23 de setembro de 2006

Iletracia

Chegou-me às mãos, há uns dias atrás, um currículo de uma jovem de vinte e tantos anos, licenciada em Estudos Portugueses, por uma distintíssima universidade portuguesa, em que, a dada altura, se podia ler que tinha frequentado um Curso de Iletracia… Trata-se de um erro de simpatia, porém, dado por uma licenciada em Português e exactamente numa palavra em que não o podia fazer… Não sei se ela teve Latim ou não, desconfio que não, porque se tivesse tido, talvez a palavra lhe tivesse suscitado alguma dúvida... Apesar de existir o iletrismo, a iliteracia foi adquirida, e bem, pela Língua Portuguesa, há um bom par de anos, por comportar uma amplitude semântica que caracteriza melhor alguns novos fenómenos. E, sublinhe-se, além do iletrismo, ainda existe o iletrado. Apesar destas atenuantes, a iliteracia encontra-se amplamente divulgada e são exactamente as pessoas daquela área de formação que a combatem… E se não a sabem escrever, é quase como não saber escrever o nome… E não deixo ainda de pensar que o tal curso foi feito, que o tal curso tinha uma carrada de horas, que o tal curso ainda durou uns dias, que o tal curso teria certamente documentação de apoio e aulas e certificado onde a palavra deve ter aparecido recorrentemente… Além do mais, o currículo foi apresentado em Word, onde o corrector ortográfico dá uma ajuda nestes casos… E, caramba, trata-se do currículo: documento tradicionalmente elaborado com redobrados cuidados… Desculpem lá, mas apesar de ser um erro de simpatia, não consigo ter muita simpatia por ele…

