29 de junho de 2006

Attenborough nas caixas de comentários

Nas caixas de comentários dos blogues, em particular dos blogues principais e abertos, vê-se de tudo, pela positiva e pela negativa. Na versão rural, é um pouco como andar na selva, onde a fauna animal é variada. Na versão urbana, é um pouco como andar na estrada, onde a fauna humana é igualmente variada. Decidi aventurar-me a um exercício de categorização e de caracterização, à David Attenborough, dos três tipos dominantes pela negativa:
1.º O carroceiro puro e duro – caracteriza-se pelo uso de linguagem adjectiva forte, onde o palavrão e/ou insulto soez aparecem como complemento da maioria das frases. Impera o tratamento por tu. Usa-se e abusa-se das interjeições. São sobretudo anónimos mas também os há com nick;
2.º O carroceiro mitigado – igual ao primeiro, mas sem o palavrão que é substituído pelo insulto vulgar. O tratamento pode ser por tu ou por você. Todos têm nick;
3.º O carroceiro-intelectual – basicamente igual ao anterior, variando apenas na quantidade dos insultos, que é menor, e acrescendo o uso da ironia e a inclusão de algumas referências intelectuais ou para-intelectuais. O tratamento é sempre por você. Todos têm nick.
Por norma esta gente não tem blogue, limitando-se apenas a comentar nos blogues alheios, porventura para se furtar à exposição a outros da mesma espécie. O grau de cultura e de informação é variável nas três espécies referidas, provando-se, também aqui, que só gramaticalmente instrução rima com educação…

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24 de junho de 2006

O patriotismo, hoje – parte II

Num dos últimos programas Quadratura do Círculo, ouvi Pacheco Pereira tecer uma série de considerandos sobre o patriotismo, a propósito do Mundial de Futebol e da ostentação dos símbolos nacionais que se vê por toda a parte. Criticou a bandeira portuguesa, com o logótipo do BES e do Expresso num dos cantos, que foi distribuída com aquele jornal há umas duas semanas, e rematou dizendo que este era um «patriotismo de pacotilha». Embora não contrapusesse o que achava que ser o verdadeiro patriotismo, o autêntico, o genuíno, por contraponto ao «patriotismo tipo-Serra», Pacheco Pereira «desfraldou» ali mesmo, para mostrar o nefando crime, a tal bandeira do Expresso, após o que teve necessidade de a dobrar. E aí disse qualquer coisa como (cito de memória): «bom, não estou a dobrar a bandeira de acordo com o que é adequado, mas também não interessa porque isto não é a bandeira portuguesa». É notável esta perspectiva ritualista que alguma da nossa inteligência tem dos símbolos nacionais. Não sei – e até duvido que Pacheco Pereira saiba – os «preceitos canónicos» utilizados para dobrar a bandeira nacional. E julgo que apenas uma vez – na cerimónia de passagem de soberania de Macau para a China – os terei visto, pela mão do governador Rocha Vieira. Agora o que acho é que este é mais um tipo de elitismo e de snobismo da nossa inteligência. Diria mesmo um «elitismo de pacotilha»...

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21 de junho de 2006

A «fast food» da matéria…

Já aqui abordámos, a propósito do ensino, o chamado «sistema da matéria»… Ora dentro do «sistema da matéria», ainda há uns sub-sistemas, um deles é o «sub-sistema dos resumos da matéria»…
Anteontem, realizou-se o exame final de Português do 12.º ano, efectuado por estudantes que estão concluir o Secundário e se preparam para entrar numa universidade… Ao que parece, «saiu Saramago», o mesmo é dizer a obra literária em análise no dito exame era o Memorial do Convento. Já de si uma péssima escolha para quem se queira iniciar em Saramago, mas isso são contas de um rosário que não vamos aqui desfiar... Numa reportagem num dos canais de televisão da Pólis, de um grupo de pelo menos cinco jovens entrevistados, nenhum – digo, nenhum – havia lido integralmente a obra… Todos haviam lido apenas excertos, súmulas, sumários, resumos ou seus sucedâneos, o mesmo é dizer uma espécie de «fast-food» literária unânime, fácil de ler e de compreender e já mastigada… Onde fica aqui o prazer de ler, o esforço que a leitura também comporta, a tentativa pessoal de sistematização e de interpretação…

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18 de junho de 2006

Os fenómenos 134 e 16…

Diz a Visão da semana passada (n.º 692), num extenso artigo dedicado à vagina, que «o recorde de orgasmos femininos em laboratório, por uma única mulher, foi de 134, numa hora, enquanto o masculino é apenas 16». Claro que o fenómeno aqui talvez possam ser os 134 orgasmos femininos, mas pela minha parte confesso que o advérbio «apenas», para qualificar os 16 orgasmos masculinos, deixou a minha masculinidade verdadeiramente à beira de um ataque de nervos… Claro que chamei em meu auxílio a minha «fraca» Matemática, pois para tudo temos um valor absoluto e um valor relativo… e disse para comigo que aquele «apenas» é só e apenas um «apenas» por comparação… Mas, não sei porquê, isso não me sossegou…
P.S. - Espera-se que esta imagem, contrariamente a outra, que em tempos aqui colocámos, não choque certos espíritos mais púdicos da Pólis... Para que se saiba, trata-se de uma gravura japonesa do séc. XVII, sobre a dança da deusa Ame-No-Uzume, que ao que se sabe teve incontáveis amantes e gozou mil orgasmos... Não sei é em quanto tempo...

