27 de novembro de 2005

FRASES DA PÓLIS III - O domínio dos tecnocratas

«A Idade Média foi dominada pelos teólogos, a Renascença pelos humanistas; nós vivemos dominados por tecnocratas e administradores. Mas se nos guiarmos apenas por estes e pelo seu sentido de eficiência e proveito imediatos, seremos conduzidos a um mundo mais propício à guerra do que à paz»
George Sarton, cit. por Jaime Celestino da Costa, in JL (n.º 917, 23-11 a 06-12-2005)

FRASES DA PÓLIS II - O sofrimento do quotidiano

«Apenas partilhamos as alegrias, não sabemos partilhar o sofrimento. Isso conduz a pessoas mais sós»
Manuela Fleming
JL (n.º 917, 23-11 a 06-12-2005)

26 de novembro de 2005

Flecte, flecte, insiste, insiste, «bué»

Não há mesmo como flectir e insistir muito – ia a dizer «bué», mas arrependi-me?! - em assuntos de Língua Portuguesa, ou Língua Materna, também se diz. E vai daí, para matizar o dito «bué» e os provérbios pseudo-cultos do «post» anterior, e porque a Língua Portuguesa é mesmo «o que está a dar» ultimamente na blogosfera tuga, aqui fica mais um texto de um mail - lá vem estrangeirismo (mas este validado pelas Krónikas, uff) - que me foi enviado ontem por uma prima amiga, intitulado Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa. Foi assim que me foi apresentado e eu assim o reproduzo:

«Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido, feminino, singular. Era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, ilábica, um pouco à tona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir.E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro. Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos.
Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento. Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante.
Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo. Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo. Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente.
Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros. Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.
Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular. Ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisto a porta abriu-se repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.Que loucura, meu Deus.
Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que, as condições eram estas. Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história.
Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.»

P.S. - Qualquer semelhança entre esta história e pessoas ou acontecimentos reais é mera coincidência. Não, não sou o «substantivo», mas também não sou o «verbo auxiliar do edifício», safa...

25 de novembro de 2005

Contrabalançando o «bué» e o «buereré»

Ora bem. Há que contrabalançar o uso do «bué» e do «buereré», dos últimos «post». Apaziguar os blogues congéneres, intrépidos defensores da Língua Portuguesa. Dar um ar de erudição «bacoca» (outra palavra interessante esta, cuja origem – consagrada nos dicionários - me parece bastante duvidosa, mas adiante). Nada melhor, pois, do que divulgar esta lista de provérbios. Foi-me enviada por mail, com o título: 11 Provérbios para gente culta. Reproduzo-a tal como me chegou e sem mais comentários:

1 – Expõe-me com quem deambulas e a tua idiossincrasia augurarei
Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és

2 - Espécime avícola na cavidade metacárpica supera os congéneres revolteando em duplicado
Mais vale um pássaro na mão que dois a voar

3 - Ausência de percepção ocular, insensibiliza órgão cardial
Olhos que não vêem, coração que não sente

4 - Equídeo objecto de dádiva, não é passível de observação odontológica.
A cavalo dado não se olha o dente

5 - O globo ocular do proprietário torna obesos os bovinos
O olho do amo engorda o gado

6 - Idêntico ascendente, idêntico descendente
Tal pai, tal filho

7 - Descendente de espécime piscícola sabe locomover-se em líquido inorgânico
Filho de peixe sabe nadar

8 - Pequena leguminosa seca após pequena leguminosa seca atesta a capacidade de ingestão de espécie avícola.
Grão a grão enche a galinha o papo

9 - Tem o monarca no baixo ventre
Tem o rei na barriga

10 - Quem movimenta os músculos supra faciais mais longe do primeiro, movimenta-os substancialmente em condições excepcionais
Quem ri por último ri melhor

11 - Quem aguarda longamente, atinge o estado de exaustão

Quem espera desespera

Imagem - Iluminura da Bíblia de Cervera (Site da Biblioteca Nacional)