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19 de setembro de 2006

Conversa da treta

Não há condições! Não há mesmo condições! Anda o autor deste blogue, este gajo, o Politikos, a fazer balanços sobre um ano de existência desta inanidade e alguns pindéricos comentadores – atenção que eu disse pindéricos comentadores, porque são poucos, não disse comentadores pindéricos: não quero cá mal-entendidos - a parabenizar o homem e a tecer loas ao Pólis&etc. Um tipo que só faz posts – ainda por cima o engraçadinho, com a mania de ser diferente, chama-lhes postes (deve julgar-se o Malaca Jr.) – sobre temas da treta. Acham que não, é?! Então, follow me! Dêem uma vista de olhos só nos que estão à vista: o primeiro, a contar de baixo, é um post sobre não sei quê dos civis onde fala de uns cágados: de uns cágados… Não digo mais nada, mas apetecia-me tirar o acento àquela última palavra. O seguinte é uma treta qualquer sobre os bloggers do Daniel Oliveira. Pega no adjectivo prolixo e vai daí faz uma arenga do catano sobre aquilo. Chamar bagatela àquilo é um elogio. A seguir vem um texto intitulado Macho Man segundo Camilo. Deste nem sequer falo. É abaixo de cão. E topem-me só o estilo dos títulos, que piroseira!… Na mesma linha, vem A colangite do EPC, ilustrada por uma fotografia repulsiva de umas vísceras: ora eu iscas nem com elas, nem sem elas e ainda menos as iscas do Eduardo Prado Coelho… Além de que Hannibal Lecter só mesmo no cinema… E depois, um arrazoado sobre a Super Liga: futeboladas. Era só mesmo o que faltava aqui, um post sobre os dinheiros do pontapé na bola… Isto quando a guerra no Líbano estava no auge. Este gajo é mesmo um indigente mental na escolha dos temas. Não é capaz de falar sobre nada de jeito, nada que interesse. Algo sério, como na blogosfera como deve ser. Não! Tudo tretas: conversa da treta, é o que é! Para não destoar, a seguir fala nas alfarrobeiras do Pine Cliff Resort… Os anti-temas que este gajo vai arranjar: toda a frioleira é assunto para ele. Alfarroba dava-se aos porcos, diz ele, e é verdade, não é para vir para aqui com isso! Um funeral – veja-se só - também virou um post chamado Haverá solidão maior?: uma lamechice do mais baixo quilate, pior do que o pior que passa nos talk shows televisivos da mais baixa extracção… Bah! E um anúncio sobre a casa do Camilo também deu tema de post. Só porque estava trocado um acento numa palavra! Eh pá, vai dar banho ao cágado, mas é! [...bem, aqui que ninguém nos ouve, de cágados já ele falou e não lhe quero dar mais ideias, até porque o reino animal é grande...]. Depois lá vem, pela primeira vez, qualquer coisinha de jeito, um post sobre o atraso nos tribunais: Foi você que pediu um Estado de Direito… Salva-se este, embora fale no que todos já sabem… Ora ainda se fosse um homem a morder um cão (o PGR a despachar o Envelope 9 numa semana), agora um cão a morder um homem (catorze anos para um tribunal dizer que não é competente): isso não é notícia, ó Politikos. Depois fala-me sobre o tampão do automóvel dele… Este tipo é demais: impagável, mesmo! O que é que me interessa o episódio do tampão da gasolina?! Paga e não bufes, pá, se não queres que te deitem fogo à lata. Logo a seguir vem dizer outra coisa óbvia: que a língua francesa está em declínio. Olha a novidade?! Como se eu já não tivesse visto, há não sei quantos anos, a Alliance Française desaparecer do mapa ali na Braancamp… Uma coroa de flores à beira da estrada também deu uma lamechice chamada Sofrimentos. Este tipo não tarda nada está na TVI… Pensando que tem muita graça, pega num anúncio da União Zoófila e fala no Luís Filipe Vieira (LFV) e nas nomeações dos árbitros para os jogos do Benfica… Ninguém – a não ser ele – acha graça à ligação entre a lata dos animais e o LFV: é forçadita mas o tipo julga-se engraçadinho e deve ficar todo satisfeito com estes títulos… Que cromo?! Além do mais, diz que não é, mas é teimoso como os asnos mais pertinazes e lá vai de encontro ou ao encontro ou lá o que é do Camilo… Mas isso interessa a quem, a não ser a ti, pá? O post da Vera Iustitia ainda se aproveita mas pouco porque afinal vem defender os juízes desportivos contra os outros, opinião que também não lembra a ninguém… Este tipo, além do mais, deve julgar-se original. Bem, sobre a originalidade deste finório, veja-se só a quantidade de vezes que ele utiliza as reticências… É um estiloso... Essa é outra! Já não falo na cena da Pólis para aqui e da Pólis para ali: mas isto é o reino da Utopia ou quê? Fecha o ramalhete aquela frivolidade – chamo-lhe isso para não lhe chamar pior – de um texto sobre o seu blogue. Vá lá que o tipo, lá pelo meio, ainda se manca e fala no Narciso e não sei quê! Fugiu-lhe a boca para a verdade, é o que é. Eu dizia-lhe era para olhar para o espelho e perguntar o que é que lá via: cheira-me que acontecia como a outra, a da Branca de Neve, ou lá o que é… E vocês? Ainda lêem o gajo?! Ganhem mas é juízo ou ainda são piores que ele…

