Cavernícolas
A blogosfera portuguesa é um mosaico da nossa sociedade. O povo que somos está lá escarrado. Quando comecei a frequentar o meio, choquei-me com algumas coisas. Uma delas foi com um certo cascanço caceteiro nos políticos: uma espécie de caça às bruxas do nosso tempo. Os que o fazem têm uma bitola para si próprios e para o resto da sociedade e outra para os políticos. Julgam-se superiores a eles, não percebendo que saem exactamente da mesma massa e do mesmo forno. Os políticos emanam do todo social que nós somos. Pensava que essa atitude era sobretudo apanágio de bêbados de taberna e de opiniosos motoristas de táxi. Mas não é e está bastante bem representada na blogosfera. Por baixo dessa camada, descobri ainda uma segunda camada que praticamente desconhecia e que – não tendo grande expressão – porém, existe. A de uma gente cavernícola que não só despreza os políticos, como despreza o regime democrático que eles representam e onde eles também vivem. Faz garbo nisso e até o ostenta. Essa gente anda ligada numa pequena comunidade orgânica de uns quantos blogues que se lincam e se comentam. E nela há literalmente de tudo e de todas as tendências. Há os que se assumem e há os que ainda não sairam do armário, nutrindo mais ou menos dissimuladas simpatias. Não sei se o regime – enquanto tal – exerce algum tipo de vigilância sobre essa gente. Talvez nem seja preciso. Parecem-me de um modo geral, e quando muito, uma espécie de Quixotes intelectualmente ofensivos mas na prática inofensivos. Ninguém os leva a sério. O que ressalta porém disto tudo é que a democracia é também o regime que permite a existência no seu interior de gente que se expressa contra ele. E esse é o sinal incontestável da sua superioridade moral. É talvez no plano prático a sua maior fraqueza, mas é certamente no plano teórico a sua maior força.
Etiquetas: Blogues, Democracia, Sociedade