O Rendimento Máximo Garantido

Breves devaneios, reflexivos q.b., sobre a vida na Pólis & etc.
Todas as áreas têm palavras-chave. Algumas são entidades mais ou menos nebulosas e mais ou menos míticas. Todos sabem o que é e ninguém sabe o que é. No futebol fala-se no «sistema». No ensino – deverei dizer na educação – fala-se na «matéria». A matéria! Ontem, num dos jornais da noite da nossa televisão – ao que creio na SIC – falou-se nas consequências da «ponte» deste fim-de-semana no funcionamento de várias áreas. Uma das escolhidas foi as escolas. Em várias entrevistas a professores e alunos perguntou-se se tinham tido aulas e em caso negativo se tinha havido aulas de substituição. Numas e noutras, a repórter perguntou – e bem – se se tinha falado no 25 de Abril que hoje se comemora. A resposta foi sempre negativa. Uma das alunas referiu mesmo que: «Não, não! Só falámos mesmo na matéria». Resta dizer ainda que, quando perguntados sobre o significado do 25 de Abril, as ideias foram quase sempre difusas. Houve uma aluna que chegou mesmo a balbuciar o nome de Hitler... Percebe-se bem a que é que o «sistema» da «matéria» nos está a conduzir…
A tendência da maior parte dos postes é mesmo apontar o que está mal. O que está mal indigna-nos e leva-nos a uma reacção e dessa à escrita dista um passo. Porém, há, salutarmente, alguns em sentido contrário. Como este. Ontem vi na televisão – julgo que na SIC – e aplaudi interiormente o novo Inspector-Geral da Administração Interna, Clemente Lima. Confrontado com as imagens de um agente do Porto a brutalizar, sem qualquer necessidade, um cidadão que não oferecia qualquer resistência, não fugiu às perguntas, não se refugiou no politicamente correcto. Reconheceu o óbvio abuso de autoridade. Não houve as costumeiras frases: «as imagens parecem indicar que […] mas […]», «não me posso pronunciar porque não conheço os contornos concretos do caso» ou «vamos proceder a um inquérito e apurar responsabilidades». Nada disso. Reconheceu a evidência, como qualquer cidadão de bom senso o faria, e ainda disse que «havia mais homem para além do pecado», ou qualquer coisa do género. Firme mas sem diabolizar. Uma declaração certa no cravo e outra adequada na ferradura. Declarações ajustadas no conteúdo e na forma, fora do politicamente correcto, sem chegarem a ser politicamente incorrectas. É que ainda há quem ache que para além do preto, só há o branco. E não há. O arco-íris tem muitas cores e, mesmo que só entre o preto e o branco, há os cinzas e em vários graus. Aplaude-se.
São as regularidades que orientam a vida na Pólis. Ainda que discordemos delas. Hoje deparámo-nos com uma quebra dessas regularidades que norteiam e conferem segurança à nossa vida na Pólis. Momentaneamente, instalou-se a confusão. E depois a perplexidade. Vamos falar novamente da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Agora já não da EMEL mas da CML itself. A instituição pública que - quanto a nós - pior funciona na Pólis. Leva a palma a todas as outras. Ineficácia absoluta. Dizemo-lo fundamentadamente, por motivos que não vêm agora ao caso. Hoje falamos apenas de uma cretinice. De manhã fomos à sede da Companhia de Seguros Victória. Rezava no estacionário da dita seguradora a seguinte morada: Avenida da Liberdade, n.º 200. Apenas e só uma das artérias principais de Lisboa. Expectavelmente, confiámos na regularidade da distribuição urbana dos prédios da Pólis: números pares de um lado, números ímpares do outro, sem hiatos. Engano! Fomos caminhando no sentido Restauradores-Marquês de Pombal. A numeração sucedia-se por ordem crescente, fazendo-nos aproximar do ponto de destino, o tal número 200. Ao 190, sucedeu-se o 192, a este o 194 e a este o 196. Porém, ao 196 sucedeu-se o 202! Onde estavam o 198 e o 200 da Avenida da Liberdade? Voltámos para baixo, desconfiando dos nossos olhos e do nosso tino. Nunca da regularidade expectável da vida da Pólis. E a coisa confirmou-se. Um cívico fardado, que por ali andava, elucidou-nos sobre qual era o prédio da Victória. Era o 196, por cima da porta, e o 200 numa placa de acrílico ao nível dos olhos! Segundo me disseram depois, a burocracia da CML não permite que se coloque o n.º 200 por cima da porta, apesar de ele não existir em nenhuma outra porta e de este ser a sede da Victória. Certo é que não existe nem 198, nem 200, na Avenidade da Liberdade, em Lisboa. Fora-de-série, realmente, mas fora da série que esperávamos da regularidade da vida da Pólis...