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17 de setembro de 2006

Postas, bagatelas & impulsos de cidadania

O Pólis&etc. completou na sexta-feira um ano de existência, como uma sua leitora atenta fez questão de nos recordar. Há, pois, que assinalar a data com um breve balanço. Temos de nos levar a sério, chiça! Por aqui deixámos umas largas dezenas de postes, fiéis ao lema «breves devaneios, reflexivos q.b. sobre a vida na Pólis & etc.», o qual como se vê é coisa suficientemente abrangente para lá caber tudo e mais um par de botas. Ainda por cima é um lema que não diz nada… Ai que saudade de lemas como o do extinto jornal O Dia: «forma sem servilismo, informa sem dogmatismo». Adoro esta frase e frases destas! Ainda não percebi bem a razão pela qual vou escrevendo uns posts, uns postes (esta palavrinha para significar isto é da minha lavra e por isso gosto dela), ou se calhar umas postas (embora não seja muito dado a tal: «gaba-te cesto...») ou talvez, como outros dizem, uns postais, embora até possam ser postais do tamanho da légua da Póvoa...
E o que são estes postes? Alguns são impulsos de cidadania, outros são impulsos de indignação (mais frequentes) ou de júbilo (mais raros). Outros são nótulas sobre as coisas mais diversas que nos interpelam no nosso quotidiano na Pólis: pequenas, médias ou grandes. Não se trata aqui só dos elevados e pesados temas de geoestratégia ou de política, simplesmente porque isto não é, nem se pretende que seja, um espécie de coluna on-line de jornal em que se comenta o que de mais relevante acontece na Pólis. Isto é apenas e só espelho do seu autor. Há mesmo muitos postes que falam sobre bagatelas sob qualquer que seja o ponto de vista pelo qual os encaremos. Porém, são bagatelas que no momento me interessaram. E é esse o espírito cá do sítio… Talvez os faça pelo gosto da escrita e pelo deleite estético que comporta essa culinária das palavras: exercício narcísico por excelência, como se sabe… E para ser lido por outros - confesso que olho para o contador - mais de 17 mil visitas dá cerca de 47 cliques por dia! Não são todos meus, acreditem pelo menos nisto! Mas enfim, há pecados maiores do que olhar para água e mirar a nossa face lá reflectida?! Enfim, várias podem ser as motivações. Porém, por cá vou andando, roubando tempo ao ócio, à profissão e ao curriculum, e ainda por cima sem qualquer provento óbvio... Quando descobrir a razão pela qual cá ando, eu aviso… Atento, venerador e obrigado a todos os que nos leram neste período, a todos os que comentaram, a todos os que nos linkaram nos respectivos blogues, a todos os que nos recomendaram & etc.

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13 de setembro de 2006

Vera iustitia

Hoje ouvi uma criatura, ao que creio do Conselho Superior de Magistratura, perorar doutamente sobre a necessidade de se legislar acerca da proibição de os juízes integrarem os órgãos de justiça desportiva. A criatura disse ainda com um ar impante e cheio de si, acerca desses órgãos, qualquer coisa como: «ainda se fossem tribunais desportivos mas são apenas 'estruturas autónomas'». E abordou en passant o caso Mateus para sublinhar que se pretende evitar que casos como esse, arbitrados por juízes, cheguem depois aos tribunais comuns. É preciso ter uma ousadia sem limites para vir perorar deste modo sobre os órgãos da justiça desportiva, menorizando-os. Um descaramento, um topete e uma lata ilimitados ou então a criatura sofre de uma espécie de autismo circular, comum aliás a muitos dos agentes da justiça que falam entre si e para si e não para a Pólis e para os cidadãos que deveriam servir. Querem com isto arrebanhar as ovelhas negras dos órgãos da justiça desportiva, tresmalhadas, para o redil das ovelhas brancas da justiça comum. Só que os órgãos de justiça desportiva, bons ou maus, pelo menos decidem e decidem com celeridade. Não se perdem nas marmeladas processuais em que os outros se enredam. Decidem, por exemplo, com base em imagens de televisão e não apenas em papéis, relatórios de árbitros e afins. Adaptaram-se aos novos tempos e aos novos media. Valorizam evidências claras. Não se atêm a formalismos acessórios perdendo a essência das questões. Não arquivam processos inteiros por questões processuais. Julgam e/ou punem, coisa que os outros não fazem. E têm instâncias de recurso que também decidem rapidamente. E se o problema é eventualmente julgarem mal e poder-se depois recorrer à justiça comum, quantas vezes é que os tribunais comuns não anulam as decisões uns dos outros? No dia em que a justiça desportiva se transformar em algo semelhante à justiça comum deixaremos de ter provas desportivas e campeonatos de futebol… Alguém acredita que a vera iustitia, com a sua renda de bilros, alguma vez resolveria o que quer que fosse em tempo útil? A justiça desportiva não tem nada que aprender com a justiça comum. Já o inverso... Além do mais, se os juízes que julgam em órgãos de justiça desportiva saírem, a justiça comum só perde, não ganha nada. Perde, perde cada vez mais contacto com o mundo real da Pólis.

