30 de janeiro de 2007

MP3 or not MP3?

Sempre andei em transportes públicos. Então, desde que, há três anos, voltei a morar em Lisboa, e durante a semana, quase só uso mesmo transportes públicos. Carro na garagem e eis-me calmamente e sem stresse a ser conduzido pela cidade, geralmente entregue a leituras de ocasião e/ou a olhar o meu semelhante. Além do mais, os transportes públicos são um observatório privilegiado das reacções humanas. Neles se sente um pouco o pulsar da colectividade. Ainda por cima, podemos apenas observar sem interagir, como no cinema. Desde há mais de um ano, porém, viajo frequentemente acompanhado de um leitor de MP3, de onde ganho em abstracção mas perco muitas dessas lições de antropologia social.
Hoje esqueci-me do MP3, e, portanto, voltei de novo à condição de observador. E acertei na mouche. Apanhei o autocarro do costume. Na paragem de sempre, uma ambulância mal estacionada impedia o autocarro de fazer uma curva. Chega uma segunda ambulância e os socorristas do 112, focados e alheios a tudo, apressam-se a ir socorrer alguém num prédio próximo. Julgo ter vislumbrado um desfibrilhador e outro material de reanimação. Um coração fraco na manhã da cidade. Sabe-se lá que drama pessoal e familiar! Uma das socorristas volta à ambulância para buscar mais equipamento. O autocarro estacado. O motorista impávido. As pessoas na paragem desesperam. E ninguém na paragem se lembra do coração fraco, só sabem que têm de ir, que têm de chegar, até um dia o seu coração forte virar fraco e estarem outros na paragem. A socorrista volta uma segunda vez à ambulância. E um dos meus companheiros de paragem, um indivíduo ainda novo dá uns passos, troca umas palavras com a socorrista e ele próprio entra na ambulância e estaciona-a uns metros à frente. Perante a postura bovina do motorista, já me havia ocorrido fazer o mesmo. Mas faltou-me a iniciativa, o último passo, a diferença essencial entre o fazer e o não fazer. Também não tinha pressa! Desculpo-me, claro! Olhei o homem e elogiei-lhe interiormente a iniciativa. No meu íntimo mais profundo, pensei que gostaria de ter sido eu a fazer aquilo. Um tipo de fibra: pensei. No outro extremo, a lesma do motorista: espécie de autómato urbano. Só ali está para conduzir o carro, não para cumprir horários, não para ter iniciativa, menos ainda para tomar decisões. Nos passageiros que entram, vai um indivíduo curioso. Reparei logo nele. Era uma espécie de réplica viva do Charlot. Rosto comum, ar tímido, envergonhado, quase pedindo desculpa de ali estar, roupas incaracterísticas, mas o bigode peculiar. O bigode destoava do retrato que dele compus. Já lá dentro, observo que fala um italiano manhoso e – pelo que percebo - faz-se entender mal com o condutor, que já se viu não ser grande peça para quaisquer tipos de entendimentos. A dada altura, e sem que nada o fizesse supor, uma brasileira atira alto: «ou compra bilhete ou sai; senhor motorista siga com o autocarro que estamos com pressa». Segue-se uma troca de palavras inconsequentes, do mesmo teor. Argumento para cá e argumento para lá. E o nosso Charlot volta-se para ela e começa a imitar animais: primeiro cacareja, depois grasna, depois ladra, tudo alto e bom som... Tudo com uma exímia perfeição e graça. Era outro homem, diferente do que vira há uns minutos atrás... Não consegui deixar de sorrir... Mas havia uma peça que não encaixava... O Charlot e a brasileira ainda trocam impressões. Ele amanha-se mal com o Português, ela replica já sem jeito, admirada com respostas com que não é capaz de lidar. O que ressalta, porém, são os registos, completamente diferentes. Não era só a língua que os separava. Era tudo. E vim a saber depois que o homem era suíço, e palhaço… E encaixei a peça...
Amanhã volto ao MP3…

