã fomos à sede da Companhia de Seguros Victória. Rezava no estacionário da dita seguradora a seguinte morada: Avenida da Liberdade, n.º 200. Apenas e só uma das artérias principais de Lisboa. Expectavelmente, confiámos na regularidade da distribuição urbana dos prédios da Pólis: números pares de um lado, números ímpares do outro, sem hiatos. Engano! Fomos caminhando no sentido Restauradores-Marquês de Pombal. A numeração sucedia-se por ordem crescente, fazendo-nos aproximar do ponto de destino, o tal número 200. Ao 190, sucedeu-se o 192, a este o 194 e a este o 196. Porém, ao 196 sucedeu-se o 202! Onde estavam o 198 e o 200 da Avenida da Liberdade? Voltámos para baixo, desconfiando dos nossos olhos e do nosso tino. Nunca da regularidade expectável da vida da Pólis. E a coisa confirmou-se. Um cívico fardado, que por ali andava, elucidou-nos sobre qual era o prédio da Victória. Era o 196, por cima da porta, e o 200 numa placa de acrílico ao nível dos olhos! Segundo me disseram depois, a burocracia da CML não permite que se coloque o n.º 200 por cima da porta, apesar de ele não existir em nenhuma outra porta e de este ser a sede da Victória. Certo é que não existe nem 198, nem 200, na Avenidade da Liberdade, em Lisboa. Fora-de-série, realmente, mas fora da série que esperávamos da regularidade da vida da Pólis...

11 de abril de 2006

Ó EMEL, diz-me lá onde estão os acentos?

No sábado passado, após umas quantas braçadas matinais, estacionei o carro numa das artérias principais de Lisboa para ir tomar um café e ler o jornal. É um dos rituais de fim-de-semana. Passei talvez 1H30m, ou um pouco mais, num café com mesas, espécie cada vez mais rara. Para mim existem duas categorias de cafés: os cafés com mesa e os cafés com balcão. Naquele ainda há mesas e – pasme-se - cadeiras de madeira. O alumínio já entrou ali mas timidamente e apenas nos balcões. Além disso, a fauna local é escassa e civilizada, bem como os empregados, o que ajuda ao bem-estar e à tranquilidade que se pretende num sábado de manhã. À saída, porém, tinha este aviso no pára-brisas. Não vou discutir a regra cretina que obriga ao pagamento do estacionamento naquela zona ao sábado de manhã. Ali quase só há serviços, o comércio rareia e, ao sábado, o estacionamento abunda. Aliás deixo sempre o carro rigorosamente no mesmo sítio. É como se tivesse lugar marcado. De onde, não vislumbro qualquer boa razão para pagar o estacionamento. O estacionamento pago no interior da cidade fez-se para desincentivar a vinda de automóveis para Lisboa nos dias úteis e não para onerar os residentes na cidade ao sábado de manhã. Conviria até incentivar o povoamento daquela zonas, naqueles dias. Mas regra é regra, e regra universal é regra universal. Uma universalidade cretina, porém, há que disciplinar a coisa pública e, por isso, paga-se. Vantagem é já não ter de ir a nenhum guichet para pagar os €2,07, curiosa conta (gostava de saber a fórmula que está por detrás dela). Pode-se pagar por Multibanco. Simplex e higiénico. Até aqui, tudo bem, ainda que possa estar mal. O problema é o texto do talão/aviso. Não falamos da pontuação, com erros grosseiros, ou da sintaxe, aqui ou ali duvidosa. Ou sequer da clareza e do rigor da mensagem, de que é exemplo a ameaça final de bloqueamento/remoção da viatura?! Será que se não pagar me vão buscar a viatura à garagem? Ou será que, depois de findo o prazo, a rebocam onde quer que esteja, como se de um foragido com mandato de captura se tratasse? Adiante. Falamos sobretudo da quasi absoluta ausência de acentos nas palavras do texto do aviso. Curiosamente, estas excrescências da Língua aparecem nas maiúsculas, mas não nas minúsculas. Claro que, com boa vontade e sentido cívico, lá compreendi a mensagem da EMEL, presumo que seja a EMEL, pois no aviso aparece uma entidade chamada Spark, seguida da frase Ao serviço da EMEL. Certamente uma consequência do fenómeno de externalização - havia quem lhe chamasse outsourcing – mas agora esta é a palavra certa e da nova vaga… O meu criado, criados tem… Aliás, é curioso que quando se fala nas gorduras da máquina do Estado, nunca se fala nas gorduras das externalizações na máquina do Estado. É que afinal, eu não estou a pagar à CML, e, por consequência à cidade, eu estou a pagar à CML, à EMEL e à Spark, e sem acentos… Será que esta moda de suprimir os acentos já se integra no Simplex? É que, atendendo à profusão destes na Língua Portuguesa e ao afã da EMEL, Spark e afins em penalizar tudo o que se mova com quatro rodas, sempre são uns quantos tinteiros que se poupam…

8 de abril de 2006

Os «mammone», a «Geração dos 1000€» e o «emprego compatível»