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12 de setembro de 2006

«Ir de encontro» segundo Camilo

Sem querer ser teimoso, ainda volto à vaca fria, agora na ilustre companhia de Camilo. A vaca fria – esclareça-se – é a expressão ir de encontro, de que já por aqui falámos por várias vezes (1.ª e 2.ª). É que descobrimos um exemplo do uso da expressão ir de encontro em Coração, Cabeça e Estômago:
«Eu tinha um par de pistolas de coldres, carregadas muitos meses antes. Para as carregar com a certeza de levar nelas a morte, desfechei-as contra o saguão da casa. A detonação fez grande estrondo e causou grande susto a uma senhora grávida que perdeu os sentidos. O marido desta matrona era cunhado do regedor, e foi queixar-se de mim, como causa dum abalo, que podia trazer funestas consequências dum movito, e a perda do menino, em que ele fiava as alegrias da sua velhice. A dona do hotel, quando tal soube, disse que eu era muito feliz em ter contra mim as queixas de um só dos pais daquele menino possível. Parece-me que esta mulher, com tal juízo sobre paternidades, ia de encontro às ideias, que tenho sobre o fenómeno da geração» (p. 60).
Não sendo inteiramente conclusivo o sentido da expressão usada por Camilo, ser contra ou ser a favor, parece-me com razoável probabilidade, após várias leituras e conhecimento do contexto, que a expressão é indicadora de coincidência. A ser verdade e usada por Camilo, provavelmente o escritor com mais largos recursos vocabulares da nossa literatura, é argumento de peso na discussão. O Pólis&etc., porém, está em condições de garantir que dentro em breve, em site de referência da Pólis em matéria de Língua Portuguesa, irá sair a última palavra sobre esta questão.
Atendendo à polémica que a mesma encerra e para evitar outras supervenientes, a democrática administração do Pólis&etc. decidiu que, doravante, e até superior autorização dos linguistas da Pólis, este blogue e o seu autor passarão a só utilizar, embora a contragosto, a expressão ir ao encontro para significar concordância ou adesão às nossas ideias, abandonando em definitivo a expressão ir de encontro com tal sentido ou com outro qualquer... Salvo melhor opinião ou outros desenvolvimentos, e que nos desculpe Camilo, ir de encontro passará para o nosso pessoal purgatório linguístico... É que eu até posso ir de encontro à parede mas isso não significa que esteja contra ela...

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10 de setembro de 2006

A lata dos animais

Não creio que o grau de desfaçatez no espaço público da Pólis seja maior nos agentes agentes desportivos do que nos agentes políticos, nos agentes judiciais ou noutros. É apenas diferente, mais básico, menos sofisticado e, se calhar por isso, mais visível.
Assistimos nos últimos dias a umas declarações da mais absoluta desfaçatez proferidas por Luís Filipe Vieira (LFV), presidente do Benfica, na sequência da divulgação pelo jornal O Público de umas conversas telefónicas entre aquele e o presidente da Liga, Valentim Loureiro (VL).
O que estava em causa era a escolha de um árbitro para um jogo da Taça de Portugal e depois de vários nomes ventilados por VL, LFV lá acabou por escolher um. Pelo meio palavrões a fechar e/ou abrir cada uma das frases, demonstrativos de uma certa virilidade discursiva, e considerações avulsas sobre os vários nomes que iam desfilando.
Parece que havia um árbitro nomeado e não podendo ser esse, o Benfica – que LFV faz questão quase sempre de tratar pelo nome completo (apesar de tudo preferível a expressões como nação benfiquista) - escolheu outro. Ficámos a saber que se escolhem árbitros ou, pelo menos, que o Benfica escolhe árbitros para alguns dos jogos mais importantes.
E o que diz LFV – pasme-se – que a escolha se ficou a dever a razões de ética, que sabia que os dois árbitros, o nomeado e o escolhido, eram militares e que tal facto garantia um comportamento e um desempenho éticos de maior rigor. Ora, a julgar pelos anúncios recentes da União Zoófila, essa associação pede pelos animais já que eles não têm lata, o que, como se vê, não parece ser verdade para certos exemplares da raça humana que a têm toda…