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26 de janeiro de 2007

Eu, tu e o árbitro…

Acabei de ler o texto do acordão do chamado processo Esmeralda que apesar de tendencioso e caricatural - tem partes de autêntico folhetim do Tide - é pelo menos perfeitamente elucidativo dos factos. Parece-me haver efectivamente boas razões de ambas as partes. Porém, seja qual for o ângulo de análise do problema, a conclusão óbvia é que as instituições da Pólis falharam… E falharam, mais do que pelas decisões tomadas, pela morosidade com que as tomaram e pela pouca capacidade de antecipação que revelaram... Parece-me que – e sublinho que isso até foi equacionado pelo tribunal -, a partir do momento em que o pai biológico manifesta a vontade de assumir a paternidade e requer a tutela da criança, ela deveria de imediato ser entregue à Segurança Social até decisão final do caso, podendo, com certeza, ser visitada por ambos os pais até ao trânsito em julgado... Isto porque um processo desta natureza, com os inevitáveis recursos, demoraria - como acabou por demorar - anos (no caso mais de dois) e com eles a criança criaria laços afectivos indeléveis apenas com uma das partes... Mas, como habitualmente, tudo funcionou de forma lenta, isolada e pouco sistémica e assim chegámos ao imbróglio que actualmente existe... Um verdadeiro nó górdio...
E agora, hoje, já não é possível - parece-me -, tendo a criança 5 anos de idade, retirá-la à família afectiva para a dar ao pai biológico. É bom assim que as três partes: pais afectivos, pai biológico e sistema judicial se comportem e resolvam rapidamente a embrulhada para que todos contribuíram, atento o tão
falado superior interesse da criança.
P.S. – Vi na passada segunda-feira as duas primeiras partes do Prós e Contras até tombar de sono e de náusea… Confesso que até onde vi me agoniou a postura da entrevistadora, a postura do juiz Madeira Pinto e meto no mesmo saco o advogado do pai biológico… E não foi tanto pelo conteúdo ou pelo que disseram, foi pela forma como o disseram… Ainda bem que não vi tudo; li o acordão e fiquei mais e melhor esclarecido… Por mim podem e devem continuar a publicá-los…

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17 de janeiro de 2007

O segredo de justiça e o PGR

Hoje ouvi na TSF o PGR afirmar, com a sua própria voz, que não havia nada a fazer para erradicar a violação do segredo de Justiça e que este seria sempre violado. E que não tinha nenhuma solução miraculosa para o problema. No final, ainda se deu ao desfrute de se rir um pouco e - fundamental neste contexto - enroupar as declarações num afago suave aos jornalistas: «coitados são aqueles que são sempre apanhados», ou qualquer coisa assim… Fica bem e rende-lhe créditos públicos junto dos fazedores de opinião: o anterior PGR não teria certamente esta capacidade estratégica de sedução… Logo em seguida, veio pressuroso o bastonário da Ordem dos Advogados concordar, mas esse, apesar de tudo, avançou com qualquer coisa de concreto: disse que só uma pequena parte dos processos-crime precisava de ser abrangido pelo segredo de justiça e não todos, como actualmente acontece. Confesso que fico chocado com estas declarações por parte de gente com esta responsabilidade, sobretudo com as declarações do PGR, pela total capitulação que representam perante o actual estado de coisas nessa matéria. Imaginemos que os bancos faziam o mesmo e que as nossas contas andavam a ser devassadas na praça pública?! Imaginemos que os hospitais faziam o mesmo e que a nossa ficha clínica andava a ser revelada aos quatro ventos?! Era o caos: nenhum banco ou hospital sobreviveria a isso... E também lá trabalham centenas de pessoas com acesso a esses dados… A diferença, porém, é só uma: é que na banca e na saúde podemos escolher e passar ao lado mas na justiça, que goza da sua sacrossanta independência e não é controlada por ninguém a não ser por si própria, temos de gramar com o que temos?! O problema não é do nome e da figura do PGR, o problema é de mentalidade e essa é bem mais difícil de mudar… E é também de organização e controle do próprio sistema judicial e em última análise da tradicional estruturação tripartida de poderes…
Nota - E a imagem, fomos buscá-la
aqui.