No sábado passado, após umas quantas braçadas matinais, estacionei o carro numa das artérias principais de Lisboa para ir tomar um café e ler o jornal. É um dos rituais de fim-de-semana. Passei talvez 1H30m, ou um pouco mais, num café com mesas, espécie cada vez mais rara. Para mim existem duas categorias de cafés: os cafés com mesa e os cafés com balcão. Naquele ainda há mesas e – pasme-se - cadeiras de madeira. O alumínio já entrou ali mas timidamente e apenas nos balcões. Além disso, a fauna local é escassa e civilizada, bem como os empregados, o que ajuda ao bem-estar e à tranquilidade que se pretende num sábado de manhã. À saída, porém, tinha este aviso no pára-brisas. Não vou discutir a regra cretina que obriga ao pagamento do estacionamento naquela zona ao sábado de manhã. Ali quase só há serviços, o comércio rareia e, ao sábado, o estacionamento abunda. Aliás deixo sempre o carro rigorosamente no mesmo sítio. É como se tivesse lugar marcado. De onde, não vislumbro qualquer boa razão para pagar o estacionamento. O estacionamento pago no interior da cidade fez-se para desincentivar a vinda de automóveis para Lisboa nos dias úteis e não para onerar os residentes na cidade ao sábado de manhã. Conviria até incentivar o povoamento daquela zonas, naqueles dias. Mas regra é regra, e regra universal é regra universal. Uma universalidade cretina, porém, há que disciplinar a coisa pública e, por isso, paga-se. Vantagem é já não ter de ir a nenhum guichet para pagar os €2,07, curiosa conta (gostava de saber a fórmula que está por detrás dela). Pode-se pagar por Multibanco. Simplex e higiénico. Até aqui, tudo bem, ainda que possa estar mal. O problema é o texto do talão/aviso. Não falamos da pontuação, com erros grosseiros, ou da sintaxe, aqui ou ali duvidosa. Ou sequer da clareza e do rigor da mensagem, de que é exemplo a ameaça final de bloqueamento/remoção da viatura?! Será que se não pagar me vão buscar a viatura à garagem? Ou será que, depois de findo o prazo, a rebocam onde quer que esteja, como se de um foragido com mandato de captura se tratasse? Adiante. Falamos sobretudo da quasi absoluta ausência de acentos nas palavras do texto do aviso. Curiosamente, estas excrescências da Língua aparecem nas maiúsculas, mas não nas minúsculas. Claro que, com boa vontade e sentido cívico, lá compreendi a mensagem da EMEL, presumo que seja a EMEL, pois no aviso aparece uma entidade chamada Spark, seguida da frase Ao serviço da EMEL. Certamente uma consequência do fenómeno de externalização - havia quem lhe chamasse outsourcing – mas agora esta é a palavra certa e da nova vaga… O meu criado, criados tem… Aliás, é curioso que quando se fala nas gorduras da máquina do Estado, nunca se fala nas gorduras das externalizações na máquina do Estado. É que afinal, eu não estou a pagar à CML, e, por consequência à cidade, eu estou a pagar à CML, à EMEL e à Spark, e sem acentos… Será que esta moda de suprimir os acentos já se integra no Simplex? É que, atendendo à profusão destes na Língua Portuguesa e ao afã da EMEL, Spark e afins em penalizar tudo o que se mova com quatro rodas, sempre são uns quantos tinteiros que se poupam…