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7 de setembro de 2006

Sofrimentos

Já por aqui tenho dito que ligo muito ao detalhe. Espero que com isso não perca the all picture. Na via rápida de acesso à Costa de Caparica, na álea de palmeiras que separa os sentidos da via, uma coroa de flores pendurada numa das árvores convoca-me alguns pensamentos. Nada mais, além das flores que naquela forma ali claramente destoam, nos indica o que se terá passado: um nome, uma data, um significado. Conjecturo um acidente, um morto jovem, uma mãe desesperada. A confirmar-se esta conjectura, aquelas flores estão ali a mais e deveriam estar no cemitério, honrando serenamente uma memória. Estando ali, significam apenas a incompreensão pelo sucedido e um luto que não se fez. E penso quanto sofrimento não existe visível e invisível na Pólis. Tenho por ali passado todos os dias desta semana e em todos não deixo de, por momentos, partilhar um pouco daquele sofrimento invisível...

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6 de setembro de 2006

Pequenos sinais de declínio

Peço por empréstimo o título deste poste a um dos blogues da Pólis. Nele falou-se de bidés e de sanitas, de onde me sinto também legitimado para falar de casas-de-banho. No caso, de leituras de casa-de-banho. As ideias são assim, saem umas das outras (e esta havia ficado a germinar a propósito do uso da expressão oficial de liasion por mim usada no poste anterior e logo glosada em comentário pela autora do supracitado blogue). Tenho, desde há largos meses, no sítio atrás referido, um livro que me acompanha em certas permanências nessa divisão das casas da Pólis. O que aí leio é escolhido pelo seu carácter avulso. Algo que se possa ler a espaços, sem perder o norte. Neste momento, são as denominadas cartas secretas (o que se faz para vender livros), trocadas entre Salazar e Caetano, da autoria de José Freire Antunes. São cartas entre os dois homens, cujo único critério de organização é a ordenação cronológica, conveniente assim para ler aos pedaços. Muitos comentários me ocorrem relativamente ao que vou lendo, mas neste poste vou apenas salientar uma característica, comum à época, e hoje quase em desuso: o uso de galicismos. Deparei-me com um pequeno conjunto de cartas em que todas elas tinham um ou mais galicismos. Nelas não se vê (não tenho, pelo menos, memória) um único anglicismo e se existirem são muito poucos... A época era marcada pelo claro predomínio da cultura francesa. Hoje, se repararmos, acontece exactamente o contrário: sintoma do decréscimo de influência da cultura francesa, completamente pulverizada pela cultura anglo-saxónica... São pequenos sinais de declínio...