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A vida em logótipos - algumas deduções...

Mão amiga enviou-me esta imagem, realmente bem congeminada...
O título era A vida em logótipos...
Porém, a um segundo olhar, e sendo rigorosos, dever-se-ia dizer A vida masculina em logótipos...
Chama-se a atenção para o horário das 7H45 e para o horário das 00H30...
Pode ainda presumir-se que se trata vida masculina na meia-idade pela presença de um mesmo logótipo no horário das 21H45, 23H00 e 00H30, isto conjugado com a repetição de um logótipo no horário das 00H30...
Isto, é claro, porque com presença daquele logótipo naqueles três horários é difícil passar da meia-idade...
Nunca pela repetição do logótipo no horário das 00H30...

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14 de janeiro de 2007

À A...

A A. partiu hoje...
A notícia apareceu-me ao final da tarde, primeiro por sms e depois por telefone...
O cancro matou a A...
Era esperado mas foi injusto...
A A. era um ser humano de excepção. Amiga do seu amigo, disponível para o seu semelhante...
A A. estava sempre de sorriso nos lábios... Tinha um riso franco e aberto...
Fui-me lá despedir dela...
O mundo fica mais pobre sem a A...
Se eu tivesse de escolher, de entre as mais de 200 pessoas que trabalham naquele sítio, onde já trabalhei, a A. seria a última a partir...
Infelizmente já partiu...
Adeus A...
Será um gosto se ainda um dia, num sítio qualquer, puder encontrar a A...

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11 de janeiro de 2007

E aos costumes disse nada...

Ontem vi nas televisões da Pólis uma cena quase indecorosa. Assassina, mesmo. As televisões apanharam Paulo Macedo, o Director-Geral dos Impostos, à saída de uma missa de acção de graças na Sé, creio que paga por ele, mas mandada celebrar em nome de um organismo do Estado. Enfim, um fait-divers, uma quase não-notícia. Uma trivialidade que o mais inábil dos aprendizes de político esvaziaria numa frase. E o que fez Paulo Macedo: aos costumes disse nada... Aferrou uma cara-de-pau e nada disse, ignorando os repórteres e passando de cenho carregado...
Alguém tem de explicar a estes tecnocratas, de excelente qualidade, como é o caso, o que é ser detentor de um alto cargo público e os deveres que lhes estão inerentes... Também este deveria frequentar um curso intensivo de cidadania, já não se fala sequer de um curso de Alta Administração Pública (basta um de média ou mesmo de baixa)...
Nota - E a imagem, fomos buscá-la aqui.

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Pois, o Gato...

Acabei de ver a Grande Entrevista com Ricardo Araújo Pereira: já o tinha visto, já o tinha lido, já tinha elogiado o que tinha lido mas nunca o tinha ouvido... E percebi um pouco mais o sedimento onde assenta aquilo que o Gato faz... É claro que só em cima daquilo é possível fazer-se o que vamos vendo semana a semana... Pois...

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6 de janeiro de 2007

Sua Excelência, um Português

Num país em que o maior sonho de muitos é chegar à reforma o mais cedo possível, é notável ver o médico Gentil Martins, com 76 anos, ir a Maputo inteirar-se do estado de dois irmãos siameses que ele operou... A notícia passou hoje numa das televisões da Pólis e fez-me perceber a excelência de alguns de nós...