A Visão desta semana (683, p. 69) refere que 80% da população italiana entre os 18 e os 30 anos ainda vive com os pais. Chamam-lhes Mammone. A palavra dispensa outras explicações. Uma engenheira química, com 28 anos, diz mesmo que se sente «como uma planta num vaso: bem tratada mas incapaz de crescer».
Em França, cujos acontecimentos motivados pela Lei do Contrato de Primeiro Emprego são conhecidos, fala-se na chamada Geração Mil Euros, ou seja, na geração de jovens com um curso superior que, depois de integrados no mercado de trabalho, não consegue ganhar mais de 1000€ e não tem grandes perspectivas.
Ambas as situações reflectem um posicionamento que tem raízes ancestrais e que se radica na ideia genericamente aceite de que alguém com curso superior é alguém muito qualificado. E de que alguém com um curso superior tem uma espécie de direito adquirido a ter um bom emprego e a ganhar muito dinheiro. Entre nós, o fenómeno chama-se «emprego compatível». Ora, nem uma coisa nem outra são verdadeiras, como se sabe...
Com a generalização da educação superior, o que está a acontecer é inevitável e reflecte apenas e só o mercado a funcionar… Independentemente de o Estado ter de exercer neste sector alguma regulação e prestar alguma informação sobre oportunidades e carreiras, o que tem de mudar é - a meu ver - sobretudo o posicionamento de quem tem o tal curso superior…

3 de abril de 2006

Match Point: onde está Woody?

Desengane-se quem vá ver Match Point e espere encontrar o universo habitual de Woody Allen. Nada de personagens torturadas pelas suas neuroses, nada de personalidades urbano-depressivas, nada de relações familiares complexas. Neste filme, as personagens são de uma enorme linearidade, de uma enorme previsibilidade. São terrivelmente normais, diria mesmo banais. É por isso um filme profundamente materialista, céptico e amoral. Não há qualquer lugar para a transcendência, para a análise existencialista sobre o sentido da vida, para o drama de existir. Aqui o que conta é ter sucesso, fruir a vida, ter filhos. E para isso vale tudo. O filme acaba também por ser uma espécie de filme-tese. Porque pretende provar que afinal tudo acontece por acaso, por pormenores fortuitos, pela sorte do momento, pela bola que bate na rede e assim permite fazer o derradeiro ponto e ganhar o jogo. E neste desafio a sorte protege sempre os mais ricos. Não havendo também aqui ponta de utopia. É um filme cru e nesta crueza reside o seu génio, sobretudo por oposição à grande parte do Allen anterior. A única ligação deste ao Allen clássico, como que uma assinatura à Hitchcock, aparece num diálogo em que, ao falar-se de um casamento de sucesso, se diz que isso se devia ao facto de ambos terem «neuroses compatíveis». Interessante conceito! Notável é também o modo como a música de ópera permite ligar todo o filme. E nela há também uma ruptura com o jazz que caracterizava o Allen anterior. E por falar em Hitchcock, o velho cineasta decerto não desdenharia assinar a parte final do filme, que antecede os assassinatos: a cena do «atirar da aliança» que se liga com a cena de abertura, o sonho do detective, o diálogo imaginário de Chris com as duas mortas... Match Point.

2 de abril de 2006

Resmas de siglas

As siglas invadiram o nosso quotidiano. Supostamente para facilitar a comunicação, mas creio que, atendendo à profusão, já começam a atrapalhar. E isso nota-se, quer na comunicação escrita formal, quer na comunicação escrita informal. Três exemplos ocorridos ontem comigo. Ao ler o Expresso, li de viés uma notícia onde, a dada altura, se referia: «os planos de ordenamento não permitem que ali se faça nada, mas pode vir um PIN ‘lá de cima’». Associei aquilo ao PIN do telemóvel e pensei que fosse uma metáfora para dizer que viria uma ordem que desbloqueasse a situação. Afinal, não. O PIN era a sigla de Projectos de Interesse Nacional, um programa do Governo. Mais tarde, liguei o MSN (lá está mais uma sigla), apanhei o Kroniketas on-line e atirei: «estive a comentar as mamas da PT». A PT era a actriz Patrícia Tavares e aludia ao poste A mania do silicone, sobre os seios (não gosto da palavra, é demasiado respeitosa e perde-se o cariz sexual), sobre as protuberâncias mamárias (ah, como o bom e velho Português se exprime eufemisticamente: estão lá as mamas mas bem disfarçadas e cobertas por muita roupa, pelo que também se perde o cariz sexual), sobre as mamas (fiquemo-nos então pelas mamas, à falta de melhor alternativa) da Patrícia Tavares. Responde-me de lá o Kroniketas: «As mamas da PT? Agora, além duma OPA, a PT também tem mamas?». Bem observado. Pouco depois, na ronda pelos blogues habituais, encontro no Bicho Carpinteiro o poste A importância de se chamar JMF, onde se fala nos equívocos gerados pela sigla JMF, de José Medeiros Ferreira… Para mim, acrescento, que me soa a José Maria da Fonseca, mas adiante…
Acautelemo-nos, pois, sob pena de já não nos entendermos…
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