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2 de setembro de 2006

Esbulhos legais

Somos diariamente confrontados com notícias sobre pequenos roubos perpetrados pelos pequenos larápios da Pólis: a carteira no metropolitano, a mala por esticão numa qualquer esquina, o telemóvel no café, a roupa da marca à saída da escola… E todos nos indignamos… Curiosamente indignamo-nos menos com certo tipo de esbulhos capciosos mas perfeitamente institucionalizados.
A fechadura do tampão de gasolina do meu carro avariou.
Dirijo-me a um concessionário da marca. Já agora tratemos os bois pelo nome: a marca é a Volkswagen (VW) e o concessionário é a Auto-Latina, em Lisboa. Na Secção de Peças explico a situação. Resposta: «não vendemos só o canhão, tem de comprar o kit completo: canhão e tampão». Deixo encomendado. Vou buscar. Valor da peça: €43,26.
É necessário adaptar a chave ao canhão. Digo que sim. Vou buscar. Valor da adaptação: €51,06, correspondentes a uma hora de mão-de-obra, à módica quantia de €40 a hora, a que acresce €2,20 de uma taxa referenciada do seguinte modo: «tratamento e recuperação de resíduos». O acento desta última palavra é meu, porque o programa de facturação da Auto-Latina tem graves deficiências de Português e só acentua algumas palavras, mas funciona bem nas somas e nas multiplicações… Nem questionei o valor da mão-de-obra, embora este seja manifestamente exagerado, quer em termos absolutos, quer em termos relativos: configurar uma pequena fechadura não demora certamente uma hora de trabalho. Porém, não deixei em branco os tais €2,20 do «tratamento e recuperação de resíduos»: «Mas sou eu quem fica com o tampão». Resposta pronta do funcionário: um jovem executivo de oficinas-auto, espécie de oficial de liasion entre o cliente e a oficina, bem apessoado na sua camisa e gravata, cordial mas com aquela manha canina na defesa da empresa (um jovem de sucesso, já se vê!): «É que em Portugal tudo tem de ser reciclado, mesmo as peças mais pequenas». Esbocei o meu melhor sorriso de escárnio, mostrando-lhe bem que não acreditava na coisa. Mas não retorqui. Estava com pressa e em dia de não me aborrecer.
Algumas conclusões deste edificante episódio:

1.º Dever-me-ia ter sido vendido apenas aquilo de que precisava: o canhão e não o canhão e o tampão;
2.º A adaptação da fechadura à chave não levou uma hora de trabalho;
3.º O valor do trabalho-hora é obsceno: €40 hora para alguém que trabalhe 7 horas perfaz €280 dia e €6160 mês, livre de impostos, pois sobre este valor ainda paguei IVA;
4.º O valor de €2,20 do tratamento e recuperação de resíduos sendo adequado para a substituição de peças em que a oficina fique com as peças não o é neste caso em que fiquei com o tampão antigo; quanto pagaria se a peça a reciclar fosse o motor do automóvel ou o próprio automóvel?;
5.º A Volkswagen ao vender o tampão e o canhão está a gerar desnecessariamente lixo, já que eu não precisava para nada de um novo tampão.

Claro que voltarei muito poucas vezes à Auto-Latina e, apesar da minha fidelidade à marca VW, já me começam a aborrecer as pequenas habilidades dos concessionários desta marca... O problema é que isto não deve ser muito diferente nas restantes marcas da Pólis...

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1 de setembro de 2006

Foi você que pediu um Estado de Direito...

Ouvi de raspão – por isso carece de rigor esta minha nótula – nos noticiários da noite das televisões da Pólis que a Justiça desta nossa Pólis, no caso o Tribunal de Cascais, demorou 14 anos para decidir que não era competente para julgar o caso do naufrágio do Bolama… 5110 dias para dizer que não é competente… Imagine-se quantos seriam precisos para julgar o caso… Um juiz entrevistado a seguir diz com ar seráfico que a culpa é dos muitos processos que os juízes têm… Alguns têm mais de 10.000…
Independentemente da causa das coisas, as ditas coisas estão a atingir um estado tal que já não sei o que me despertam! Despertar-me-iam indignação se essa decisão demorasse um ano… Demorando 14 despertam-me tristeza e a esperança de nunca ter de me cruzar com essa Senhora de nome Justiça. Bem como a certeza de pouco contar ou mesmo de não contar com ela apesar de alegadamente – palavra muito cara aos agentes da mesma – viver num Estado de Direito…
Realmente, chamamos a muita coisa Estado de Direito...

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