23 de novembro de 2005

Vinhos da Estremadura num domingo de chuva

No passado domingo, antes do almoço, «passei» no Centro Comercial das Amoreiras para umas compras localizadas e rápidas que em domingos de chuva sítios como aquele tornam-se ainda mais insuportáveis. Parece que para aí conflui todo o povo da Pólis. À saída do Pão de Açúcar, e já prestes a «libertar-me» daquele espaço, passo ao lado de duas bancas de prova de vinhos da Estremadura. Numa delas, uma «menina recém saída da adolescência» aborda-me: «Posso oferecer-lhe um vinho». Aceito. Após debitar uma «frase-cassete». Qualquer coisa do tipo: «Estamos a promover uma prova de vinhos da Estremadura». Dá-me a escolher entre um tinto ou um branco. Escolho tinto. No rótulo lia-se «Areias», admito que precedido de qualquer outra coisa. Pergunto-lhe quais as castas do vinho. Não sabe. Nem sequer «pergunta» ao rótulo que, em princípio, lhe responderia à minha pergunta. Pego na garrafa e lá vejo, Tinta Roriz. Pergunto-lhe o preço. Não sabe. «É que aqui não vendemos», diz-me. «Mas devia saber o preço», penso eu. Mas não digo. Pergunto-lhe a região, já que a Estremadura é grande. Não sabe. Mas aí, faz como eu e vai «perguntar» ao rótulo que diz: Quinta da Labrugeira. Já é um começo de aprendizagem, nem que seja por mimetismo. Pergunto-lhe onde fica a tal Quinta, já que Labrugeira não me diz nada. Não sabe. Já não pergunto mais nada. O vinho é bebível, algo adstringente mas com um final agradável, a madeira, resultado do envelhecimento em bom casco. Logo a seguir meto-me no carro. «Apanho a boleia» da TSF onde António Soares Franco, presidente da José Maria da Fonseca, conversa com António Peres Metello, e fala na importância da «comercialização» e no facto de haver demasiados amadores no sector do vinho em Portugal… E refere mesmo, cito de memória: «Mesmo que tenha o melhor vinho do mundo, sem a adequada promoção, não tenho êxito». Lembro-me de imediato da «menina recém saída da adolescência» e concordo…

19 de novembro de 2005

O «bué» e outras considerações…

Ora bem, este «post» começou por ser uma resposta ao comentário das Krónikas Tugas no «post» anterior. Mas foi-se compondo e acabei por elevá-la à dignidade de «post», por ter – a meu ver - matéria que o justifica. Quanto ao «cavalheiro» e ao «bacalhau com batatas», presumo que a dúvida das Krónikas se prenda com a origem das palavras e não com a sua escolha, por mim. Ela foi aleatória e ao «correr» das lembranças. Podia ter pegado no «chocolate» e no «cacau», de que as Krónikas são apreciadoras, ou noutras quaisquer palavras. Saíram aquelas. Se assim for:

«Cavalheiro» vem do castelhano «caballero» (JPM-Etimol., II, 103);
«Bacalhau» é de origem obscura mas virá talvez (de acordo com Piel) do
neerlandês;
«Batata» vem do idioma taino, da ilha de S. Domingos (JPMachado-Etimol., I, 402).

Quanto ao «bué», e já agora ao seu superlativo «buereré», logo calculei que estas palavras fossem aberrações para as Krónicas Tugas. Apesar de tudo, aberrações consagradas pelos dicionaristas (v. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, vulgo da Academia, I, 592). O «bué» inclui-se num lote de palavras que resultam das influências dos diferentes dialectos «crioulos» em Portugal. E isso devido à forte presença entre nós de comunidades dos antigos países de expressão oficial portuguesa.
O que eu acho é que também na Língua deve imperar a tolerância. A «contaminação» linguística – aplico a palavra sem qualquer sentido pejorativo – é inevitável e até desejável. A integração de vocábulos só cria pontes entre as culturas. Não as afasta. Além disso há «registos» para tudo. Não me choca o «bué» num registo oral, informal, e mesmo em alguns contextos escritos.
A Língua é um importante factor de identidade e de aproximação dos povos. Atitudes intolerantes, também nesta matéria, só podem gerar situações como as que recentemente se viveram em França (talvez não seja por acaso que tal tenha ocorrido em França e não noutro país: lembremo-nos da proibição do «véu» por decreto). Dir-se-á que a questão do «bué» é uma situação pequena. Parece-me, porém, que se virmos para lá da «espuma das ondas», ela não é tão pequena como isso…

