19 de outubro de 2008

Cavernícolas

A blogosfera portuguesa é um mosaico da nossa sociedade. O povo que somos está lá escarrado. Quando comecei a frequentar o meio, choquei-me com algumas coisas. Uma delas foi com um certo cascanço caceteiro nos políticos: uma espécie de caça às bruxas do nosso tempo. Os que o fazem têm uma bitola para si próprios e para o resto da sociedade e outra para os políticos. Julgam-se superiores a eles, não percebendo que saem exactamente da mesma massa e do mesmo forno. Os políticos emanam do todo social que nós somos. Pensava que essa atitude era sobretudo apanágio de bêbados de taberna e de opiniosos motoristas de táxi. Mas não é e está bastante bem representada na blogosfera. Por baixo dessa camada, descobri ainda uma segunda camada que praticamente desconhecia e que – não tendo grande expressão – porém, existe. A de uma gente cavernícola que não só despreza os políticos, como despreza o regime democrático que eles representam e onde eles também vivem. Faz garbo nisso e até o ostenta. Essa gente anda ligada numa pequena comunidade orgânica de uns quantos blogues que se lincam e se comentam. E nela há literalmente de tudo e de todas as tendências. Há os que se assumem e há os que ainda não sairam do armário, nutrindo mais ou menos dissimuladas simpatias. Não sei se o regime – enquanto tal – exerce algum tipo de vigilância sobre essa gente. Talvez nem seja preciso. Parecem-me de um modo geral, e quando muito, uma espécie de Quixotes intelectualmente ofensivos mas na prática inofensivos. Ninguém os leva a sério. O que ressalta porém disto tudo é que a democracia é também o regime que permite a existência no seu interior de gente que se expressa contra ele. E esse é o sinal incontestável da sua superioridade moral. É talvez no plano prático a sua maior fraqueza, mas é certamente no plano teórico a sua maior força.

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13 de outubro de 2008

Pequenos-almoços grátis

O governo avalizou, até ao limite de 20 mil milhões de euros, os empréstimos bancários que os bancos portugueses vão fazer entre si e nos mercados internacionais. Fez bem. Mas eu, como cidadão, gostaria de saber, se os bancos vão pagar alguma comissão ao Estado. É que, como se sabe, as garantias bancárias pagam-se. Aliás, nos bancos, tudo se paga, até ao último cêntimo. E não há, como sempre repetem com um sorriso escarninho os liberais, neo-liberais e afins, almoços - nem sequer pequenos-almoços - grátis. Seria bom, por isso, que conhecêssemos os contornos desta «garantia», sobretudo se, como parece, ela foi absoluta e portanto sem contrapartidas, ou se vai haver alguma verba paga pelos bancos ao Estado e qual é o seu montante... É que... não deve haver almoços grátis...

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Frases da Pólis VIII

Já se sabe que a economia não tem ideologia. A única ideologia da economia é o lucro. No plano das ideias, ninguém espera dos agentes económicos a coerência e a consistência dos ideólogos. Mas mesmo assim, conviria pelo menos disfarçar um pouco e usar de algum decoro. Não se pode dizer hoje uma coisa e amanhã literalmente o seu contrário. Por estes dias, porém, ouve-se de tudo das gentes mais insuspeitas. Na passada segunda-feira, ouvi, no Prós e Contras, ao presidente da CIP, Francisco Zeller, esta frase espantosa:

«Não me importo que o Estado oriente o mercado, desde que não seja por muito tempo».
Hoje, ao mesmo programa, vão os presidentes dos principais bancos...

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4 de outubro de 2008

Uma espécie de licenciados 2 ou O subprime do ensino superior

Já por aqui falei de uma pessoa que em tempos trabalhou comigo e que se encontra a frequentar um curso de licenciatura numa universidade. A dita cuja pessoa tinha apenas o antigo 5.º ano do curso geral de comércio. Fez a prova especial de acesso e ingresso no ensino superior e zás, como que por encanto, está na faculdade! Como lhe deve ter sobrado a má consciência que faltou ao legislador que permitiu isto, sem qualquer controle ou regulação, inscreveu-se cumulativamente no 10.º ano. Contam as más-línguas que ela não conseguiu fazer o 10.º ano e desistiu! Mas fez o primeiro ano do tal curso! O meu espanto com a coisa é enorme e manifestei algum interesse antropológico, a quem me contou, em conhecer um trabalho que a dita pessoa fez para uma das cadeiras. Não sendo um trabalho com asa, é – pela minha avaliação – um trabalho sério e honesto. Dizem as más-línguas – e eu acredito – que não foi ela que o fez. Não foi, de certeza, porque ela seria incapaz de fazer aquilo tal qual está. Dizem ainda as más-línguas que foi o cônjuge da dita pessoa que o terá feito, já que trabalha na área do curso que ela frequenta. Em cursos onde as provas se circunscrevem a trabalhos, com uma ténue ou se calhar sem nenhuma defesa pública dos mesmos, podemos vir a ter um analfabeto licenciado. Com a autonomia universitária, com o crescimento exponencial dos cursos e dos professores universitários, com a falta de dinheiro das universidades e com a necessidade de alunos criou-se o caldo que permitiu isto... Há professores que não podem ficar desempregados, cursos que não podem ficar vazios. Não há dinheiro para pagar os salários desse professores, não há alunos interessados provenientes do ensino regular. Não há problema, inventam-se alunos, sem percurso nenhum, o que interessa é que paguem. Estamos, pois, a criar uma espécie de subprime no ensino superior, cujas verdadeiras consequências só daqui a alguns anos vamos conhecer...

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