31 de agosto de 2008

Não vamos a lado nenhum…

O ministro da Administração Interna, Rui Pereira, anunciou, como medida de combate à actual vaga de criminalidade, a revisão da lei das armas, de modo a quem cometa um crime com recurso a armas seja colocado, «sem nenhuma dúvida interpretativa», em prisão preventiva. Não sei se a afirmação, «sem nenhuma dúvida interpretativa», augura muito de bom! Tenho, desde logo, um certo horror a essa rigidez do preto e branco. E referir o «sem nenhuma dúvida interpretativa», com aquele ar grave de pseudo-autoridade que ele põe, arrancou-me um sorriso. Creio que, aliás, a todos os que ouviram. A filigrana do Direito, que se encontra nos antípodas disso, quase nunca permite tal coisa. Porém, boa ou má, é pelo menos uma medida concreta. E a única coisa aproveitável de uma certa vacuidade e mesmo de algum desconhecimento dos números – não é admissível que o ministro das polícias não saiba quantos polícias saíram nos últimos anos – que caracterizaram a entrevista de Rui Pereira à televisão.
Os ecos da entrevista foram vários. Entre os quais, um, o de António Martins, presidente do sindicato dos juízes, mais uma vez com declarações totalmente inqualificáveis e inaceitáveis. O homem sempre que fala atira-se aos políticos como o gato ao bofe, como se fossem a fonte de todos os males da Justiça e do sistema judicial. Anda sempre a debitar a costumeira cassete das desculpas que se traduz na máxima: os juízes não fazem a lei, apenas a aplicam. E lava as mãos! Nunca lhe ouvi, aliás, nada de construtivo. Apenas critica mas nunca se auto-critica e nunca propõe nada de concreto para melhorar. Aliás, se os políticos falassem dos juízes com o desprezo com que ele fala dos políticos, era um aqui d’el-rei. Desta vez, porém, ele foi ainda mais longe. E disse cinicamente que se admirava de o ministro ter proposto isso, já que a competência para legislar é da Assembleia da República (AR), para concluir depois que a AR é uma caixa de ressonância dos partidos. E se os deputados falassem assim dos juízes, o que diria António Martins?! E se os membros do Governo falassem assim dos juízes, o que diria António Martins?! E se o Presidente da República – por absurdo – falasse assim dos juízes, o que diria António Martins?! O que eu pergunto, sinceramente, é até quando vamos nós, enquanto sociedade, tolerar este tipo de afirmações por parte de quem se diz titular de um dos poderes de soberania? Como é que num estado democrático moderno, do século XXI, pode haver um poder de soberania que não é eleito e que não tem qualquer tipo de escrutínio ou de controle democrático instituído a falar deste modo dos outros poderes? Em nome de quê? Do Estado de Direito?! Mas de que Estado de Direito? De um Estado de Direito canhestro e primitivo saído directamente da pena de Montesquieu! Ora, hoje, no século XXI, a garantia das liberdades civis, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, são porventura feitos mais pela mediatização e pela globalização do que pela Justiça. Enquanto não se questionar os fundamentos da legitimidade de um poder ineficiente e ineficaz, não creio que vamos a lado nenhum no aprofundamento do chamado Estado de Direito...

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24 de agosto de 2008

Indecoroso

O que se passou em torno dos Jogos Olímpicos foi indecoroso. E não foram tanto os resultados, as declarações dos atletas ou as declarações do presidente do Comité Olímpico, foram sobretudo as declarações dos opinion makers da Pólis. Alguns – Dias Ferreira, Fernando Seara e Guilherme Aguiar – chegaram até a enojar-me. Essa gente acha que os 500, os 1000 ou os 1500 euros que o País paga por mês a alguns atletas olímpicos sob a forma de bolsas é o bastante para lhes exigir medalhas. É bem certo que algumas declarações desses atletas não foram felizes e que alguns resultados também não, mas é totalmente desproporcionado e injusto o que sobre isso se disse. O País não pode exigir o mundo a quem paga apenas aquilo. O País devia, pois, ser muitíssimo mais comedido e moderado nas críticas e aqueles comentadores que se calhar ganham mais num programa do que aqueles atletas num mês deviam corar de vergonha com as boçalidades que sobre isso disseram. Alguém que dedica 5, 6 e mais horas diárias da sua juventude a praticar desporto, muitas vezes desinvestindo da sua formação e de uma carreira profissional por valores como aqueles – mesmo que sem conseguir resultados brilhantes – já que não é elogiado, pelo menos que não seja achincalhado como aconteceu.

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16 de agosto de 2008

Zelota

Regressei ontem de quinze merecidíssimos – digo eu – dias de descanso, que o ano foi bastante complicado a diversos níveis, sobretudo do ponto de vista profissional. Tarefas intelectuais nestes dias, apenas a leitura de livros, jornais e revistas. Absolutamente mais nada. Ainda levei o portátil, mas nem sequer o tirei da mala. Noutros anos ainda fiz uns postes. Mas neste nadita de nada. Apesar de naturalmente instado por algumas das coisas que fui vendo e lendo. Uma coisa, porém, não posso deixar passar em claro, de tal modo a achei perturbadora.
Num dia de Agosto apanhei, numa das televisões da Pólis, uma notícia que dava conta de que o nosso Primeiro (PM), José Sócrates, queria pagar a multa por ter fumado no avião para a Venezuela, mas que não se sabia quem lha passava, se a ASAE, se a PSP. Ora, ao que os jornais noticiaram o PM estava de férias, pelo que aquilo deve ser obra dos assessores, mas certamente com o seu acordo. Confesso que fiquei estarrecido. O assunto praticamente morreu. Só alguns zelotas da Pólis – ou da lei – ainda falam nisso, invocando a igualdade de todos perante a lei, etc. e tal. Mas, claro, zelotas há-os em todo o lado. É bom, porém, que o PM não seja zelota. Na função, quer-se alguém com bom-senso, que saiba discernir o essencial do acessório e que desse modo saiba avaliar as situações da governação. Querer pagar à força pagar aquela multa denota um espírito zelota que me parece desde logo perigoso. O PM deu em tempos boas explicações sobre esse episódio. Foram satisfatórias para quase todos. De onde, nada mais há a dizer. Além de perigoso, o espírito zelota parece-me hipócrita, pois no mínimo podemos justamente perguntar se o PM o usou nalguns episódios vindos a lume da sua vida passada...

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