18 de novembro de 2005

A «história» da «estória» que é bué fixe…

As Krónikas Tugas abordaram a questão da diferença entre «estória» e «história», abonando-se para tal numa resposta do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Conhecendo nós previamente a opinião das Krónicas, achámos que o Kroniketas escolheu logo, de entre as respostas disponíveis, a mais fundamentalista de todas. O Ciberdúvidas, como projecto cooperativo que é, portanto a várias mãos, tem excelentes respostas e más respostas. Eu desta não gosto, não tanto pelo conteúdo, que é correcto, mas sobretudo pelos termos da mesma. Confesso que não gosto do uso de expressões tais como: «palermice», «disparate», «ridículo» e outras, sobretudo em questões de Língua que, como todos sabemos, não é uma ciência exacta. Todos dizemos e escrevemos «palermices», «disparates» e coisas «ridículas». É claro que eu também podia adjectivar de «palermas» alguns excertos do texto do autor da resposta, citado pelas Krónikas, reputando de «palermice», por exemplo, o uso da vírgula na frase: «É a mesma palavra com dupla grafia, e derivada do latim «historia(m)», etc., etc. Mas não o vou fazer. Aliás nunca o faço, ademais nestas «coisas» da Língua.
Nesta questão em concreto, também me parece que a palavra «estória» tem origem no Brasil, já que não vem referenciada em nenhum dos grandes dicionários portugueses, designadamente, José Pedro Machado, Morais, Cândido Figueiredo, Porto Editora e mesmo no recente dicionário da Academia. Aparecendo só no ainda mais recente, porém de matriz eminentemente brasileira, Houaiss, referida como «termo antigo, o mesmo que história. Trata-se de um termo de origem medieval que significa narrativa de cunho popular e tradicional; história» (Lisboa: Círculo de Leitores, 2003, t. 3, p. 1634). Deixando de fora os dicionários, aparece «economicamente» referida na Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira como «grafia antiga de história» (v. 10, p. 493) e também na Enciclopédia de
O Público com a seguinte definição «arcaísmo que se procura revitalizar para, em contraste com história (baseada em documentos), significar narrativa de ficção» (2004, t. 8, 3412).
Confesso, porém, que não me parece mal a sua utilização. Eu uso-a, com parcimónia, mas uso-a e acho que ela me enriquece enquanto escrevente da Língua Portuguesa. Também não acho que as importações que fazemos das outras línguas e sobretudo do Português do Brasil – se é que nesse caso se pode falar de importação – sejam sempre más. Não gosto do «arianismo» linguístico, que aliás nem sequer existe, pois o que é afinal a nossa Língua e todas as línguas senão evoluções umas das outras. Para além da matriz latina, que aliás tem desde logo na sua base elementos celtas e elementos autóctones provenientes dos idiomas pré-existentes no território português, e das influências gregas e árabes, está ou não o Português pejado de anglicismos, de galicismos, mas também de castelhanismos, de germanismos, de italianismos, etc., etc.? É claro que está. E ainda bem que está, porque a língua é um organismo vivo, em constante mutação, permanentemente a aculturar e a ser aculturada, a incorporar e a eliminar léxico. Ainda bem, porque é essa diversidade que faz a nossa riqueza. O Pólis sabe que o Kroniketas é um «cavalheiro» e que certamente aprecia um bom «bacalhau» com «batatas» - já não vamos para o cabrito ou para o borrego - num bom «restaurante», pagando a seguir com um cartão de um qualquer «banco». Ora, contrariamente ao pagamento da tal refeição, para escrever esta frase, o Português pediu «emprestados» termos ao castelhano, ao francês e previsivelmente ao neerlandês, ao taino e ao italiano. Levando a «coisa» ao extremo, ainda bem que posso dizer sem aspas e com toda a propriedade que a Língua Portuguesa é bué ou até mesmo buereré fixe…
Imagem - Camões, de Júlio Pomar