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13 de junho de 2006

O patriotismo, hoje – parte I

Assisto hoje, não sem algum espanto, ao recrudescer de uma certa noção de orgulho nacional, aqui há uns anos praticamente inexistente. Ao alicerçar a sua propaganda na exaltação dos valores nacionais, o Estado Novo liquidou, sobretudo nos meios da oposição e nas classes urbanas esclarecidas, mais ou menos descontentes com o regime, a noção de Pátria e de patriotismo. Ser patriota era estar com o regime, era defender o Império. Isso criou uma noção de nojo às palavras Pátria e patriotismo que ainda hoje subsiste numa parte significativa da geração de mais de, digamos, 40/45 anos, cívica e intelectualmente formada no Estado Novo… Parte dessa geração ainda não perdeu alguns desses tiques…
Mas Portugal mudou e com ele mudou também o paradigma de ser português…
Contrariamente, os menores de 40/45 anos que já viveram a idade adulta em liberdade, apenas com vagos resquícios da «gramática» da ditadura, assistiram à entrada na CEE, depois UE, à mudança de agulha de um Portugal rural para um Portugal de serviços, voltado para o turismo e mais cosmopolita… A realização com grande êxito e profissionalismo de grandes eventos mundiais, sociais, desportivos e musicais, como a Expo 98, o Europeu de 2004 ou o Rock in Rio, por exemplo, também entra na coluna do haver desta contabilidade… Tal como nela entra a ocupação por portugueses de lugares de destaque em organizações internacionais… Apesar das contas públicas e dos desvios à convergência, os novos portugueses estão mais orgulhosos do seu país… E isso vê-se na ostentação dos seus símbolos que, a propósito do futebol, andam por toda a parte, desde as bandeiras a tudo e mais alguma coisa, o que é positivo enquanto atitude mental, pois só com alguma crença – e como se sabe a fé não é racional – conseguiremos, apesar dos indicadores económicos, ultrapassar o actual estado de coisas na Pólis…

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10 de junho de 2006

Iberismo em contraciclo...

Numa altura em que o Montenegro consegue a sua independência da Sérvia e quando aqui ao lado a Andaluzia terça armas por mais autonomia, já para não falar das pretensões antigas do País Basco, da Catalunha e mesmo da Galiza, nós por cá falamos em iberismo… É certo que não é um iberismo doutrinário, à maneira de Sérgio, é um iberismo videirinho, qualquer coisa como: «se os nossos vizinhos estão economicamente melhor, ok, juntemo-nos a eles»... Mas mesmo assim, não posso deixar de me interrogar sobre esta nossa capacidade para andar em contraciclo, ainda que em contraciclo negativo… É que já houve períodos da nossa História em que andámos em contraciclo, mas em contraciclo positivo, ou seja, não tanto fazendo ao contrário dos outros mas sobretudo ousando fazer diferente do que os outros fizeram…

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8 de junho de 2006

Brideshead na Lapa

A voragem do dia-a-dia deixa-nos pouco tempo para meditar, para nos encontrarmos connosco ou simplesmente para relembrar o passado.
Porém, há certas imagens que são graficamente tão poderosas que nos forçam a reencontrarmo-nos com esse mesmo passado.
Aconteceu-me, esta manhã, na Lapa, em Lisboa, na rua do mesmo nome, onde uma velha drogaria, intocável no seu interior desde há algumas dezenas de anos, ainda sobrevive no tempo dos super e hipermercados. As madeiras escuras e vividas dos armários, as vassouras penduradas por cima do balcão, os detergentes, as ceras e afins em vasilhas para venda avulsa, julguei até vislumbrar boiões de perfume com os rótulos manuscritos para venda a retalho. O dono, e simultaneamente único empregado, de bata branca e um certo porte, apesar de encostado ao balcão, aguardava os clientes.
Foi um momento fugaz, mas suficientemente forte para me transportar até à minha infância e, por momentos, vi-me pela mão da minha mãe a comer uma arrufada na padaria da esquina…

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5 de junho de 2006

Não há rapazes maus…

Já por aqui temos saudado a «espontaneidade» por oposição ao «politicamente correcto» que domina as diferentes áreas da vida da Pólis. A espontaneidade, ainda que para justificar um acto negativo, é, para mim, sempre tocante, pela autenticidade e pela honestidade. Ontem, a espontaneidade veio da boca de Cristiano Ronaldo, o mais novo ídolo da nossa selecção. Não vi sequer o jogo, mas parece que terá havido uma entrada mais dura de um jogador luxemburguês, a que o português reagiu mal, com uma agressão ou pelo menos com uma reacção desportivamente condenável. O que interessa aqui salientar, porém, é a reacção de Cristiano Ronaldo. Nas declarações públicas, pediu desculpas por duas vezes, prometeu não voltar a fazer e ainda referiu, a propósito dos jogadores luxemburgueses, «os rapazes entraram duro». Espantoso! Declarações mais espontâneas do que estas não podia haver. Ainda por cima a multiplicar por três: primeiro, Cristiano Ronaldo teve a humildade de reconhecer que errou e de pedir desculpas públicas duas vezes, segundo tirou ilações para o futuro, prometendo «emendar-se» e terceiro ainda apodou de «rapazes» os jogadores luxemburgueses, num paternalismo entre o condescendente e o desrespeitoso para com uma selecção de menor valor. O que isto mostra, a meu ver, é que Cristiano Ronaldo é um «miúdo», recém-chegado ao estrelato, aos milhões de vencimento mensal, à idolatria dos estádios, ao «convívio» com Merche Romero… E, claramente, não está psicológica e socialmente preparado para ele… É completamente diferente ascender ao estrelato mediático e público através de uma carreira de progressão lenta do que através da «hormona de crescimento rápido» que é o futebol…
Mas, apesar de várias atitudes incorrectas que infelizmente vêm sendo protagonizadas pelo nosso mais jovem ídolo, não me parece que o «rapaz» seja de má índole… Ou, como dizia o Padre Américo, «não há rapazes maus»…

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