Desengane-se quem vá ver Match Point e espere encontrar o universo habitual de Woody Allen. Nada de personagens torturadas pelas suas neuroses, nada de personalidades urbano-depressivas, nada de relações familiares complexas. Neste filme, as personagens são de uma enorme linearidade, de uma enorme previsibilidade. São terrivelmente normais, diria mesmo banais. É por isso um filme profundamente materialista, céptico e amoral. Não há qualquer lugar para a transcendência, para a análise existencialista sobre o sentido da vida, para o drama de existir. Aqui o que conta é ter sucesso, fruir a vida, ter filhos. E para isso vale tudo. O filme acaba também por ser uma espécie de filme-tese. Porque pretende provar que afinal tudo acontece por acaso, por pormenores fortuitos, pela sorte do momento, pela bola que bate na rede e assim permite fazer o derradeiro ponto e ganhar o jogo. E neste desafio a sorte protege sempre os mais ricos. Não havendo também aqui ponta de utopia. É um filme cru e nesta crueza reside o seu génio, sobretudo por oposição à grande parte do Allen anterior. A única ligação deste ao Allen clássico, como que uma assinatura à Hitchcock, aparece num diálogo em que, ao falar-se de um casamento de sucesso, se diz que isso se devia ao facto de ambos terem «neuroses compatíveis». Interessante conceito! Notável é também o modo como a música de ópera permite ligar todo o filme. E nela há também uma ruptura com o jazz que caracterizava o Allen anterior. E por falar em Hitchcock, o velho cineasta decerto não desdenharia assinar a parte final do filme, que antecede os assassinatos: a cena do «atirar da aliança» que se liga com a cena de abertura, o sonho do detective, o diálogo imaginário de Chris com as duas mortas... Match Point.
As siglas invadiram o nosso quotidiano. Supostamente para facilitar a comunicação, mas creio que, atendendo à profusão, já começam a atrapalhar. E isso nota-se, quer na comunicação escrita formal, quer na comunicação escrita informal. Três exemplos ocorridos ontem comigo. Ao ler o Expresso, li de viés uma notícia onde, a dada altura, se referia: «os planos de ordenamento não permitem que ali se faça nada, mas pode vir um PIN ‘lá de cima’». Associei aquilo ao PIN do telemóvel e pensei que fosse uma metáfora para dizer que viria uma ordem que desbloqueasse a situação. Afinal, não. O PIN era a sigla de Projectos de Interesse Nacional, um programa do Governo. Mais tarde, liguei o MSN (lá está mais uma sigla), apanhei o Kroniketas on-line e atirei: «estive a comentar as mamas da PT». A PT era a actriz Patrícia Tavares e aludia ao poste A mania do silicone, sobre os seios (não gosto da palavra, é demasiado respeitosa e perde-se o cariz sexual), sobre as protuberâncias mamárias (ah, como o bom e velho Português se exprime eufemisticamente: estão lá as mamas mas bem disfarçadas e cobertas por muita roupa, pelo que também se perde o cariz sexual), sobre as mamas (fiquemo-nos então pelas mamas, à falta de melhor alternativa) da Patrícia Tavares. Responde-me de lá o Kroniketas: «As mamas da PT? Agora, além duma OPA, a PT também tem mamas?». Bem observado. Pouco depois, na ronda pelos blogues habituais, encontro no Bicho Carpinteiro o poste A importância de se chamar JMF, onde se fala nos equívocos gerados pela sigla JMF, de José Medeiros Ferreira… Para mim, acrescento, que me soa a José Maria da Fonseca, mas adiante…