13 de novembro de 2005

CURTAS DA PÓLIS – «Gaffes» de Soares & Cavaco também se engana

Há algumas semanas foram muito faladas na comunicação social duas «gaffes» de Soares: uma confundindo o seu mandatário com o porta-voz e outra – esta mais do que «gaffe» denota é falta de informação – contendo imprecisões sobre o actual estado da questão da IVG. E desde logo associadas, mais ou menos explicitamente, à sua «respeitável» idade (81 anos). Ora, só por «gaffe» se poderá desconhecer que as «gaffes» sempre existiram em Soares…

O «homem» é «humano», engana-se e tem dúvidas…

Há algum tempo também foi menos falada na comunicação social a «gaffe» de Cavaco Silva quando chamou «Assembleia Nacional» à «Assembleia da República» e na sexta-feira, num dos telejornais, referindo-se às próximas «eleições presidenciais», chamou-lhes «eleições autárquicas» e foi até ao final do discurso aparentemente sem se dar conta do lapso…

Curiosamente não vi estas serem associadas à sua também já «respeitável» idade (66 anos).

De todo o modo, ficámos pelo menos a saber que o «homem» afinal é «humano» e engana-se…

Ainda não sabemos é se tem dúvidas…

Imagem . Logótipo do blogue Super Mário

11 de novembro de 2005

Segredo de Justiça & Outsourcing - Ligações Perigosas

O Pólis&etc. trabalhou, entre outros, em dois organismos públicos de certa envergadura, nos quais, por razões diversas, eram necessárias medidas especiais de segurança, num deles tinha a ver com a existência de bens móveis valiosos, noutro tinha a ver com a confidencialidade da documentação existente. Em ambos, o Pólis&etc. assistiu à implementação de medidas de segurança, as mais diversificadas e por vezes mesmo sofisticadas, quer do ponto de vista tecnológico, quer dos procedimentos de acesso a certas áreas. Em paralelo, Pólis&etc. foi assistindo também à privatização de algumas funções, as chamadas tarefas de menor valor acrescentado, designadamente de vigilância e de limpeza. O Pólis&etc. não viu também quaisquer melhorias sensíveis nestes domínios, muito pelo contrário. Mas isso é outra conversa, politicamente incorrecta numa época em que «tudo o que é privado é bom?». E quer num, quer noutro organismo, o Pólis&etc. constatou – por vezes, muitas vezes, nos últimos anos a bem dizer quase todos os dias o Pólis&etc. trabalhou(a) muito para além da hora, sempre a «bem da Nação» e da sua própria auto-estima – que a partir das 18H30, os edifícios «são» do pessoal de vigilância e de limpeza que tem acesso franco a todo o lado. Acresce ainda que estas empresas se multiplicam como «cogumelos» e os contratos variam anualmente. Frequentemente as instituições abrem assim as suas portas a uma «horda» de gente que minimamente não controlam. É claro que a violação do «segredo de justiça», de que tanto se tem falado ultimamente, não virá certamente do pessoal destas empresas, mas o Pólis&etc. não pode deixar de fazer esta reflexão e constatar o extremo cuidado e zelo com que em certos serviços são recrutados os funcionários em contraste com o total desmazelo com que são adjudicados os contratos de vigilância e limpeza a estas empresas que a partir de determinada hora põem e dispõem a seu bel-prazer…
Fotografia - Google Earth