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5 de janeiro de 2007

Manifestantes perseverantes e a PGR

Tive esta semana de me deslocar à Rua da Escola Politécnica. E lá passei pelo edifício da Procuradoria-Geral da República desta nossa Pólis. À porta, o mesmo espectáculo de sempre. É que desde há já alguns anos, assentaram arraiais à porta do Palácio Palmela uma espécie de manifestantes perseverantes por uma causa qualquer que creio envolve pessoal da judicatura. Uns cartazes manuscritos sem qualquer legibilidade, protegidos por plásticos, contra as intempéries. Um banquinho e alguém que se reveza na guarda dos mesmos. Um cenário triste. Não me pronuncio sobre as razões dos manifestantes perseverantes, apesar de achar que há outras maneiras de protestar. Agora o que pasmo é com a dormência dos sucessivos procuradores-gerais e outros procuradores que todos os dias entram por aquela porta! Será que ninguém percebe a indignidade daquele espectáculo à frente de uma das sedes da Justiça da Pólis? Parece – sublinho, parece – que tratando-se da via pública, há legalmente muito pouco a fazer para desalojar os manifestantes perseverantes. Mas será que, então, ninguém tem a lucidez mínima para suscitar a mudança da lei? É um sinal pequeno, insignificante, mas sintomático do entorpecimento, da inércia, da modorra e da mais absoluta inoperância em que hoje está mergulhada a Justiça da Pólis...

Nota - E a imagem, fomos buscá-la aqui.

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O que se passará?

Tive – e neste momento volto a ter – uma necessidade ingente de pessoas com competências profissionais específicas. Olho para o lado e vejo algumas dezenas de pessoas e nessas encontro algumas – muito poucas - com capacidade para as desenvolver. Me se calhar nenhuma com ambição para tal. Já em tempos desafiei alguém que desempenha funções menores na organização mas a quem adivinho algum potencial para funções de nível superior. E nada. Rejeitou a oferta. Claro que não iria ganhar mais no imediato. Isso não está nas minhas mãos resolver. Mas poderia ser – seria certamente - um investimento com retorno a médio prazo. Aceitar o repto, poderia levar a uma reclassificação profissional na qual eu próprio me empenharia ao fim de algum tempo de boas provas e bem assim aos respectivos proventos. Não quis. E prefere arrastar-se fazendo pouco o dia todo e sobretudo tarefas indiferenciadas. Ainda hoje a vi, primeiro a fazer um trabalho mecânico e depois a folhear a Maria, e pensei nisso. Não sei mesmo o que se passa com algumas pessoas. Não sei o que pode arrancar certas pessoas da apagada e vil tristeza de um quotidiano medíocre. Não lhes vislumbro qualquer tipo de ambição pessoal ou mesmo de empenho profissional no que fazem. Quanto mais algum espírito de sacrifício ou de dádiva pela organização e pelo país. Cada um de nós tem a obrigação de fazer o melhor, não só por nós próprios, mas também pelo colectivo em que nos integramos. E é essa atitude que a escola também deve ensinar...

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3 de janeiro de 2007

Quando for grande… – Parte II

Entrei o ano novo com prejuízo. No dia 1 parti um dente. Culpa do dito que estava frágil, acumulada com culpa da minha consorte que em lugar de azevias com creme de amêndoa, fez azevias com creme de amêndoa... e cascas. Benditas azevias com creme de batata doce, já que a casca deste tubérculo é mole. Ainda por cima era um pré-molar que me orla o sorriso. Está-se, pois, a ver que o prejuízo foi duplo.
Apesar da passagem do tempo, o nosso dentista continua na mesma, com o seu ar asséptico, em que hoje notei uns vagos laivos de paternalismo: «vou-lhe fazer uma maldadezinha», disse-me a dado passo. E como os cães se costumam parecer com os donos. A empregada da recepção também me disse: «quer a sua continha, não é assim?» e no final ainda me lançou um: «aqui tem o seu recibozinho». Ora, não há como os diminutivos para dulcificar a conta. Ah, pois, a conta! Que desta vez aumentou de 60 para 65 aérios. Foram só mais cinco aérios, ou seja, mais quase 10%, pela restauração de um dente, no caso o 14 V, sejamos precisos (parece um modelo de avião mas não é).
Indo às velhas máximas do PREC, «os doentes que paguem a crise»
Mas sem dúvida nenhuma que quando for grande...

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