8 de novembro de 2005

A medida das diferenças entre Portugal e Espanha…

Ontem morreram, num acidente de construção civil perto de Granada, em Espanha, 6 trabalhadores, 1 espanhol e 5 portugueses, que construíam a chamada auto-estrada do Mediterrâneo, entre Málaga e Almeria.
Perante esta notícia – infelizmente trágica – não pudemos deixar de pensar que, para além dos indicadores económicos, existem muitas outras formas de percepcionar as diferenças de desenvolvimento entre os países… E uma delas é a nacionalidade dos mortos na construção civil… É que se fosse em Portugal, dos 6 mortos, 1 seria português e 5 guineenses, cabo-verdianos ou ucranianos…
Como se vê, também por aqui se mede o desenvolvimento económico e social da Pólis…
Foto - Correio da Manhã, on-line

Mais Vinhos do que Sabores…

Aceitando o convite das Krónikas Tugas, o Pólis&etc. foi no passado sábado ao Encontro com o Vinho & Sabores, que decorreu no Centro de Congressos de Lisboa (antiga FIL). E realmente lá «encontrámos» muitos vinhos e alguns sabores, pressupondo nestes últimos apenas os «sólidos». Aqui o Pólis é só apreciador de vinhos, mas não passa disso, ao passo que os criadores daquele blogue, Kroniketas e Tuguinho, são conhecedores e enófilos amadores, um e outro – tanto quanto sabemos – com adegas bem abastecidas e variadas. O Pólis aprecia, consome e compra mas sempre pela gama baixa, média-baixa e média de vinhos e recusa-se a entrar em «fantasias» de vinhos, tintos ou brancos, acima dos 10 «aérios» – a moeda da Pólis, para quem não saiba – mas tal como as bruxas «lá que os há, há» e valha a verdade as diferenças também se notam. Embora nem sempre na proporção directa do preço que custam. Ficámos, porém, com vontade de entrar em algumas «fantasias» futuras. E da ronda de sábado ficaram-nos no palato, acima de todos os outros, o Quinta da Leda, da Sogrape, com diferença assinalável em relação ao Callabriga – já de si excelente e também da Sogrape. É claro que um Redoma, da Niepoort, um Quinta do Boição, e um Quatro Castas, este da Herdade do Esporão, também ficaram muito bem cotados… Como aliás vários outros. Mas, como também se comentava, o difícil era encontrar ali algo de qualidade inferior mesmo nos «correntes», de gama baixa… Com pena, o Pólis não provou tanto Portos como desejaria – fica para o ano – mas um Vintage Fonseca de 2003 foi um bom remate para o encontro… O Pólis agradece o convite, na certeza de que o Kroniketas e o Tuguinho se revelaram excelentes cicerones na Babel vínica de sábado… Que se fosse sozinho, e para além dos vinhos do Porto, o Pólis não saberia muito bem o que provar e o que beber…
A acompanhar a qualidade etílica e a qualidade da companhia, a organização do encontro também foi profissional, sob todos os aspectos, onde se inclui o «visual» dos stands – os restantes convivas sabem do que falo...
Se todos os sectores da agricultura portuguesa fossem tão dinâmicos como o do vinho, certamente que aquela não estaria tão mal… Assinale-se, pois, o grande desenvolvimento que teve este sector nas últimas décadas: contratação de enólogos profissionais, estrangeiros e portugueses, grande investimento na produção – introdução e combinações de castas – com reflexos na qualidade do produto, mas também no layout do mesmo (rótulos, garrafas, apresentação geral) – havia rótulos gráfica e plasticamente de excelente design – na divulgação, na distribuição, etc., etc.
Vamos, sem dúvida, repetir.
Até para o ano com mais Vinhos e Sabores…

7 de novembro de 2005

A quadratura do círculo na Justiça das Pólis

Apesar dos formalismos jurídicos em que se enreda a autofágica Justiça da Pólis, vamos vislumbrando, aqui e ali, alguns sinais de esperança para os homens desta nossa Pólis, como, por exemplo, nalgumas decisões judiciais sobre mulheres acusadas de aborto, nas quais o bom senso tem prevalecido na aplicação da lei. Quando isso acontece, o Pólis&etc. rejubila. É sinal de que a Justiça da Pólis usa a cabeça e não apenas a lei. Esta é um meio e não um fim em si mesmo. É enquadradora, devendo-se respeitar mais o espírito do que a letra. E isto independentemente da latitude em que eles ocorrem. Vem isto a propósito de uma notícia da Visão, desta semana, em que se dá conta da absolvição, na Nigéria, de uma mulher, Amina Lawal. Amina casou-se e divorciou-se duas vezes, tendo depois engravidado. Foi presa pela polícia islâmica, acusada de adultério e condenada à «lapidação», ou seja, a ser enterrada até ao pescoço e apedrejada até à morte. O facto de não estar casada e ter tido um filho constituía a prova do adultério. Os advogados «desenterraram», então, umas teorias ancestrais do pensamento islâmico, segundo as quais uma mulher pode dar à luz um filho até cinco anos depois de ter sido concebido. Original, de facto. Apesar do absurdo, os juízes aceitaram a tese e anularam a sentença anterior. É – como se vê – possível a «quadratura do círculo» na Justiça da nossa e de todas as Pólis…

4 de novembro de 2005

Preconceito sem Orgulho no Expresso

O «nosso» bem conhecido Expresso traz esta semana, na última página, uma notícia com o título Morte de portuguesa em experiência farmacêutica. A dita notícia, assinada por Graça Rosendo, reza assim:
«A FAMÍLIA de Felícia Moreira pôs em tribunal a multinacional Abbott, alegando que Felícia morreu por ter tomado um medicamento daquele laboratório, durante um ensaio clínico. Trata-se de uma acção inédita em Portugal, pretendendo a família de Felícia que a multinacional «trate os doentes europeus, e no caso os portugueses, da mesma maneira que trata os norte-americanos», explicou ao EXPRESSO o filho da doente, o economista, Fernando Moreira».

Felícia sofria de artrite reumatóide. Aceitou participar num ensaio clínico de um novo medicamento e morreu de uma sépsis, uma infecção generalizada, alegadamente causada pelo medicamento. A Abbott propôs uma indemnização de 1 milhão e dólares. A família quer mais. Eis a síntese da notícia. Lamenta-se, naturalmente, a morte e a tragédia pessoal daquela família. E espera-se que as bulas dos medicamentos comercializados na Europa e em Portugal sejam tão exaustivas quanto nos Estados Unidos.

O que nos interessa, porém, hoje assinalar aqui é a indicação, dada pela jornalista, da profissão do filho de Felícia Cabrita, que nada acrescenta à notícia. Porquê referir-se «economista». A notícia é sobre «Economia»? Tem de se invocar essa qualidade? A profissão acrescenta alguma coisa à notícia? A profissão confere credibilidade aos factos relatados? Se o filho da doente fosse empregado da construção civil, canalizador, mecânico, isso apareceria? É óbvio que a resposta a estas questões é «Não». E um «Não» rotundo. Essa indicação, porém, encerra um preconceito social e um elitismo idiota por parte de um jornal de referência como pretende ser o Grande Educador do Povo da Pólis (GEPP). O «tique», porventura involuntário, do GEPP, é afinal um pouco o reflexo de todos nós, enquanto povo. Recém chegados à «ilustração» dos cursos universitários e à «terciarização», o nosso reconhecimento social advém em muito do prestígio das profissões e dos títulos universitários que ostentamos... Lembro-me sempre, quando vejo destas, das palavras de um velho professor quando, na Faculdade, nos referia que uma «licenciatura» era apenas – e de acordo com a origem e o uso da designação medieval da expressão – uma «licença para ensinar»… E já agora – por falar em jornalismo de referência – o título interior da notícia é Ensaio para a morte. O 24 Horas, que para o GEPP não é um jornal de referência, certamente não faria melhor…
Eis, pois, no seu melhor, o melhor jornalismo da Pólis…

3 de novembro de 2005

O tempo da crónica II

Mais umas achegas ao Tempo da Crónica, desta vez da autoria de Joaquim Letria, tiradas de um «livrinho» que o Pólis&etc. recentemente leu.
«A crónica jornalística é uma informação interpretativa, de factos noticiosos onde se narra algo ao mesmo tempo que tal é comentado. Não é reportagem, não é artigo, é um género ambivalente que tanto valoriza o relato noticioso de factos quanto a opinião do cronista.
[…] A continuidade da publicação das crónicas estabelece uma corrente de simpatia, de identificação entre o leitor e o autor, convertendo este último numa espécie de confidente ou de cúmplice do primeiro.
[…] Na crónica não se pode falar da existência de um estilo objectivo. Podemos considerar que o estilo da crónica é absolutamente livre, ainda que se encontre geralmente sujeito ao imperativo duma notícia, facto, ou relato.
[…] De qualquer modo, o cronista deve sentir-se livre de estilos, regras ou preceitos formais, comunicando da forma como sente os factos e tirando partido do mais próprio do seu estilo. A crónica está a meia distância da notícia e do editorial, da informação, dura e pura e do comentário formal.»
Pequeno breviário jornalístico: géneros, estilos, técnicas. 2.ª ed. Lisboa: Editorial Notícias, 2000, p, 51 e 52.
Acho que agora percebemos melhor o que andamos por aqui a fazer e categorizámos a «coisa», o que também é importante...

1 de novembro de 2005

Leituras da Pólis II – «Amor» de Mega Ferreira

Após se ter falado aqui de António Mega Ferreira. E porque, para além das crónicas na imprensa, apenas havíamos lido – e em tempos idos – um livro, também de crónicas, fomos à procura da sua obra de ficção. Escolhemos para começar uma novela de nome Amor. Novela que relata – o que havia de ser – uma história de amor, entre um jovem adulto e uma mulher mais velha. E o que isso representa para um e para o outro. Surpreendeu-nos a simplicidade e a qualidade da escrita e a densidade da personagem principal, Winnie. Um pouco enigmática, sem ser hermética, mas sem dúvida uma personalidade ambivalente e complexa. No reverso, o seu jovem amante, que serve sobretudo para nos dar a conhecer e desvendar Winnie mas que, também ele, vai crescendo como personagem ao longo do livro. O final é inesperado mas bem conseguido e nele se esclarece muito sobre ambas as personagens. Nele se percebe o percurso interior que condicionou as opções de vida de um e de outro. Para além de uma história de amor e sobre o amor, este é também um livro sobre a velhice e a juventude, sobre o amadurecimento emocional e sobre a escrita: porque se escreve, como se escreve, para que se escreve? A não perder – mesmo – é a carta póstuma de Winnie. Interessante o modo como Winnie (e afinal o autor) resolveu a frustração de não conseguir escrever um romance. Vamos sem dúvida repetir o autor… Eis, pois, como um blogue pode – para além de nos «roubar» tempo a outros prazeres e afazeres – ser também despoletador de novas leituras e de novas descobertas. Esta é claramente uma estrada com dois sentidos. Boas leituras, por aqui na Pólis…

P.S. – Como factor negativo, o papel do «livrinho», a edição é a de 2004, do Círculo de Leitores. Pensávamos que no séc. XXI já não se faziam livros com aquela qualidade de papel, ainda para mais no Círculo de Leitores… Onde até já esteve o autor... Cheio de acidez… Pouco melhor que o papel de jornal… Vai envelhecer mal e durar menos de 100 anos, e com muito boa vontade, dizemos nós… Porém, o suficiente para muitos desfrutarem dele. Não gostámos da tentativa, muitas vezes forçada, por parte do autor, de mostrar «erudição», leituras, mundo... Não havia necessidade, eles naturalmente já lá estão…

Foto – Edição de «Amor», da Assírio & Alvim
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